As autoridades sauditas autorizaram o uso de força letal para garantir a desocupação dos terrenos por onde deverá passar a cidade futurista The Line, com 170 quilómetros de comprimento, e que será construída no deserto, no âmbito do projeto Neom. A resistência das populações já levou as autoridades sauditas a realizar várias detenções e um homem acabou mesmo por ser morto.

Com um comprimento equivalente à distância entre Lisboa e Estremoz, ou Braga e Aveiro, esta cidade será preenchida com jardins, caminhos suspensos, um estádio e bairros ligados entre si por um dos comboios mais rápidos do mundo. A área onde o Neom está a ser construído foi descrita pelo líder saudita, o príncipe herdeiro MohamedbinSalman, como a “tela em branco” perfeita. De acordo com dados do próprio governo saudita, mais de 6 mil pessoas foram deslocadas durante os trabalhos de preparação da obra. O grupo de direitos humanos ALQST, sediado no Reino Unido, estima, no entanto, que o número seja mais elevado.

O processo está a enfrentar resistência por parte das populações afetadas. Abdul Rahim al-Huwaiti, membro da Tribo Huwaitat, recusou-se a permitir que um comité avaliasse a sua propriedade e foi morto a tiro pelas autoridades sauditas um dia depois, durante a missão de “desimpedimento”. Havia publicado, dias antes, vários vídeos nas redes sociais a protestar contra os despejos. Embora a segurança estatal saudita alegue que o homem abriu fogo contra as forças de segurança, a ONU afirma que o elemento da tribo foi morto simplesmente por resistir ao despejo.

O comportamento das autoridades terá sido motivado por ordens superiores que apelidavam a tribo Huwaitat de “rebelde”. À BBC, o coronel Rabih Alenezi, atualmente exilado no Reino Unido, afirmou que as ordens eram claras: “Quem continuar a resistir [ao despejo] deve ser morto, pelo que é autorizado o uso de força letal contra quem permanecer na sua casa.” Alenezi recusou-se a cumprir a missão em que seria incumbido de despejar os terrenos para o The Line, alegando motivos médicos. A BBC não conseguiu confirmar de forma independente as declarações do coronel, mas fonte familiarizada com o funcionamento da direção dos serviços secretos sauditas admitiu ser algo passível de acontecer neste tipo de missões.

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Até ao momento já foram demolidas casas, escolas e hospitais das aldeias al-Khuraybah, Sharma e Gayal. O grupo de direitos humanos ALQST refere que as indemnizações atribuídas às pessoas obrigadas a deslocar-se por causa da The Line são manifestamente inferiores ao montante prometido pelo governo Saudita.

Neom, a eco-região enquadrada na Saudi Vision 2030, tem como objetivo diversificar a economia do reino, ao afastar a Arábia Saudita do negócio petrolífero. Dezenas de empresas globais, várias delas britânicas, estão envolvidas na construção de Neom. O coronel Alenezi abandonou o projeto menos de um ano depois de lhe ter sido atribuída a missão nesse contexto, desiludido com a sua gestão, mas não foi o único. Malcolm Aw, o CEO da empresa britânica de dessalinização Solar Water PLC, abandonou um projeto de 93 milhões de euros para a The Line em 2022, apontando, também, bastantes críticas.

Pensada para ser uma cidade sem carros, 100% dependente de energias renováveis, como a solar e a eólica, The Line pretende responder ao crescimento populacional do país e diminuir o desperdício e o impacto ambiental. Há um mês, a Arábia Saudita anunciou reduzir ambições para os planos da megacidade no deserto.

Arábia Saudita reduz ambições para planos de megacidade no deserto