Afinal, a Operação Marquês não vai ter um novo imbróglio jurídico. A mesma juíza de instrução criminal que se recusou a tomar uma nova decisão instrutória sobre três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documento imputados pelo Ministério Público a José Sócrates nos autos da Operação Marquês, recuou na sua decisão e vai avançar com o debate instrutório para proferir nova decisão que substitua a anterior do juiz Ivo Rosa que foi anulada pelo Tribunal da Relação de Lisboa em março deste ano.
Ponto muito relevante: esta decisão nada implica com outra decisão da Relação de Lisboa, tomada em janeiro deste ano, de pronunciar José Sócrates e outros arguidos da Operação Marquês para julgamento pelo essencial da acusação do MP porque são crimes e factos diferentes. Só Sócrates será julgado pela alegada prática de 22 crimes: 3 crimes de corrupção, 13 crimes de branqueamento de capitais e 6 crimes de fraude fiscal.
Recorde-se que a juíza Sofia Marinho Pires, titular do juízo 2 do Tribunal Central de Instrução Criminal que é o juiz natural da Operação Marquês, tinha-se declarado incompetente para tramitar os autos por entender que Ivo Rosa era o juiz natural desses autos.
De acordo com um despacho datado de 21 de junho, a que o Observador teve acesso, a juíza de instrução foi informada pelo Conselho Superior da Magistratura de que o juiz Ivo Rosa — que, entretanto, foi promovido a juiz desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa — “encontra-se de baixa médica desde janeiro de 2024, não sendo previsível o seu regresso ao serviço”.
Assim, “considerando a impossibilidade do Exmo. Juiz de proferir nova decisão instrutória nos moldes determinados pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa” e os “prazos prescricionais em curso, bem como os princípios de celeridade e de confiança dos cidadãos no funcionamento da justiça, será a signatária a proferir nova decisão”, lê-se no despacho.
A juíza de instrução Sofia Marinho Pires decidiu, dessa forma, notificar o Ministério Público para indicar em 15 dias toda a prova que estão na base da imputação dos três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documento que são imputados a José Sócrates e a Carlos Santos Silva.
E assume no seu despacho que vai marcar “com a maior brevidade possível” uma data para a realização de “novo debate instrutório” para que o MP e os arguidos possam esgrimir os respetivos argumentos antes da própria juíza Sofia Marinho Pires tomar uma decisão.
Como estão os autos da Operação Marquês
A decisão instrutória assinada pelo juiz Ivo Rosa no dia 4 de abril de 2021, após dois anos e sete meses de fase de instrução criminal, dividiu a Operação Marquês em dois grandes blocos:
- O Bloco A — A pronúncia para julgamento propriamente dita decidida por Ivo Rosa – vamos chamar-lhe Bloco A ao longo deste texto. Neste Bloco A foram pronunciados para julgamento em quatro processos autónomos a dupla José Sócrates e Carlos Santos Silva, Ricardo Salgado, Armando Vara e João Perna;
- E o Bloco B — O despacho de não pronúncia, que corresponde a um arquivamento da esmagadora maioria dos 189 crimes que o Ministério Público imputou na acusação aos arguidos da Operação Marquês – vamos chamar-lhe Bloco B.
A decisão da juíza Sofia Martinho Pires tem a ver com o Bloco A. Porquê?
Porque a pronúncia para julgamento propriamente dita decidida por Ivo Rosa em abril de 2021 levou à pronúncia para julgamento em quatro processos autónomos da dupla José Sócrates e Carlos Santos Silva, Ricardo Salgado, Armando Vara e João Perna.
Desses quatro processo autónomos, apenas restam o processo relacionado com a dupla Sócrates/Santos Silva e o de Ricardo Salgado (que tem uma condenação de oito anos de prisão efetiva apenas um último recurso para o Tribunal Constitucional pendente), visto que os processos de Vara e de Perna já transitaram em julgado com condenações.
Falando do caso de Sócrates e Santos Silva, quer o Ministério Público, quer o próprio ex-primeiro-ministro e o seu melhor amigo, recorreram para a Relação de Lisboa da decisão do juiz Ivo Rosa por entenderem que o magistrado violou a lei ao alterar os pressupostos da acusação deduzida pelo Ministério Público — a chamada alteração substancial dos factos.
Só um exemplo: o MP entende que Sócrates e Santos Silva são autores em regime de co-autoria do crime de corrupção passiva para ato ilícito e que os cerca de 30 milhões de euros de Santos Silva na Suíça pertencem a José Sócrates. Ivo Rosa transformou Santos Silva em corruptor ativo de Sócrates e diz que os fundos na Suíça são do empresário de construção civil, e não do primeiro-ministro.
A Relação de Lisboa veio a dar razão ao MP, a Sócrates e a Santos Silva e considerou que o juiz Ivo Rosa violou a lei, decidindo anular apenas e só a parte da pronúncia relativa a José Sócrates e a Santos Silva. No mesmo acórdão, as desembargadoras da 5.ª Secção de Lisboa decidiram ordenar ao Tribunal Central de Instrução Criminal que emitisse nova decisão instrutória. É esse o trabalho da juíza Sofia Marinho Pires.