Dois dias antes da reunião decisiva de líderes europeus, os negociadores de três das mais importantes famílias políticas europeias chegaram a acordo sobre os nomes para os top jobs da União Europeia. António Costa está agora oficialmente entre os três nomes que vão ser levados ao Conselho Europeu de quinta e sexta-feira. No entanto, mantém-se a regra que vale para as negociações europeias: para nada está verdadeiramente decidido até estar decidido.

Esta terça-feira os seis negociadores do PPE, S&D e liberais estiveram reunidos e confirmaram os nomes de que já se falava: Ursula Von der Leyen para um novo mandato como presidente da Comissão Europeia, Kaja Kallas para Alta Representante da UE para a política externa e António Costa para presidente do Conselho Europeu para um mandato de dois anos e meio que pode ser renovado — uma das exigências do PPE era ficar com a segunda metade do ciclo político, mas terá abdicado desta exigência.

O PPE, representado na mesa de negociadores pelo grego Kyriakos Mitsotakis e pelo polaco Donald Tusk, abriu mão da solução rotativa que tinha chegado a ser avançada pelo primeiro-ministro croata, Andrej Plenković, na semana passada. O mandato de presidente do Conselho vai seguir o que está nos Tratados: um mandato de dois anos e meio, renovável uma vez por igual período. Quando chegar o momento de se discutir novamente esta posição, logo se verá para que família política vai o cargo — nos últimos anos, no entanto, o presidente do Conselho Europeu tem sido sempre reconduzido.

A decisão final sobre Costa será sempre dos seus pares, com a aprovação do seu nome a depender de uma maioria qualificada reforçada, ou seja, do voto favorável de pelo menos 20 dos 27 estados membros, desde que representem pelo menos, 65% da população da UE. De acordo com o Tratado de Funcionamento da União Europeia, esta é a maioria necessária “quando o Conselho não delibere sob proposta da Comissão ou do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança” — o que é o caso.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ao Observador, fonte conhecedora do processo explica que este passo era “indispensável” para as aspirações de António Costa, mas que nada está ainda fechado. Por diferentes razões, italianos, húngaros, checos e eslovacos são vistos como possíveis pedras na engrenagem das negociações e, no limite, António Costa ainda pode ser vítima colateral num processo que, embora bem encaminhado, pode ainda conhecer transformações.

Neste caso, destaque para Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana, e Viktor Orbán, homólogo húngaro. A italiana queixou-se de ter sido deixada de fora das negociações e a imprensa internacional continua dar conta de um mal-estar evidente por ter sido excluída deste processo. Meloni está sobretudo apostada em assegurar já nesta negociação um pelouro relevante para o seu país na futura composição da Comissão Europeia.

A aproximação de Von der Leyen da primeira-ministra eleita pela direita radical do Fratelli d’Italia foi alvo de várias críticas durante as eleições para o Parlamento Europeu e os socialistas têm colocado condições à recandidata à Comissão. A imprensa alemã avança, no entanto, que o acordo desta terça-feira definiu que nas negociações futuras para a governação da UE, Von der Leyen deve abordar Meloni sempre como primeira-ministra e não como líder do partido Fratelli d’Italia, numa tentativa de evitar a contaminação da Comissão com o programa de um partido de direita radical.

Viktor Orbán, por sua vez, já veio criticar publicamente este anúncio. Na rede social X, o húngaro criticou um acordo quem “vai contra tudo aquilo em que se baseia a União Europeia”. “Em vez de inclusão, semeia divisão. Os altos cargos da União Europeia deveriam representar todos os estados membros, não só a esquerda e os liberais”, escreveu atirando-se à sua antiga família política, o PPE, que faz parte da negociação.

O problema de Orbán é sobretudo com Ursula Von der Leyen, que liderou a Comissão no período em que foram aprovadas sanções à Hungria, suspendendo fundos comunitários tendo em conta o desrespeito pelas regras do Estado de Direito. Em comum, os dois — Meloni e Orbán — têm uma coisa contra António Costa: nenhum morre de amores pela política de imigração que o português defende.

Resta saber até onde levarão um possível braço de ferro. Italiana e húngaro representam um bloco muito relevante que se posiciona à direita do PPE, não gostaram que o acordo tivesse cozinhado nos bastidores e podem exigir que rolem cabeças para mostrar que as coisas não estão pré-combinadas — e podem convencer outros países pequenos e médios a juntarem-se a eles. Se a vítima for Ursula, tudo começa do zero. Se alguém tem tirar da corrida Costa ou Kallas, vai criar muitos problemas. “Transformar-se-á numa luta sem quartel“, acrescenta a mesma fonte.

Cautela é, por isso, a palavra-chave neste momento. O socialista Pedro Silva Pereira (até aqui vice do Parlamento Europeu) sublinhou, em declarações à RTP3, que o acordo a que se chegou se trata de um “passo importante neste processo”, embora também diga que “não é o fim do caminho” e que é preciso “garantir que a proposta dos negociadores tem uma maioria de dois terços“.

Este é o momento da diplomacia trabalhar. A diplomacia do Governo português junto do PPE, a diplomacia dos socialistas europeus, que terão de defender o seu candidato, e a diplomacia da máquina que trabalha diretamente com e para António Costa. Mesmo com o Conselho Europeu a aprovar, no final desta semana, o conjunto de nomes agora alinhado, o cargo de presidente da Comissão Europeia ainda tem de ir a votos no Parlamento Europeu, o que só acontecerá no próximo mês.

Nessa frente, a maioria conseguida por populares, socialistas e liberais — que propõem este trio — é suficiente para aprovar Von der Leyen, mas qualquer problema que seja levantado nessa eleição teria sempre um efeito dominó, ou seja, deitaria abaixo os outros cargos incluídos no acordo. Importa recordar que os processos de votação para estes três cargos são independentes e envolvem métodos — mas, politicamente, os três estão no mesmo pacote.

Entretanto, já houve várias reações a este passo de António Costa rumo a um cargo há muito ambicionado. O caminho parece agora mais aberto para Costa chegar ao cargo a que tem ambicionado, mas o Presidente da República ainda aguarda pela formalização. Por agora, Marcelo diz apenas que “é muito bom para a Europa e muito bom para Portugal, se se confirmar”. Já para o líder do PS, Pedro Nuno Santos, estas já “são boas notícias para a Europa, para Portugal e para os socialistas”. “António Costa é o político mais bem preparado para assumir a presidência do Conselho Europeu e para dar ao cargo o peso político que precisa”, escreveu o sucessor de Costa no PS na rede social X.