Há um ano, quando o Sporting terminou a temporada no quarto lugar e sem qualquer troféu conquistado, poucos hesitavam na hora de atribuir o rótulo de flop a Francisco Trincão. O jovem avançado tinha regressado a Portugal para relançar a carreira, mas o enorme potencial parecia bloqueado e o impacto esperado nos leões acabou por nunca aparecer na dimensão desejada. Um ano depois, o cenário não poderia ser mais diferente.

O jogador de 24 anos foi um dos elementos mais importantes do Sporting que conquistou o Campeonato há pouco mais de uma semana: apesar de até ter marcado menos golos do que na temporada passada, dez contra 13, cresceu nas assistências e tornou-se titular indiscutível em detrimento de Marcus Edwards, juntando-se a Gyökeres e Pedro Gonçalves no trio ofensivo de Rúben Amorim. Em meses, o Trincão do Barcelona e do Wolverhampton tinha desaparecido e dado lugar ao Trincão que impressionou a Europa no Sp. Braga.

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A explosão de Trincão deu-se essencialmente na segunda metade da temporada, a partir do início de 2024, mas uma análise rápida ao calendário do Sporting permite perceber que o jogo da viragem terá sido ainda em novembro, contra o Farense. Aí, na fase de grupos da Taça da Liga, o avançado foi titular, assinou a melhor exibição da época até então, assistiu Gyökeres para um dos quatro golos do avançado sueco e ainda conquistou uma grande penalidade.

O primeiro golo da temporada apareceu ainda nesse mês de novembro, na goleada imposta ao Dumiense na quarta ronda da Taça de Portugal, e Trincão não voltou a travar o ímpeto – só mesmo quando foi obrigado, em março, devido a uma lesão. A clara subida de rendimento do avançado de uma época para a outra foi um tema recorrente nas conferências de imprensa de Rúben Amorim, que sempre recordou que este era o Trincão que pretendia no momento em que foi resgatado ao Barcelona, e o treinador sublinhou constantemente a mesma palavra-chave: confiança.

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“Está mais forte fisicamente, muito perto da irreverência que tinha, da confiança que tinha, da inteligência do jogo. Mas é principalmente a confiança, estar no campo, sentir-se muito grande. Quando cheguei a Braga, quando olhei para ele e o coloquei a jogar vários jogos a titular, ele sentia-se muito grande dentro de campo. Acho que começo a ver essa situação a acontecer novamente e isso ajuda muito a nossa equipa”, explicou Amorim ainda em fevereiro, logo depois de o avançado assinar um golo e uma assistência contra o Sp. Braga.

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Entre os golos, as assistências, os remates, as conduções progressivas, os dribles e o claro entendimento com Gyökeres e Pedro Gonçalves, Francisco Trincão voltou a ser convocado para a Seleção Nacional em março – apesar de ter sido dispensado por lesão – e é um nome a ter em conta para a derradeira lista para o Euro 2024 que Roberto Martínez vai anunciar ainda em maio. E a verdade é que, para além de uma confiança inabalável que Rúben Amorim sempre demonstrou, também os colegas de equipa têm deixado claro que nunca duvidaram do potencial do avançado.

A começar por Luís Neto, um dos mais experientes do balneário, que aproveitou uma entrevista à SportTV para deixar elogios a Trincão. “O jogador que via fazer em treino tudo aquilo que estava a ser difícil transportar para jogo era o Trincão. No treino de recuperação era um completo fora de série, víamos fazer em treino tudo o que faz agora. Tinha conversas com ele e falava com o Paulinho e o Esgaio, que o conheciam do Sp. Braga, sobre o que faltava para passar para outro nível. Acrescentou números, jogadas maravilhosas, foi um jogador determinante e fico feliz por ter dado esse salto. Já não volta atrás. A minha escolha para maior surpresa do ano seria o Francisco”, defendeu o central.

“É a primeira época do Trincão no Sporting, ele parou um bocadinho no tempo mas o talento está lá… É só olhar para o Edwards”, diz Amorim

A ideia de que o trabalho psicológico, mental e motivacional foram o catalisador para o regresso de Trincão aos seus melhores dias também foi recentemente sublinhada por José Carvalho Araújo, que o treinou na formação do Sp. Braga. “Terá atingido a estabilidade emocional que ainda não tinha conseguido. Não digo desde que saiu do Sp. Braga, porque o início no Barcelona até foi interessante, mas que não tinha há algum tempo. A falta de tempo de jogo, a falta de oportunidades, acabou por retirar-lhe confiança. É a jogar que os jogadores se motivam e conseguem evoluir e mostrar o seu potencial”, começou por dizer em entrevista ao jornal Record.

“Tanto no Barça como no Wolves não conseguiu afirmar-se. Faltou-lhe a tal consistência e as oportunidades. No Sporting passou por um período menos positivo, em que se notava falta de ritmo e falta de confiança, fruto desse período anterior em que não tivera tantas oportunidades. Por força de trabalhar com um treinador que já o conhecia do Sp. Braga e que é conhecido por potenciar jovens atletas, está a encontrar um período de forte estabilidade emocional e de compromisso com o grupo. Os golos, as assistências e o envolvimento que hoje tem com o jogo da equipa são consequência natural desta evolução”, acrescentou José Carvalho Araújo, que destaca esse papel de Rúben Amorim.

O treinador leonino foi o principal defensor da contratação de Francisco Trincão, numa altura em que o avançado estava algo esquecido no Wolverhampton, e reabilitou um jovem jogador que tinha potenciado ainda no Sp. Braga. Mais do que o trabalho psicológico, mental e motivacional, Trincão contou com Amorim – que teve por ele a confiança que ele próprio ainda não tinha.