As crianças precisam de mais tempo e espaço para poderem brincar “sem regras”, defendem investigadores, que dizem que falta aos adultos aceitarem que brincar vale por si e não precisa de um propósito.

Em março, uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas fixou o dia 11 de junho como a data para assinalar um dia anual de sensibilização para o brincar.

A propósito do primeiro Dia Internacional do Brincar, que se assinala esta terça-feira, investigadores ouvidos pela Lusa alertaram que este direito das crianças não é hoje plenamente assegurado.

“As crianças têm poucas oportunidades de brincar livremente, com regras criadas por elas”, considerou Teresa Sarmento, investigadora na área de Estudos da Criança e professora no Instituto de Educação da Universidade do Minho.

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Um comportamento inato, disse a investigadora, quando brincam as crianças exploram, inventam e simulam situações que as vão munir de competências e aprendizagens sobre o ambiente à sua volta, sobre os outros e sobre si próprias.

Por isso, há a tendência de pensar no brincar pelo impacto no desenvolvimento e nas brincadeiras pelo seu potencial para maximizar esse desenvolvimento, mas Frederico Lopes dispensa esses binóculos e defende que “o brincar vale por si próprio”.

“Muito frequentemente, os adultos olham para o brincar muito mais centrado nos ganhos de competência e isso, de certa maneira, cria uma agenda e uma pressão sobre as crianças“, argumentou o investigador da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, que coordena também a rede portuguesa da International Play Association (IPA).

O desafio, para os adultos, é desprenderem-se da ideia de um resultado final e deixarem as crianças brincar livremente e criarem as próprias regras, sem um adulto a ditar o que pode ou não acontecer.

“Essa flexibilidade, que é uma dimensão importantíssima naquilo que é o brincar, é perdida, porque o brincar é um comportamento muito dinâmico e quando assim deixa de ser, para a criança, pode ser profundamente entediante”, defendeu Frederico Lopes.

Os dois investigadores admitiram, no entanto, que o contexto social, atualmente, não é propício a isso, desde logo, porque falta tempo.

“As crianças precisam de muito tempo para brincarem livremente. A questão é como é que o tempo está organizado, e está muito organizado em função do tempo dos adultos”, observou Teresa Sarmento.

O coordenador da IPA Portugal fala numa “colonização do tempo da criança pelo adulto”.

“E como moeda de troca, damos às crianças um conjunto de atividades lúdicas, mas, no fundo, estamos a povoar esse tempo, que também precisa de tempo e de espaço para que as crianças tenham as suas próprias brincadeiras com menos influência daquilo que é esta ação mais colonizadora por parte dos adultos”, argumentou.

A escola é um exemplo disso e Teresa Sarmento entende que o processo de escolarização está excessivamente centrado nas questões didáticas e esquece o direito a brincar. “Aí tem de haver uma alteração muito grande”, defendeu.

Frederico Lopes acrescentou que as condições dos espaços escolares também não ajudam e defendeu alterações que viabilizem outras formas de brincar.

No seu entender, é aí que reside a resposta ao desafio das novas tecnologias e quando as escolas e os pais estão perante o dilema de proibir ou não o uso dos telemóveis, por exemplo, tem de existir uma espécie de negociação.

“É importante fazer com que sejam criadas outras propostas, gerar outro tipo de condições, reencontrar o espaço para que as brincadeiras possam acontecer de forma muito mais relacional. Se não fizermos essa discussão e não investirmos nessa vertente, naturalmente que depois as crianças se refugiam mais neste outro tipo de brincar”, disse o investigador, que acredita que “se as condições forem certas, as crianças brincam sempre”.

É neste ponto que as perspetivas divergem e Teresa Sarmento é da opinião que mesmo perante outras alternativas no recreio, as crianças vão optar pelo uso do telemóvel se existir essa oportunidade e sobretudo se esse hábito vier de trás, pelo potencial aditivo.

“O que se vê nas escolas que estão a impedir a utilização de telemóveis nos recreios, é que as crianças acabam por brincar muito mais umas com as outras, por conversar muito mais umas com as outras, por estarem relaxadas de outra forma”, relatou.

Mas a defesa pelo direito a brincar, concordam, exige um esforço de toda a sociedade e políticas públicas nesse sentido.