As obras de restauro da Igreja Matriz de Malhada Sorda, no concelho de Almeida (distrito da Guarda), revelaram um conjunto raríssimo de pinturas de evidenciada qualidade artística, realizadas provavelmente em finais do século XV, foi esta quinta-feira anunciado.
Em comunicado, a Fundação Família Luzia Esteves Pinheiro e a Diocese da Guarda anunciam que a continuação dos trabalhos de conservação e restauro das pinturas murais da Igreja Matriz de Malhada Sorda revelaram um “raríssimo ciclo iconográfico sobre as aparições de São Miguel Arcanjo”.
Os trabalhos de restauro já tinham posto a descoberto algumas pinturas murais de grande valor, mas a continuidade do restauro “trouxe à luz do dia um raríssimo conjunto de magníficas pinturas de evidenciada qualidade artística, realizadas, muito provavelmente, ainda em finais do século XV”.
Obras em Igreja no concelho de Almeida põem a descoberto pinturas do século XV
De acordo com o historiador de arte Ruy Ventura, investigador no Centro de História da Sociedade e da Cultura, da Universidade de Coimbra, que fez uma apreciação preliminar do conjunto, trata-se de “um ciclo iconográfico relacionado com o padroeiro da igreja, São Miguel”.
O investigador, citado no comunicado, explica que “o conjunto pictórico revela influência das gravuras de Michael Wolgemut, que acompanham a “Crónica de Nuremberga”, de Hartmann Schedel, mas também de outros gravadores de finais do século XV”.
Ruy Ventura salienta que o conjunto tem ainda semelhanças fortes com o trabalho de Maestro Bartolomé, pintor que trabalhou na mesma época em Ciudad Rodrigo (urbe espanhola que chegou a ter jurisdição religiosa sobre a região onde se situa Malhada Sorda), nomeadamente no retábulo principal da sua catedral.
O investigador descreve que o retábulo fingido em pintura mural, do qual faziam parte pelo menos cinco pinturas, tem um caráter narrativo.
“Essas cenas, circundadas por um enquadramento gótico, permitem, para já, identificar algumas das aparições do Arcanjo, narradas num texto do século IX e também na “Lenda Dourada”, obra escrita no século XIII pelo dominicano Jacopo de Varazze, arcebispo de Génova”, refere Ruy Ventura.
O historiador de arte sustenta que “tanto quanto pode ser visto já nessas obras de arte, antes da sua limpeza, conservação e restauro (em curso), estamos perante pelo menos três momentos ocorridos no Monte Gargano (Itália) talvez o principal santuário dedicado ao chefe das milícias celestes: o Milagre do Touro; a aparição do Arcanjo ao bispo de Siponto, que lhe pede a proteção contra os napolitanos, ainda pagãos; e a deslocação de todas as autoridades da cidade à igreja dedicada a São Miguel, agradecendo a sua intervenção sobrenatural, que lhes garantiu a vitória sobre os inimigos e a sua posterior conversão”.
Existia ainda uma quarta cena, mas foi em grande parte destruída. “No centro, temos uma grande representação da figura angelical, sob a qual poderia existir uma quinta “história”, entretanto eliminada”, refere Ruy Ventura.
O investigador considera que a conclusão dos trabalhos de limpeza das pinturas e a observação das pinturas “in loco” permitirá, a seu tempo, desenvolver estudos mais alargados sobre o conjunto pictórico.
As pinturas foram descobertas durante os trabalhos de restauro promovidos pela Fundação Família Luzia Esteves Pinheiro com o objetivo de recuperar o templo à sua originalidade. Com a intervenção foram descobertas as pinturas que se encontravam escondidas atrás do retábulo e sob uma camada de cal.
A Fundação já tinha dado a conhecer o aparecimento das pinturas murais, tendo sido possível avaliar melhor o seu valor com a continuação dos trabalhos de restauro.