Céu nublado, ventos e até possibilidade de períodos de chuva mais a norte. Não parece, mas é a síntese da previsão meteorológica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para um dia de verão. Concretamente, a previsão para esta segunda-feira, dia 8 — um dia que, já a meio da primeira quinzena de julho, é sinal de um verão que se antevê instável e feito de altos e baixos, possivelmente, até outubro.
O verão deste ano teve um começo tímido, com chuvas e temperaturas baixas. Seguiram-se, no início de julho, dias de forte calor, com temperaturas a superar largamente os 30ºC em vários pontos do país. Agora, os termómetros voltaram a baixar, com o IPMA a antecipar temperaturas máximas na ordem dos 20ºC-25ºC para a maioria do país e possibilidade de chuva em praticamente todo o litoral e norte.
Ao Observador, o climatologista Mário Marques diz que o verão está em linha com as previsões existentes — “um verão ameno” — e antecipa mesmo que a estação continue assim: poderá haver uma onda de calor na semana entre a terceira e a quarta semanas de julho, possivelmente a partir do dia 17 deste mês, que não será prolongada mas que poderá ser mesmo o período mais quente de todo verão, voltando as temperaturas a cair no final do mês.
Agosto, por seu turno, tem tudo para ser um “mês tropical”, com bastante calor, “mas também com humidade associada, sobretudo no litoral oeste”. O climatologista antecipa ainda setembro como um “bom mês de verão” — e prevê que 2024 traga ainda um outono e um inverno consideravelmente secos.
“As estações já não são aquilo que eram há uns anos”, sintetiza Mário Marques, sublinhando que a realidade portuguesa começa a aproximar-se de uma lógica de “duas estações” — “estação seca e a estação húmida”.
Já o meteorologista Ricardo Deus, do IPMA, diz ao Observador que é preciso cautela ao comparar os verões. “O que todos fazemos, e que a grande parte das pessoas constata, tem a ver com a nossa memória curta. Estamos a comparar com os últimos dois, três ou quatro verões, que têm sido muito quentes, com ondas de calor frequentes e seca extrema. Tudo isto condiciona a nossa análise”, explica.
“Se olharmos friamente para os números, percebemos que o mês de junho foi um mês próximo das temperaturas normais. Talvez 0,5ºC abaixo do normal. A nossa memória atraiçoa um bocadinho”, destaca, lembrando que junho de 2024 foi o quinto junho mais chuvoso desde 2000 e o quinto junho com temperaturas mais baixas. “Não é uma situação atípica. Termos verões com menos calor é algo que acontece pontualmente. Caracteriza o nosso clima mediterrânico e atlântico.”
Se a variabilidade caracteriza o clima português, Ricardo Deus deixa um alerta em sentido contrário: o que é atípico não é este mês de junho ter temperaturas mais amenas; é o facto de os últimos anos terem sido, consecutivamente tão quentes.
Mário Marques também recorda como nos últimos anos os padrões têm começado a mudar gradualmente. “A partir de 2002, 2003 — sobretudo o verão quente de 2003 —, começámos a ter uma tendência para os verões se estenderem até outubro ou novembro, em termos de falta de precipitação. Até já tivemos situações de dezembros com temperaturas de cerca de 20ºC”, explica. Por outro lado, “o número de dias de chuva em junho superou os 100%, ou seja o dobro, em muitos sítios, sobretudo a norte do Tejo”.
Os padrões estão a mudar e, no futuro, espera-se “maior variabilidade em termos de padrão” — ou seja, a antiga ideia das quatro estações bem definidas e sem surpresas meteorológicas é, definitivamente, uma ideia do passado. E, mesmo que possa parecer contraintuitivo — neste caso, falamos de um verão menos quente do que o que poderíamos esperar —, nada disto pode ser compreendido sem perceber o impacto das alterações climáticas e do aquecimento global no clima do planeta.
Cientistas antecipam verão mais próximo do normal
De facto, o planeta continua a bater recordes. Esta segunda-feira, soube-se que junho de 2024 foi o junho mais quente desde que há registos — é a 13.ª vez consecutiva que este recorde mensal é batido, o que levou os responsáveis do serviço climático da UE a sentenciar que “isto vai além de uma raridade estatística e evidencia uma mudança relevante e contínua no nosso clima”.
