História
Esta história começa a um oceano de distância, no bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro, Brasil, no ano antes de a pandemia rebentar. Nelson Soares sabia do seu dom para a cozinha, mas, antes de assumir o leme desta foi preciso seguir a sua paixão pelos vinhos, que, de alguma forma, afirma, o trouxe até aqui. Em 2019, na rua Fernandes Guimarães abria junto com quatro sócios o primeiro Sult. Inspirado no dinamarquês Mangia, o novo restaurante carioca tinha como conceito o minimalismo nórdico, apostando numa carta “fora da curva”, desenhada a quatro mãos. “O meu papel era selecionar os vinhos e definir o menu com o chef. Ele foi generoso, sabia que era o que eu queria. O menu é nosso”, explicou o chef Nelson Soares, em conversa com o Observador. No entanto, o “nosso” passou a singular quando, em 2020, a Covid-19 chegou ao Brasil e o então chef executivo “não segurou a barra”. Nelson viu-se assim na posição de assumir aquele barco, enquanto novo chef executivo. Com quatro garfinhos atribuídos por Luciana Fróes, a crítica gastronómica do Globo que havia visitado o restaurante em fevereiro de 2020, o nível de qualidade tinha de ser mantido, e assim o fez, levando a que este ano o Sult passasse a fazer parte da lista dos 50 Best Discovery.
Também este ano, o Sult abriu portas longe do seu local de origem mas mais perto do seu país de inspiração gastronómica. Depois de um dos sócios do chef se ter mudado para Cascais e, por consequência, ter ficado encantado pela vila, Nelson Soares começou a receber a sugestão de que era aqui — em vez de São Paulo — que devia abrir o segundo restaurante. Viajou pela primeira vez até Portugal, já lá vão três anos, apaixonou-se pelo país — e pela gastronomia — e por cá veio a ficar. No entanto, afirma que já não “quer ficar na cozinha”, tendo, por isso, trazido consigo do Brasil o chef Breno Naar, ao comando do Sult.
Mesmo junto à Baía de Cascais, o Sult apresenta-se assim como um restaurante de cozinha italiana cuja proposta passa por utilizar produtos locais, combinados com as origens cariocas do chef. Quanto à inspiração nórdica, encontramo-la no prato, composto, no máximo, por cinco ingredientes: “Se usamos produtos muito bons não temos que usar muito mais além disso”.
Espaço
Diferente do Rio de Janeiro, o projeto e design de interiores do Sult de Cascais ficou a cargo do estúdio de arquitetura de Sidney Quintela. Se no Brasil a cozinha e a sala partilham a divisão, aqui a cozinha foi trazida até à sala com uma grande mesa de formato triangular, onde o chef finaliza os pratos, a servir de ponte de ligação com os clientes. Com cinco lugares, é aqui que o menu de degustação é servido. “Onde eu realmente apertei foi na cozinha, na montagem da cozinha”, afirmou o chef, destacando a importância de, num restaurante italiano, ter uma cozinha preparada com equipamentos daquela origem.
“De resto, eu deixei totalmente na mão dele. Eu não me envolvi em nada no projeto”, continuou. O resultado foi um restaurante acolhedor e intimista onde o verde do teto trabalhado se encontra com o vermelho atijolado que preenche os bancos para contrastarem com o amarelo do tijolo que cobre a parede da cozinha. À mesa, a toalha branca segue o exemplo do Rio e dá cama às louças da Vista Alegre. E se falamos de um restaurante italiano, não falta a sua representação, espalhada pelos quadros que decoram as paredes, com fotografias que remetem para a gastronomia de Itália.
Comida
“Temos carbonara mas é secreta. Tem que pedir”. A justificação? “Se eu colocar carbonara no menu, oito em cada 10 pratos que saírem da cozinha vão ser carbonara”, explicou o chef, pouco antes de afirmar, convicto, de que aquele típico prato italiano do Sult é o melhor.
Mas, se já sabemos que este é um restaurante italiano, o que é que o distingue dos demais? Aqui, a proposta de Nelson é misturar os produtos regionais portugueses com a técnica e culinária de Itália. Exemplo disso são o arancini de alheira com queijo de Azeitão — dois elementos de Portugal, do norte e do sul, que recheiam o típico pastel de arroz frito — e o pappardelle ao ragu de porco preto, o prato que mais sai nesta casa — com o porco preto alentejano enquanto elemento regional. Como o chef explica, neste último prato, “temos um porco preto alentejano cujo corte está mais para o corte do porco alentejano do que para o ragu toscano, que é exatamente para o português identificar esses elementos”.
É este também um dos objetivos do Sult: apresentar produtos de boa qualidade que sejam reconhecidos ao paladar pelos clientes naturais das regiões de onde originam. “Eu tenho a sorte de estar aqui e de conseguir, com muita facilidade, tudo o que eu preciso de Itália ao mesmo tempo que tenho produtos portugueses incríveis”, acrescentou.
Já no Brasil, há uma sugestão que faz as delícias dos clientes, e que também a podemos encontrar por cá. À mesa chegam os cogumelos cacio e pepe, grelhados com fonduta de pecorino romano, que, aconselha o chef, deverão ser acompanhados pela crocante e quente focaccia de 36 horas de fermentação que, no final, servirá para “limpar o prato”. Também no delicado tornellini de espargo e mascarpone, com molho de pecorino, gemas e trufa, esta é chamada para entrar em ação.
Por fim, e acompanhadas por um copo de vinho de Carcavelos — uma das 100 referências que este especialista de vinho apresenta no Sult de Cascais —, i dolci chegam: com pistachio adicionado ao creme tradicional, o fresco tiramisù não perde o sabor do café e faz-se seguir da torta al limone e basilico, que conjuga um suspiro de manjericão com o intenso sabor de limão do creme e da calda de lima com baunilha.
“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos (e renovados) restaurantes e cartas.