Foi já de jaleca vestida, e ao cair da intervenção em palco, que Carlos de Medeiros deixou a mensagem mais sonante, um conselho dirigido aos jovens chefs, que ele próprio “gostaria que lhe tivessem dito”. “Desde o começo que nos dizem que aquilo que fazemos não pode ser feito, que não vamos conseguir, que não vale a pena tentar. Para mim, foi interessante porque não há progresso sem luta. Para todos os chefs, sigam o vosso sonho. Se vos dizem que não pode ser feito, é porque estão no bom caminho. Ninguém tenta diminuir uma coisa se sabe que ela não vale a pena. Continuem”.

Numa noite destinada à gala do Guia Michelin Países Nórdico, o chef português conquistou a sua primeira estrela pelo trabalho desenvolvido no Bar Amour, um dos 17 restaurantes em solo norueguês distinguidos com um astro no evento deste segunda-feira, realizado em Helsínquia, na Finlândia. Hermetikken e Iris são outras duas entradas novas neste elenco.

“Correndo o risco de soar arrogante, fizemos o nosso trabalho, conhecemos o nosso trabalho. esforçámo-nos para isso, estávamos confiantes de que de iríamos termos resultados, mas claro que há sempre alguma surpresa.”, conta Carlos de Medeiros ao Observador no rescaldo desta jornada. Mas não pense que a marcha se prepara para abrandar. “Queremos ser o primeiro restaurante fora de Portugal com três estrelas”, defende, sobre esta liderança lusitana, e com o plano para breve de se lançar num projeto a título pessoal.

© Neto de Vecchi/ Bar Amour

Sobre o espaço liderado pelo chef português, os inspetores do conhecido guia elogiaram a “experiência de restauração impressionante”, proporcionada por “um menu de degustação que combina soberbos e reconhecíveis produtos noruegueses como skrei ou rena, com as influências do país de origem do chef Carlos de Medeiros. Cada prato que chega à mesa reflete um equilíbrio de sabores”, descreveram quando foi conhecido este vencedor.

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“Servimos uma fusão. Tentamos servir produtos portugueses mas é difícil encontrar o que é nosso na Noruega. Mas temos alguns, como queijos, carne portuguesa que vem diretamente, alfarroba, percebes… As nossas mães são muitas vezes os nossos pequenos fornecedores enviam algumas coisas.” Vai uma sobremesa com um toque do sul do continente? No menu do Bar Amour há pão de ló com gelado de louro e um xarope de presunto ibérico.

Da cerimónia da gala sai uma referência extra para a peculiar localização deste restaurante, onde se reproduz um setting mastante intimista. “Os inspetores salientam que o restaurante não é fácil de encontrar, escondido que está no primeiro piso do café e pizzaria Tramen”. Com efeito, as origens do Bar Amour, dariam uma história à parte. “Era bar de cocktails e nos anos 70 funcionava como bordel. Os clientes do café de baixo eram guiados ao primeiro piso por uma madame para algo que não fazia propriamente parte do menu”, explica Carlos ao público da gala. “E aqui estamos nós. Tomámos conta dele e convertemo-lo num restaurante. Foi uma grande oportunidade, estou contente que o tenhamos conseguido.”

© David Torch/ Bar Amour

Sobre a comida, porque afinal é isso que aqui nos traz, o chef destaca ainda a estreita relação que Portugal e Noruega mantêm há longa data, servindo um menu sazonal que se situa nos 144.63 euros. “O bacalhau é uma das das nossas maiores importações. Lidamos com isso mas não só. E tentamos misturar ambas as culturas na nossa comida e no nosso menu.”, acrescenta Carlos, que anteriormente passou pelos triestrelados Maaemo, também na Noruega; De Librije (Países Baixos), e ainda pelos Sorrel e Drakes at The Clock House (ambos no Reino Unido e com uma estrela Michelin). Quanto à formação, frequentou a Escola Profissional de Hotelaria de Lisboa.

Ao Observador, o chef de 30 anos recorda como saiu cedo do país. Natural de Oeiras, foi aí que abriu e fechou pouco tempo depois um restaurante, quando tinha 20. “Continuo a achar que Portugal não é muito convidativo para trabalhar, muitos jovens saem do país por faltar esse apoio ao desenvolvimento profissional; e o mais importante é quem se conhece e não quem somos. Em Inglaterra ou na Noruega, o seu trabalho fala por isso”. Chegado aos 22, comprou um bilhete de avião, fez as malas e decidiu-se a começar do zero em Inglaterra. Enviou vários curriculums, analisou propostas e acabou por aterrar no desafio “mais duro mas também mais prestigiante”, onde permaneceu sete anos. “Aprendi imenso”, confessa Carlos, que acabou por responder ao convite para ficar responsável pela cozinha de desenvolvimentos do Maaemo, onde durante um ano e meio criou novos pratos e ideias ao nível de experimentação e apresentação, em ligação direta com o chef executivo. “Um amigo que conhecia aqui estava de saída do Bar Amour e perguntou-me se queria ficar com o lugar dele, e como não tinha planos pensei ‘porque não?'”.

Carlos encontrou um ambiente muito informal, comandado apenas por duas pessoas. Mudou tudo, das mesas aos pratos. Hoje, nas “trincheiras”, como lhes chama, trabalha com dois portugueses, Gonçalo Beija, da linha de Sintra, e Pedro Sequeira, do Algarve, este último que à semelhança do chef tem uma mãe moçambicana, influência decisiva nas criações desta equipa.

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Nos pesos pesados das três estrelas, o norueguês RE-NAA (nova entrada) juntou-se este ano ao Maaemo, enquanto o Kontrast (em Oslo) foi o único a chegar às duas estrelas.

O dinamarquês Jordnær é o estreante que se juntou este ano a Geranium e noma, que mantêm a sua distinção máxima. Na Suécia, o Frantzén (em Estocolomo) assegurou a nota máxima.

Na Finlândia, a fasquia não vai além das duas estrelas, aqui averbadas pelo Palace (Helsínquia). E na Islândia, ficamo-nos por três redutos com uma estrela.

*Artigo atualizado às 14h22 com as reações do chef Carlos de Medeiros ao Observador