Para Mário Marques, o verão de 2024 está a seguir a lógica dos verões anteriores e está a ser “um verão ameno”. “Nos últimos anos tem sido assim, sobretudo no litoral oeste. Não têm sido os verões tórridos, é uma tendência nos últimos anos”, destaca.
O climatologista sublinha que há vários fatores a contribuir para esta tendência. Um deles é o “enfraquecimento da Corrente do Golfo, devido ao aumento da quantidade de água doce no oceano, que faz com que não existe o efeito de salmoura nas calotas polares”. Este enfraquecimento, diz Mário Marques, “poderá levar a oscilações de intensidade e posicionamento do anticiclone dos Açores”.
O facto de o anticiclone dos Açores estar “mais fraco e menos abrangente”, bem como “mais para Oeste”, faz com que os “fluxos noroeste, que afetam mais as Ilhas Britânicas, desçam mais” e cheguem também a Portugal, daí as temperaturas mais amenas e até alguma chuva em algumas semanas. Simultaneamente, o deslocamento do anticiclone dos Açores mais para o lado dos Estados Unidos “permite uma subida mais brusca” das altas temperaturas provocadas pela dorsal africana, que se vai “estender para norte”, e daí as semanas mais quente.
Será essa movimentação que deverá provocar uma curta onda de calor na terceira semana de julho: por alguns dias, os termómetros poderão subir até aos 40ºC ou até ultrapassar esse limiar, mas “não será nada de muito prolongado”.
Ao mesmo tempo, destaca, há um padrão a verificar-se nos últimos anos: “Forma-se com maior frequência uma alta pressão estática sobre a Europa e a Ásia, especialmente o Próximo Oriente, que está a afetar mais o sudeste da Europa e também os países de Leste. A Roménia, por exemplo, tem tido temperaturas de 30 e tal graus desde maio.”
Ricardo Deus explica que as análises neste momento ao dispor do IPMA em relação aos próximos três meses apontam para uma “probabilidade acima dos 50% de termos temperaturas acima do normal”. Porém, “em termos quantitativos, em média, será apenas 0,5ºC ou 1ºC acima do normal”, e não “3ºC acima da média, como nos verões anteriores”.
Contudo, a média “pode ser composta por valores muito altos e valores muito baixos”, pelo que não é de descartar a ocorrência de períodos de onda de calor. Ainda assim, olhando para as estimativas do IPMA, Ricardo Deus sustenta que é possível “inferir que poderão não ocorrer períodos tão longos ou tão intensos de ondas de calor”. “Poderemos estar numa situação de um verão não tão quente, e mais próximo do que é o normal”, sintetiza.
Já no que toca à precipitação, embora não haja “um sinal estatisticamente significativo”, os especialistas do IPMA detetam uma “predominância” que aponta para “precipitação abaixo do normal” para a altura do ano.
Um verão mais ameno do que os anteriores não significa, contudo, um abrandamento do aquecimento global, avisam os cientistas. “Estamos todos a viver num clima que tendencialmente vai ter temperaturas médias acima do normal de forma consistente, isto é inegável”, destaca Ricardo Deus. “O que acontece com o clima é que esta tendência não é igual em todas as regiões do globo” e, em alguns lugares, até há “um decréscimo da temperatura”.
“Estamos neste regime de aumento da temperatura média em termos globais, mas pontualmente vamos ter variabilidade. Esta oscilação, uns meses acima, uns meses abaixo, vai continuar a acontecer na linha de tendência de um aumento da temperatura global”, resume, assinalando que a principal consequência deste aumento da temperatura média global é o aumento da probabilidade de catástrofes naturais e de fenómenos climáticos extremos.
Mário Marques, por seu turno, destaca que o principal problema do aquecimento global “não é tanto o aumento da temperatura máxima, mas o aumento da temperatura mínima”. Mesmo quando a nível global continuam a bater-se recordes médios, diz o climatologista, não é de estranhar que Portugal beneficie de temperaturas mais baixas devido ao Atlântico.