Para quem acredita no destino, esta história começou a ser escrita há oito dias. Nessa fase, com qualificação e primeiro lugar do grupo garantidos, Portugal preparava o encontro com a Geórgia e Diogo Costa foi chamado à primeira conferência de imprensa depois do triunfo com a Turquia por 3-0. Aí, fintou logo de início todas as questões sobre o FC Porto, admitiu que ainda não sabia quem iria defender a baliza nacional dentro das alterações que Roberto Martínez iria fazer, aproveitou também aquela data em específico para falar de outro guarda-redes português com história. Quem? Ricardo, antigo número 1 que faz parte da equipa técnica de Roberto Martínez e que, 20 anos antes, tinha ascendido a herói do país nos penáltis com a Inglaterra.

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“Por acaso ainda não falamos sobre isso. É um privilégio ter o Ricardo todos os dias connosco, partilhar momentos únicos e treinar com ele. Que me passe todos os conselhos para que possa defender os penáltis, é o que desejo. Defesas sem luvas? Acho que é com luvas, isso fica para o Ricardo…”, ironizou sobre esse momento em que o guarda-redes que foi aposta de Luiz Felipe Scolari quis procurar algo que mudasse aquela história, atirou as luvas para o lado, defendeu sem proteção a tentativa de Darius Vassell caindo para o seu lado esquerdo e pediu depois para bater com sucesso o castigo máximo que colocaria Portugal nas meias.

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(E agora um pequeno parênteses para recordar outra história, essa menos conhecida, contada pelo próprio Vassell numa entrevista em Inglaterra: “Uma vez encontrámo-nos a jogar golfe e ele contou-me o porquê de ter tirado as luvas. Disse-me que tinha estudado a forma de bater de todos os jogadores ingleses mas que em relação a mim não dispunha de qualquer dado, não reconhecia um padrão. Ele não fazia ideia para onde eu poderia bater e por isso pensou em algo que pudesse mexer com a decisão. Foi engraçado ele ter comentado isso porque sempre pensei porque raio teria feito isso a meio de um desempate daqueles…”)

Sabedoria não faltava à volta de Diogo Costa. Olhava para um lado e tinha Ricardo, o primeiro guarda-redes a defender três grandes penalidades num desempate por grandes penalidades num Campeonato do Mundo frente à Inglaterra em 2006 (Subasic e Livakovic, da Croácia, conseguiriam mais tarde repetir). Olhava para o outro e tinha também Rui Patrício, outro guardião com boa percentagem de defesas nos penáltis que foi herói de Portugal de bola corrida quando parou tudo o que era possível para o primeiro grande título da Seleção no Europeu de 2016. Eram mais ajudas para alguém que, por si, não precisava de ser ajudado.

Em 2022/23, Diogo Costa tornou-se o primeiro guarda-redes da história a travar três penáltis numa fase de grupos da Liga dos Campeões: uma em casa diante do Bayer Leverkusen (pelo checo Patrik Schick, que fez o Europeu), outra na Alemanha frente ao mesmo Bayer Leverkusen, mais uma com o Club Brugge na Bélgica que até foi repetido após uma primeira intervenção mas que voltou a ter o mesmo destino. Agora, o número 1 do FC Porto tornou-se o primeiro guarda-redes da história a defender três tentativas noutras tantos remates da Eslovénia nos oitavos do Campeonato da Europa. Mais uma noite para a história.

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“No primeiro do Schick acreditei que ia bater para aquele lado, até pela corrida que fez, pela cabeça, também pela forma como foi chutando durante o jogo. A pressão dá-me pica, faz parte. Até ajuda a pressão. Por trás disto tudo, com equipa técnica e companheiros de posição, fomos vendo a forma como batiam mas segui mais o corpo. Com o Club Brugge, jogou também o psicológico porque tinham falhado um primeiro que foi repetido, mudaram o marcador e foi mais difícil para ele. Aí acreditei no lado e ver pelos olhos dele”, tinha explicado aos meios do FC Porto o guarda-redes depois desse feito alcançado na Champions.

Esta noite, frente à Eslovénia, foi tudo num momento só. Ilicic tentou marcar, Diogo Costa defendeu. De seguida Balkovec tentou marcar, Diogo Costa defendeu. E ainda houve Verbic a tentar marcar, Diogo Costa defendeu novamente. Um, dois, três, a conta que o guarda-redes fez outra vez. E além de ter ficado para a história como o primeiro a travar três tentativas, Portugal conseguiu a sua primeira vitória de sempre num desempate por penáltis por 3-0 e manteve o registo quase 100% vitorioso nas grandes penalidades, onde só mesmo nas meias-finais de 2012 frente à Espanha não houve triunfo nacional das decisões.

“São jogos mais difíceis. Estamos muito tempo sem tocar na bola, só me focava em aproveitar se houvesse oportunidade. Gastei toda a minha energia nisso. Estou muito contente acima de tudo por ajudar a equipa e quero dedicar isto à minha família, que é o meu suporte. Defesa a Sesko na parte final? Como costumo dizer, é uma motivação extra. Da minha parte, trabalho nunca irá faltar, aliás mato-me a trabalhar, a acreditar em mim. E quero agradecer à minha família. Melhores noites da carreira? Sim, é verdade. Foi o jogo em que mais consegui ajudar mais a minha equipa e é nisso que me foco”, comentou Diogo Costa.

“Acho que o segredo de Portugal é o Diogo Costa. Diogo Costa é o segredo mais oculto do futebol europeu e hoje apareceu. Hoje acho que entrou num patamar totalmente diferente. A situação no um para um foi incrível. Depois teve o foco para fazer três defesas consecutivas. Temos de estar muito orgulhosos dele”, salientou o selecionador Roberto Martínez. “O Diogo esteve em excelente plano, não só nos penáltis mas antes numa jogada antes de acabar o jogo em que defende com o pé. Temos guarda-redes muito capazes nos penáltis. Já ontem [domingo] no treino, quando tivemos de treinar, foi complicado marcar golos porque eles estavam bem. Por um lado tínhamos consciência de que temos batedores de qualidade que podiam fazer golo e por outro sabíamos que o Diogo era capaz de defender”, destacou Bruno Fernandes.