O investigador italiano Ettore Recchi, da Sciences Po (França), considera que o voto de muitos emigrantes portugueses na extrema-direita nas eleições francesas no domingo resulta do “nível de assimilação” da comunidade.

“Os portugueses de segunda geração são das comunidades mais assimiladas ao contrário de outras comunidades, como os argelinos ou marroquinos. Não conheço imigrantes argelinos ou marroquinos que votem na União Nacional”, afirmou à Lusa Ettore Recchi, salientando que existem fortes diferenças nas opções políticas entre as comunidades de países europeus e de fora da Europa.

“Tudo depende do nível de assimilação”, precisou.

O “maior exemplo é o candidato a primeiro-ministro da União Nacional, que é um italiano de segunda geração”, disse, referindo-se a Jordan Bardella.

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O tema da imigração permanece muito relevante em França, considerou o sociólogo, que esteve em Lisboa por ocasião da XXI Conferência Anual da Imiscoe (International Migration Research Network, na sigla inglesa), a maior rede mundial de investigadores sobre migrações.

No entanto, afirmou, que a “França é dos principais países europeus que recebeu menos imigrantes nos últimos 20 anos” e “não há outro país que expulse tantos imigrantes ilegais”, considerando que não há um agravamento da situação relacionada com o tema.

“Esse discurso anti-imigração faria mais sentido noutros países”, afirmou, mas a União Nacional, de Marine Le Pen, continua a insistir no tema, que é uma das marcas identitárias do partido de extrema-direita.

“Há uma ideia que permanece desde a fundação [da antiga Frente Nacional] que é dar uma prioridade aos franceses nos apoios sociais”, mas agora a “novidade é penalizar a dupla nacionalidade na contratação pública, o que viola as normas europeias” e pode afastar muitos imigrantes de segunda geração de cargos públicos.

O crescimento da extrema-direita em França revela, no seu entender, uma “grande fratura entre Paris e o resto de França, entre o cosmopolitismo das grandes cidades e os meios locais”, mostrando um país que “não se revê nas elites que estão no poder, numa dialética que opõe os dois lados e cria ressentimento, também associado aos processos de globalização”.

“Paris tornou-se numa cidade global e o resto do país é provinciano”, salientou Ettore Recchi.

Hoje, em França como no resto do mundo, a extrema-direita usa uma linguagem inspirada no discurso da esquerda, mas sem referir classes sociais, preferindo conceitos como “etnicidade” ou “patriotismo”.

“Querem atingir as classes média-baixa ou os mais pobres, mas não querem utilizar expressões como classe ou questões sociais porque isso é uma linguagem mais da esquerda. E tentam defender esses grupos usando a etnicidade como forma de interpretar o mundo”, explicou Ettore Recchi.

O investigador considerou ainda que “eles dizem defender os mais pobres e excluídos, assumindo uma justificação cultural contra ameaças do exterior”, para “não colocar em causa o sistema social vigente”.

As legislativas francesas, que deveriam acontecer apenas em 2027, foram convocadas de forma surpreendente por Emmanuel Macron, após a derrota do seu partido (Renascimento) e a acentuada subida da União Nacional (extrema-direita), nas eleições para o Parlamento Europeu de 9 de junho.