Este artigo foi originalmente publicado no 15.º número

da revista DDD – D de Delta.

Os vinhos biológicos estão em voga, são apetecidos e cada vez mais procurados. A Adega Mayor, atenta à tendência, já converteu 10 hectares de vinha para modos de produção biológico e tem mais 60 hectares em fase de conversão. Na sua gama de vinhos biológicos, há brancos, tintos e rosés. “Quando tivermos mais matéria-prima na mão, será mais interessante em termos de variedade e complexidade daquilo que podemos mostrar ao consumidor”, explica Carlos Rodrigues, enólogo da Adega Mayor.

Cumprindo a tradição de relacionar os rótulos às artes – o Caiado ligado à pintura, os monocastas à música, o Adega Mayor Reserva à fotografia –, os vinhos biológicos têm flores de Campo Maior a embelezar os seus rótulos. Tudo começou com uma obsessão do diretor criativo José Cabaço, que de 15 em 15 dias recebe flores em casa e ganhou o hábito de as fotografar à noite com o telemóvel, debaixo de um candeeiro ou iluminadas por uma lanterna. “Começou durante a pandemia, quando uns tipos criaram aqui em Nova Iorque um serviço de entrega de flores ao domicílio, os Botanical Brothers”, conta o criativo português, a viver nos Estados Unidos desde 2005. “Gosto imenso de flores e, historicamente, sempre as fotografei muito.”

As imagens das flores, “umas explorações mais isoladas”, descreve, foram parar à sua conta de Instagram (@josecabaco), como, aliás, quase tudo o que fotografa com o iPhone. “Quando apareceu [o Instagram], devo ter sido um dos primeiros 100 utilizadores”, garante. “Desde aí, nunca mais peguei numa máquina [fotográfica].”

Entre os seguidores de José Cabaço na rede social está Rita Nabeiro, ceo da Adega Mayor, que numa reunião para decidir os rótulos dos vinhos da seleção bio da marca se lembrou das suas imagens de flores. “Foi uma daquelas coincidências”, comenta José, que até 2023 trabalhava como diretor criativo da Adidas – agora tem o mesmo cargo na Rapha, uma marca britânica de produtos de ciclismo.

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Ana Cunha, designer dos rótulos da Adega Mayor, também fala numa feliz “coincidência”. “Em vez de bancos de imagem, e como a marca procura elevar e apoiar as artes e isso nem sempre é muito visível nos vinhos, percebemos que esta era uma oportunidade para apostar na fotografia de autor”, afirma. “A Rita já seguia o José Ricardo [Cabaço] e eu já tinha trabalhado com ele enquanto diretor criativo da Nike [cargo que o levou aos Estados Unidos]. É muito curioso o trabalho paralelo de fotografia dele, tem uma acuidade estética muito interessante e um cunho pessoal.”

As flores do campo foram a Lisboa

Na primavera de 2022, e numa das folgas do trabalho entre a sede da Adidas de Nova Iorque e a de Berlim, José Cabaço meteu-se no carro com a designer Ana Cunha e viajaram até Campo Maior, no Alentejo, para tentar fotografar as flores que despontavam nas vinhas da Adega Mayor. “A ideia era procurar a beleza do que é simples”, explica Ana.

Criar uma poesia muito bonita com essa imagem das vinhas, com as flores do campo que vão crescendo naturalmente, umas muito visíveis, aos milhares, e outras minúsculas, que quando estão mais próximas são incríveis.

No entanto, fotografar na natureza nem sempre é fácil. “Quando fomos, estava uma brisa e pouco sol e os telemóveis precisam sempre de muita luz para tudo ficar mesmo crisp [nítidas]”, continua José. “Tentámos várias coisas, desde fotografar no próprio local, com uma cartolina branca, a apanhar umas quantas [flores] e fotografar num sítio com menos vento.”

As fotografias escolhidas para os rótulos dos vinhos biológicos (tinto, branco e rosé) acabaram por ser tiradas na sua casa de Lisboa, junto a uma janela. “Aquelas engenhocas clássicas de fotografia”, ri-se José. Ana Cunha, a designer, ficou contente com o resultado. “Em vez de ir buscar flores mais exuberantes, encontrámos essa exuberância na simplicidade da flor da primavera, que é tão efémera e ao mesmo tempo tão abundante. Por exemplo, a beleza da papoila, ao mesmo tempo tão frágil”, comenta.

O rótulo do vinho tinto biológico, um blend das castas Aragonês, Trincadeira e Castelão, com notas de groselha, cereja preta, framboesa e flores do campo, tem a imagem de uma papoila e acabou por se tornar num dos mais emblemáticos da seleção bio. Carlos Rodrigues, enólogo da Adega Mayor, diz que essa “expressão da pureza e da flor do campo” é precisamente o que se espera destes vinhos, lançados em 2022. “É o que tentamos imprimir nas garrafas”, afirma. “Que seja o mais natural possível, sem ser um vinho com defeitos, como as pessoas muitas vezes associam a este processo [biológico].”

Em 2022, a Adega Mayor conseguiu a certificação de produção sustentável do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, o décimo produtor da região a consegui-lo. Um ano antes, no final de 2021, lançava os seus primeiros vinhos biológicos, de outra gama, a Esquissos, resultado da conversão da vinha da Herdade da Godinha para este modo de produção.

Vinhos simples, elegantes e biológicos

Ali, o vinho é feito da maneira “mais natural possível”, continua Carlos.

“Não há produtos e tentamos até ser um pouco extremistas. Agarramos nas uvas, fermentamos com leveduras autóctones, zero sulfuroso, e isolamos o vinho, para não haver eventuais contaminações de outros que vêm de vinhas não biológicas. A partir daí, vamos construindo o lote de forma muito simplista, sempre com muita atenção à parte mais pura.”
Para o rótulo do vinho branco, 100% Roupeiro, de uma vinha biológica de meio hectare e numa produção limitada a 1500 garrafas, a flor escolhida foi a saramago, numa “interessante combinação entre a simplicidade da sombra e da composição”, comenta a designer Ana Cunha.

O rosé, da casta Castelão, segue a mesma linha, com uma planta mais desconhecida, a fumária, como protagonista. “São vinhos simples e elegantes”, descreve o enólogo Carlos Rodrigues. “Podem ser de todos os dias, de esplanada, mas quem quiser acompanhar à mesa também estão à altura”, explica.

Para José Cabaço, que já teve a sua própria agência de publicidade em Portugal, a Home, fundada em 2001, esta foi a primeira vez a trabalhar com rótulos de vinho. Depois das flores para os vinhos Seleção Bio, a Adega Mayor pediu-lhe outras fotografias para rótulos especiais e personalizáveis, como os do Dia do Pai, do Dia da Mãe e do Dia dos Namorados. “Acabaram por escolher várias coisas, [uma fotografia de uma] sombra minha com a minha filha às cavalitas na praia, um coração néon que eu tinha tirado em Berlim e por aí fora. Mas o trabalho das flores foi o mais interessante porque fomos mesmo fotografar as flores que fazem parte dos ingredientes e da região, de uma maneira muito lo-fi, só com o telemóvel.”