O Governo vai exonerar toda a mesa (órgão de gestão) da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), liderada por Ana Jorge, segundo avança a SIC Notícias e confirmou o Observador. Em comunicado divulgado entretanto, o Governo justificou a decisão de exonerar os membros da instituição, como inevitável “por a Mesa, agora cessante, se ter revelado incapaz de enfrentar os graves problemas financeiros e operacionais da instituição, o que poderá a curto prazo comprometer a fundamental tarefa de ação social que lhe compete”.
A atual provedora foi informada esta segunda-feira da decisão pela ministra do Trabalho , Segurança Social e Solidariedade. A exoneração só é efetiva quando for publicada em Diário da República e tem de ser assinada também pelo primeiro-ministro, para além de justificada de acordo com os estatutos da Santa Casa.
No comunicado entretanto divulgado pela Presidência do Conselho de Ministros são avançadas várias situações, destacando-se:
- A iminente rutura de tesouraria, identificada em junho do ano passado, mas para a qual, diz agora o Governo, a “administração cessante não tomou as medidas adequadas que se impunham, para inverter rapidamente a situação financeira de extrema gravidade e os riscos de insustentabilidade da SCML”.
- Não foi apresentado um plano estratégico ou de reestruturação, nem um plano para fazer face à forte queda de receitas causada pela diminuição dos proveitos dos jogos sociais.
- Os receios “fundados” e verificados sobre a “falta de diligência necessária da atual Mesa para resolver eficaz e celeramente a exposição à atividade internacional ruinosa”.
- A multiplicação de alertas da redução significativa da atividade da ação social da Santa Casa.
- Incapacidade de prestar em tempo a informação pedida pela tutela pela Mesa
O Público noticiou, esta segunda-feira, que numa reunião no dia 12 de abril, o ministério liderado por Rosário Palma Ramalho pediu um plano de reestruturação urgente à Santa Casa, no prazo de duas semanas, um período que Ana Jorge terá dito que não conseguiria cumprir. A exoneração aconteceu passado esse prazo e sem a provedora ter sido recebida pelo primeiro-ministro, a quem tinha pedido audiência.
Câmara de Lisboa sinaliza também “crescente incapacidade” da Santa Casa na ação social
E coincide no dia em que a Câmara Municipal de Lisboa, liderada pelo social-democrata Carlos Moedas, fez um comunicado duro para a instituição a lamentar-se da “crescente incapacidade de resposta no domínio da ação social”. Uma incapacidade, refere o comunicado assinado por Sofia Athayde, vereadora com o pelouro dos Direitos Humanos e Sociais, “que contrasta de forma flagrante com as crescentes exigências com que a cidade se vem debatendo na área Social e que obrigariam a uma reorientação da atividade da SCML, por forma a assegurar cabalmente aquelas que são as suas responsabilidades, e a um reforço significativo dos recursos alocados a esta área.”
Segundo o mesmo comunicado, a Santa Casa tem competências específicas de intervenção no município de Lisboa que vão desde o apoio infantil, a assistência aos refugiados e imigrantes e à população sem abrigo.
A exoneração da provedora nomeada há um ano surge também num contexto de mudança política no Governo. Ana Jorge foi ministra da Saúde de um Governo socialista e tinha a confiança da anterior ministra da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, que apressou a sua entrada há um ano em substituição do ex-provedor Edmundo Martinho, ainda antes deste acabar o mandato.
O provedor é nomeado por despacho conjunto do primeiro-ministro e do membro do Governo que exerce a tutela, neste caso, a ministra da Segurança Social por um mandato de três anos. Os restantes elementos (vice-provedores e vogais) também são nomeados pelo Ministério da Segurança Social, ouvida a provedora. Com esta decisão, além de Ana Jorge, saem os vogais Nuno Miguel Alves, Teresa do Passo, Sérgio Cintra e João Correia. A vice-provedora Ana Vitória Azevedo já se tinha demitido no final de março.
A exoneração da mesa da Santa Casa surge a seguir a ter sido dado por concluída uma auditoria ao negócio de internacionalização da instituição. Esse negócio terá causado perdas de, pelo menos, 50 milhões de euros. Na auditoria, como o Observador explicou, foram identificados indícios de crimes económicos e de práticas ilícitas na gestão de empresas que foram criadas para os negócios no Brasil.
A gestão de Ana Jorge procurou estancar as dificuldades financeiras na SCML com várias medidas, desde a redução do número de chefias e negociação com fornecedores, passando pelo reforço das verbas recebidas pelo Estado para a prestação de cuidados complementares nas áreas da saúde e da segurança social, para além de uma maior racionalização nos apoios ao desporto e outros setores. O resultado dessas medidas não terá sido considerado suficientes pela nova tutela política que demite a administração um mês depois de ter tomado posse.
Santa Casa retira 54 milhões ao valor dos imóveis registado nas contas de 2021 e 2022
A decisão mais polémica foi a marcha atrás no processo de internacionalização iniciado pelo ex-provedor, Edmundo Martinho, e que levou à suspensão dos projetos, bem como das transferências para as empresas criadas no Brasil e para a Santa Global, empresa criada para promover o negócio internacional e cujos investimentos sobretudo no Brasil terão sido feitos sem a autorização da tutela.
Edmundo Martinho critica sucessora, mas a sua atuação também é visada no comunicado do Governo
Para além do reconhecimento de perdas não registadas nas contas passadas, esta situação terá também suscitado processos judiciais face ao incumprimento de compromissos assumidos com os sócios locais, o que foi criticado pelo ex-provedor. Em declarações à Rádio Observador, Edmundo Martinho reafirmou críticas à capacidade de liderança da sua sucessor no cargo.
Mas os reparos do Governo da AD envolvem também a atuação do ex-provedor que foi nomeado igualmente pelos socialistas. “Os maiores ativos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa têm sido a capacidade de apoiar os mais vulneráveis e a confiança que a população nela deposita de que o poderá continuar a fazer. E considera o referido comunicado que “estavam a ser comprometidos pela Mesa cessante, bem como a anterior, desde logo ao não garantirem que a respetiva gestão se pautava pelo grau de diligência, rigor e transparência que são devidos pelo interesse público.
Entretanto a Iniciativa Liberal e o PS vão chamar a ministra da Segurança Social ao Parlamento, juntando o nome de Rosário Ramalho ao de outras audições já pedidas pela IL, como a de Ana Jorge (neste caso também pelo PS que pede urgência), Edmundo Martinho, Ana Mendes Godinho e vários gestores ligados à Santa Casa e à área internacional.