É uma hipótese que vai circulando timidamente nos corredores do PS e sendo assumida em algumas sondagens. E desta vez foi o ex-ministro da Saúde (e ex-colega de Governo) Adalberto Campos Fernandes que veio dar força à ideia de Mário Centeno poder vir a concorrer a Belém, defendendo que o governador de Banco de Portugal de quem gosta “imenso”, daria “um excelente Presidente da República, se tiver disponibilidade e vontade para isso”.

No programa Comissão de Inquérito, da Rádio Observador, Campos Fernandes foi mais longe e defendeu que o eleitorado percebe o que o país “deve” ao ex-ministro das Finanças”. “Foi uma espécie de guardião da geringonça”, uma vez que trouxe credibilidade às contas quando os outros países estavam atentos ao que seria o resultado de uma aliança “com a extrema-esquerda”, argumentou, descrevendo a “simpatia disciplinadora” com que Centeno lidava com os outros ministros (como era o caso do próprio Adalberto Campos Fernandes). “Era uma austeridade de rosto simpático”, gracejou.

Adalberto Campos Fernandes: “Mário Centeno é um bom nome do PS para Presidente da República”

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“Há uma certa esquerda que nem percebe o que é uma agência de dotação financeira e que acha que o céu é o limite”, prosseguiu Campos Fernandes. “Acho que o país está devedor de Centeno nessa matéria”. Mas recordou que houve “um preço” e “um sacrifício ao nível dos serviços públicos”, assegurando que “não estava a ser irónico” quando, na altura, foi ao Parlamento dizer que “somos todos Centeno” no Governo.

Nessa época, quando saiu do primeiro Executivo Costa e ser substituído por Marta Temido, Campos Fernandes admitiu que gostaria de ter “tido a sorte de fazer muito mais investimento” na Saúde, mas disse continuar a ser da equipa Centeno — ou, pelo menos, contar-se entre os que acreditavam que Portugal precisaria de se empenhar para evitar um quarto resgate financeiro.

A esta distância, Campos Fernandes vem agora, por sua iniciativa, lançar o nome de Centeno para Belém. Não é o único: embora a hipótese seja falada mais à boca pequena, e até rejeitada por alguns no PS por dificilmente poder vir a colher o apoio de outros setores à esquerda, nomes como o do ex-dirigente socialista Ascenso Simões (“Centeno tem em aberto uma candidatura à Presidência da República”, defendeu num artigo de opinião intitulado “Centeno, o político!”) ou de João Soares já admitiram publicamente que poderia ser uma opção interessante para o PS voltar a disputar Belém com uma candidatura assumidamente apoiada pelo partido.

O perfil político de Centeno, que chegou ao Governo na condição de independente e rapidamente se tornou um ministro-estrela do costismo — foi presidente do Eurogrupo e é agora governador do Banco de Portugal — também tem suscitado dúvidas sobre a sua independência, especialmente neste último papel. Foi o que aconteceu quando em novembro, na sequência da sua demissão, António Costa chegou a sugerir o nome do seu ex-ministro das Finanças, rosto da política de “contas certas”, para o substituir como primeiro-ministro, uma hipótese que acabaria por ser rejeitada por Marcelo Rebelo de Sousa. Não sem antes o Presidente desmentir Centeno, que viera a público dizer que tinha recebido um convite “do primeiro-ministro e do Presidente da República” para ocupar o cargo.

À direita, a oposição não gostou e Luís Montenegro chegou a criticar a falta de “ética republicana” na forma como o caso foi gerido. Foi mais um episódio que contribuiu para a ideia de que Centeno não será reconduzido para um segundo mandato no Banco de Portugal e ficará livre, a partir de 2025, para decidir o seu futuro (político?).

O facto de ter assumido que quereria ser um governador “interventivo”, desdobrando-se em entrevistas ou participações em eventos em que dava frequentemente a sua opinião sobre a atuação do Governo (incluindo o do PS), como escrevia aqui o Expresso, foi alimentando a ideia de que Centeno poderia estar interessado numa carreira mais política.

Não se sabe qual será a vontade do atual governador, mas até ver as sondagens não são particularmente animadoras: em abril, não ia além dos 2,9%; em maio, um estudo de opinião atribuía-lhe 5% das preferências dos inquiridos. Em ambos os casos, António Costa era indicado como o nome preferido para ocupar essas funções — embora o ex primeiro-ministro venha insistindo que tem um perfil executivo e que não lhe interessa chegar a Belém.