Uma terça-feira chuvosa em Leipzig ditava o último apurado para os oitavos de final do Euro 2024. De um lado, a Áustria procurava capitalizar a ideia de que podia ser a surpresa da competição depois de vencer um grupo onde estavam França e Países Baixos; do outro, a Turquia procurava demonstrar que era capaz de fazer muito mais do que aquilo que se viu no grupo onde também estava Portugal.

“Se alguém me tivesse dito que iríamos passar aos oitavos de final e jogar em Leipzig, através do primeiro lugar, diria que estavam a ser muito otimista. Mas é fantástico termos chegado aqui. A competição vai começar outra vez e vamos ter de alterar o modo de jogo. Teremos de estar completamente focados, totalmente concentrados e ter a noção de que os erros podem não ser corrigidos num jogo destes”, explicou Ralf Rangnick, que voltava a uma cidade onde já foi treinador e diretor desportivo.

Do outro lado, Vincenzo Montella também não tinha ilusões. “Eles são uma equipa completa, também a melhor equipa do Europeu enquanto unidade. Pressionam alto e de forma muito agressiva no campo inteiro, são muito consistentes e excelentes na transição. Lembram-me muito uma equipa de clube, porque têm a capacidade de reconhecer as diferentes situações do jogo”, atirou o selecionador turco.

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A Áustria não podia contar com Patrick Wimmer, por castigo, e a Turquia não tinha o capitão Çalhanoglu, que também estava castigado. Assim, Rangnick surpreendia e deixava Florian Grillitsch no banco, com Seiwald a ser titular ao lado de Sabitzer, enquanto que Montella lançava Arda Güler, Kenan Yıldız e Burak Yılmaz em simultâneo no ataque, para além de Kökçü no meio-campo.

Florian Grillitsch, o fã de Rivaldo que chegou à Alemanha com 16 anos e que é o maestro da orquestra da Áustria

O jogo começou praticamente com um golo: aos 57 segundos, Demiral aproveitou uma péssima abordagem da defesa austríaca a um canto e concretizou uma recarga, colocando a Turquia a vencer e assinando o golo mais rápido de sempre na fase a eliminar do Europeu e o segundo mais rápido de sempre de forma global, apenas atrás do do albanês Nedim Bajrami, também já neste Europeu.

A Áustria reagiu bem à desvantagem e ficou perto de empatar em duas ocasiões nos instantes seguintes, com Baumgartner a rematar ao lado (3′) e a falhar o desvio ao segundo poste depois de um canto muito perigoso (5′). A partir daí, porém, seguiu-se uma autêntica masterclass defensiva da Turquia: os austríacos raramente conseguiram voltar a criar perigo e os turcos estavam muito bem organizados, permitindo poucos espaços e lançando o contra-ataque sempre que possível. Ao intervalo, a Turquia estava a vencer a Áustria em Leipzig.

Ralf Rangnick mexeu logo ao intervalo e trocou e Phillipp Mwene e Romano Schmid por Alexander Prass e Michael Gregoritsch, com a Áustria a regressar mais móvel e ofensiva para a segunda parte e a ficar desde logo perto do empate, num remate do mesmo Gregoritsch que passou ao lado (47′) e outro de Arnautovic que Mert Günok defendeu (51′). As alterações do selecionador austríaco foram eficazes, anulando o encaixe tático e fugindo às marcações da primeira parte, e a Turquia tinha dificuldades para conter o adversário.

Vincenzo Montella respondeu já perto da hora de jogo, fortalecendo o meio-campo com a entrada de Salih Özcan, e a eficácia falou mais alto. Na sequência de um canto cobrado na direita do ataque turco, Demiral subiu mais alto do que todos os outros ao primeiro poste e cabeceou para bisar e aumentar a vantagem (59′). Ralf Rangnick voltou a mexer e a Áustria conseguiu reduzir a desvantagem pouco depois, com Gregoritsch a aproveitar uma bola solta após um canto (66′).

Até ao fim, porém, já nada mudou — com Kökçü a ser substituído no últimos minutos por dificuldades físicas. A Turquia aguentou até ao apito final e venceu a Áustria, eliminando a equipa-sensação do Euro 2024 e marcando encontro com os Países Baixos nos quartos de final da competição. Com dois golos no mesmo jogo, os mesmos que tinha ao longo de toda a carreira internacional, Demiral tornou-se o herói de uma seleção turca que confirmou a ideia de que é capaz de muito mais do que aquilo que mostrou na fase de grupos.

O joker

  • De forma óbvia, Merih Demiral. O central abriu o marcador aos 57 segundos, assinando o golo mais rápido de sempre na fase a eliminar do Europeu e o segundo mais rápido de sempre de forma global, e tornou-se a grande figura do apuramento da Turquia. Aos 26 anos e a jogar na Arábia Saudita, depois das passagens pela Juventus, pelo Sassuolo e pela Atalanta já depois do início da carreira no Alcanenense e no Sporting, continua a ser um dos centrais mais interessantes do Campeonato da Europa.

A pérola

  • Mert Günok. O guarda-redes da Turquia fez uma defesa absolutamente extraordinária já nos descontos, parando um cabeceamento de Baumgartner, e segurou nesse momento a qualificação para os quartos de final. Aos 35 anos e com passagens pelo Fenerbahçe, o Bursaspor e o Basaksehir antes de assentar no Besiktas em 2021, só recentemente conseguiu conquistar a titularidade da seleção e tem correspondido.

A sentença

  • Com a vitória perante a Áustria, a Turquia garante a presença nos quartos de final do Europeu pela terceira vez na história e depois de não ter passado da fase de grupos nas duas últimas edições, em 2020 e 2016. Já os austríacos voltam a falhar os quartos de final, fase que nunca atingiram, e voltam a ser eliminados nos oitavos de final tal como tinha acontecido há três anos.

A mentira

  • A Turquia não é uma equipa limitada. Apesar de não ser brilhante coletivamente e de ficar muito refém das individualidades de Çalhanoğlu ou Arda Güler, a seleção turca vive e sobrevive da paixão que imprime em cada lance e tem capacidade para sonhar com voos mais altos contra os Países Baixos.