Há coisas que nunca se perdem. Os anos vão-se somando, os títulos começam a multiplicar-se e nem as posições mais polémicas que dividem opiniões diminuem essa construção de um autêntico reinado. No final, há coisas que nunca se perdem. É também isso que faz de Novak Djokovic único. As opiniões variam entre ser o melhor de sempre, do século, dos últimos anos ou da era que se abriu depois dos problemas físicos de Rafa Nadal e Roger Federer mas é único. E, mais uma vez, Paris está a assistir a isso mesmo.

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Pela primeira vez em muitos e longos anos, o sérvio chegava ao Grand Slam de terra batida sem figurar nos favoritos para chegar à final. Nem era uma questão de ser o número 1 ou não para ganhar, era mesmo a mera possibilidade de caminhar até à decisão. Porque havia um Alexander Zverev em super forma após vencer em Madrid e Roma. Porque havia um Jannik Sinner recuperado de lesão e pronto para repetir o triunfo do Open da Austrália. Porque, claro, há sempre um Casper Ruud e um Carlitos Alcaraz para deixar uma palavra no pó de tijolo. Ah, já agora, porque esteve estava a ser o início de época menos conseguido dos últimos anos.

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Após cair nas meias-finais em Melbourne, perdendo assim a hipótese de revalidar o título e chegar ao seu 25.º Grand Slam, Djokovic teve uma ressaca “pesada” entre alguns pequenos problemas físicos que foram retirando capacidade, jogo e até confiança. Perdeu na segunda ronda de Indian Wells, caiu nas meias de Monte Carlo diante de Casper Ruud no arranque da época em terra batida, saiu de Roma na segunda ronda frente a Alejandro Tabilo, teve um dos desaires mais pesados dos últimos anos nas meias de Genebra diante do checo Thomas Machac (que eliminou Nuno Borges na primeira ronda em Roland Garros). Ainda assim, ninguém colocava em causa a possibilidade de renascer qual Fénix. E esse era o mote para Paris.

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No primeiro jogo, sem fazer uma exibição de encher o olho, o número 1 do mundo controlou os momentos da partida e bateu o francês Pierre-Hugues Herbet em três sets (6-4, 7-6 e 6-4). De seguida, soltou-se no court e “atropelou” o espanhol Roberto Carballés Baena por 6-4, 6-1 e 6-2. A terceira ronda trazia um cruzamento com o italiano Lorenzo Musetti também no court Philippe-Chatrier em sessão noturna. No final, tudo isso funcionou quase como contexto para fazer os títulos de uma dos melhores encontros do torneio: naquilo que foi descrito como “a febre de sábado à noite”, Djokovic conseguiu ressurgir numa partida que parecia estar perdida e bateu o transalpino já depois das 3h da manhã por 7-5, 6-7, 2-6, 6-3 e 6-0).

As dificuldades físicas foram mais do que muitas mas o sérvio sobreviveu. Agora, os oitavos chegavam após uma paragem onde praticamente não tocou na raquete. Com uma curiosidade (e aqui recuperamos as tais coisas que nunca se perdem): quando estava atrás, quase que a necessitar de algo que lhe desse um balão de oxigénio, o sérvio questionou o árbitro o porquê de não estarem a alisar o terreno de cinco em cinco jogos como teria ficado combinado, queixando-se em algumas ocasiões do excesso de pó de tijolo no campo. Podia ser apenas mais um retrato do fabuloso encontro diante de Musetti mas acabaria por ter ligação também ao que se passaria com o argentino Francisco Cerundolo na tarde desta segunda-feira.

Depois de “limpar” o primeiro set por claros 6-1, Djokovic parecia ter o encontro definido. Mais do que isso, parecia ter uma tarde tranquila para ganhar em três parciais e poupar as poucas energias. No entanto, e logo no início do segundo set, sentiu uma dor na zona do joelho e ligação à coxa. Nas paragens médicas que foi tendo no seu banco explicava por gestos o que não estava bem, voltava ao court, as dificuldades eram mais do que evidentes, não tinha velocidade no fundo do campo, partia tarde quando tinha de subir à rede para responder aos amorties do argentino. Perdeu o segundo set por 7-5, o terceiro por 6-3, estava com um break a menos no quarto. Cerundolo tinha tudo na mão menos a forma de contrariar um super herói.

Foi isso que Novak Djokovic conseguiu ser, um super herói. Depois de igualar a partida a quatro no serviço do sul-americano, o número 1 do mundo segurou o seu serviço, quase que deixou Cerundolo fechar o 5-5 em branco, manteve de novo o seu serviço e quebrou mais uma vez o argentino para o 7-5 celebrado como se fosse já a vitória. Não era. Havia ainda uma montanha para escalar numa cabeça motivada ao ponto máximo num corpo quase nos mínimos. O sérvio tinha “voltado”, estava uma autêntica panela de pressão em termos emocionais a ganhar ou a perder pontos (a ponto de a própria mulher, Jelena, lhe abrir os olhos do camarote e pedir calma), quebrou o serviço e foi logo a seguir quebrado também para o 2-1.

Ainda havia mais capítulos neste autêntico filme dramático que se voltou a viver quando estamos ainda nos oitavos de Roland Garros. No segundo ponto do quarto jogo, Djokovic caiu de forma aparatosa quando estava a tentar salvar uma bola no fundo do court, ficou com visíveis marcas que não físicas da queda e foi até ao banco tirar o pó de tijolo dos braços, das mãos e dos joelhos enquanto continuava a dar os parabéns de forma irónica aos responsáveis pela forma como não tiravam o alegado pó de tijolo em excesso. Depois de quase todos os pontos, o sérvio olhava para a mão direita como se tivesse ficado com alguma marca e pior ficou quando teve outra escorregadela amparada pela raquete. Ainda caiu novamente, mas para ganhar mais um ponto fabuloso no sétimo jogo, ficando depois a simular como se estivesse a nadar. E ganhar por 6-3, na sequência de outra maratona com mais de 4h30 de encontro que terminou com uma fabulosa vitória que parecia ainda mais improvável do que aquela que tinha alcançado no sábado (ou domingo) com Musetti.