Como recordava o El País, foi entre o “principal” episódio de racismo com Vinícius Jr. num encontro da Liga (se é que existe uma escala neste tipo de casos) que se começou a gerar a ideia de um jogo particular entre o Brasil e a Espanha. Na sequência do Valencia-Real Madrid da última temporada, que foi interrompido e que levou Carlo Ancelotti a perguntar ao seu jogador se preferia abandonar o relvado – algo que recusou fazer, apontando apenas para a zona da bancada atrás da baliza de onde tinham vindo os insultos –, os dois países quiseram deixar uma mensagem que se transformou numa partida entre as seleções. Nesse dia, o brasileiro não conseguiu evitar as lágrimas. Agora, na antecâmara do tal Brasil-Espanha, também não. E aquele que é para muitos um super herói do futebol mundial vestiu a capa do ser mais mundano sentado na cadeira de uma sala de conferências de imprensa para dizer que, cada vez mais, quer apenas “jogar futebol”.

Vinícius apontou, ameaçou sair após cânticos de “mono”, chorou e acabou expulso: “Espanha já é conhecida como um país de racistas”

“Episódios de racismo? É bastante triste, é algo que se passa em cada jogo, em cada dia. Cada denuncia que faço deixa-me muito triste, a mim como a todos os negros que estão no mundo. É algo triste mas é algo que vai acontecendo, não apenas em Espanha como no mundo. Ao meu pai também aconteciam, escolhiam um branco antes do negro. É algo que noto e contra o qual luto porque me escolheram a mim… Luto para que no futuro próximo nada disto aconteça”, começou por dizer no início da conferência antes do jogo no Santiago Bernabéu, apresentando-se com uma camisola que tinha escrita a frase “Apenas uma pele”.

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As perguntas foram-se sucedendo, a maioria das quais tendo como contexto a questão do racismo. Mais de dez minutos depois, o tema continuava em cima da mesa. “Quero que as pessoas negras possam ter uma vida normal como todas as outras. Quero continuar a lutar apenas por isso, porque se não fosse assim ficava só em casa e aí não me podiam fazer nada. Vou para os jogos com a cabeça apenas focada em jogar, para poder fazer o melhor para a minha equipa sabendo que nem sempre é possível. Por isso, tenho de concentrar-me muito todos os dias…”, explicou, antes de quebrar e “gelar” a sala, com os jornalistas a verem à sua frente uma explosão de emoções de quem queria ser conhecido e falado apenas pelo que faz em campo. Vinícius Jr. parou, baixou a cabeça, passou os dedos pelos olhos húmidos, respirou fundo e continuou a falar.

“Comunicados não funcionam. Culpar-me para justificar atos criminosos também não. Não é futebol, é desumano”, desabafa Vinícius Júnior

“Só quero jogar futebol, só quero dar tudo pelo meu clube e pela minha família”. E parou de novo, com vários jornalistas brasileiros a perceberem o momento e a aplaudirem o jogador quase que numa forma de consolo perante o desabafo de quem sente cada vez mais pressão por algo que nem deveria ser assunto. Havia agora um outro “jogo” na sala. De um lado, a necessidade de proteger um dos melhores jogadores da equipa que estava mais vulnerável do que nunca. Do outro, a vontade de deixar uma mensagem forte antes, durante e depois do encontro com a Espanha para que algo pudesse na verdade mudar. Vinícius Jr. continuou, admitindo que muitas vezes se torna desgastante fazer queixas e ver que depois nada acontece.

“O que me irrita mais é a falta das punições. Se começarmos a punir as pessoas que cometem este crime, vamos começar a evoluir. Faço tantas denúncias, muitas vezes chegam cartas para fazerem mais denúncias, mas no final acontece como aconteceu com o meu amigo em Barcelona, eles arquivam o processo e ninguém sabe de nada. Se começarmos a punir essas pessoas… Eles não vão mudar o pensamento mas vão ficar com medo de falar. Há crianças que gozam comigo e eu não as culpo porque elas não entendem. Eu na idade delas também não entendia o racismo”, referiu o jogador do Real que está “pronto para a luta”.

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“Se saio daqui, dou aos racistas o que eles querem. Vou continuar aqui a lutar, a jogar no melhor clube do mundo, a ganhar títulos, a marcar golos. As pessoas vão ter de levar cada vez mais o meu rosto. Os racistas são minoria. Como sou um jogador atrevido, que joga no Real Madrid e ganhamos muitos títulos, é muito complicado, mas vou seguir firme e forte porque tenho o apoio do clube e do presidente”, assegurou o avançado de 23 anos. “Só quero jogar futebol, só quero estar bem e só quero poder ir a todos os campos de Espanha com toda a tranquilidade para que ninguém me possa julgar pela minha cor de pele”, concluiu.