Desde o notável Toy Story 4, de 2019, que a Pixar não conseguia fazer um filme à altura dos seus pergaminhos criativos, com os consequentes maus resultados comerciais. E nos dois últimos, Lightyear (2022) e Elemental (2023), o estúdio tinha mesmo  incorrido no pecado capital da doutrinação woke, imitando a sua casa-mãe, a Disney. Ora as continuações têm sido sempre muito favoráveis à Pixar, dos quatro Toy Story a Os Super-Heróis 2, passando por À Procura de Dory. Por isso, investiu em Divertida-Mente 2, para dar sequência ao filme de 2015 passado dentro da cabeça da pequena Riley e em que, além desta, as principais protagonistas eram as personificações das suas emoções primordiais, Alegria, Medo, Raiva, Tristeza e Repulsa.

A aposta resultou em cheio. Divertida-Mente 2, realizado em estreia por Kelsey Mann, um veterano animador da casa, é um descomunal sucesso de bilheteira nos EUA (lucrou um total, até agora, de 1,2 milhares de milhões de dólares nos EUA e fora de portas), para alívio da Pixar e da Disney, além de ter tido um acolhimento crítico maioritariamente positivo, como já há alguns anos não se via. Riley é agora uma adolescente de 13 anos e deixou para trás a infância, a sua inocência e as suas ilusões. A chegada da puberdade aciona um sonoro alerta vermelho no Quartel-General das emoções, bem como o aparecimento inesperado de uma equipa de trabalho, para o ampliar e tornar mais high tech.

[Veja o trailer de “Divertida-Mente 2”:]

Mas a grande novidade da fita é a entrada em cena de um conjunto de quatro novas emoções que Riley vai sentir, Ansiedade, Vergonha, Inveja e Aborrecimento (Ennui, no original), esta impagavelmente caracterizada como uma jovem francesa blasé (a voz é de Adèle Exarchopoulos), monossilábica, toda vestida de negro e que não larga o telemóvel (há ainda a Nostalgia, que aparece fora de tempo e é logo enviada para o seu cantinho). E como Riley começa a ter variações de humor, dúvidas e angústias, amplificadas por descobrir que não vai para a mesma escola secundária das suas duas melhores amigas, e sobretudo por querer a todo o custo cair nas boas graças da capitã da equipa de hóquei no gelo em quer quer entrar, e do grupo de raparigas mais velhas e cool que a acompanham, também as suas velhas e novas emoções vão entrar em conflito dentro da sua mente.

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[Veja uma entrevista com o realizador e o produtor:]

O confronto entre a Alegria, líder das cinco emoções originais, e a Ansiedade, chefe das quatro novas (e cujo aspeto é o de um ataque de nervos crónico e ambulante antropomorfizado, com um guarda-roupa ridículo) é inevitável. E a luta pelo controlo das emoções da agora instável Riley resulta num “golpe de Estado” no Quartel-General, em que Alegria, Medo, Raiva, Tristeza e Repulsa são manietadas pela polícia cerebral, declaradas “emoções suprimidas” e enviadas para o exílio, nos confins da mente da adolescente. Onde irão encontrar algumas boas e hilariantes memórias da infância esquecidas por Riley, e um “segredo negro” que ela afastou para os seus confins mentais.

Em Divertida-Mente 2, e a exemplo do primeiro filme, a Pixar faz um inventivo, fascinante e muito divertido trabalho de visualização, figuração e dramatização da vida interior da personagem principal humana e dos conceitos abstratos que lhe estão associados, apoiado na excelência técnica e no requinte estético da sua animação digital. À luta entre os dois conjuntos de emoções, e do conflito principal entre a Alegria e a Ansiedade pelo controlo de Riley, subjaz o problemas da alteração da personalidade da jovem, e o aparecimento de um conjunto de crenças e valores que a vão escorar e consolidar, com importantes implicações psicológicas e ontológicas: que pessoa é que ela ser? E como conseguirá sê-la?

[Veja uma sequência do filme:]

É uma questão significativa e complicada, que Divertida-Mente 2 torna concreta e acessível por imagens, e a que dá uma resposta, com invenção e deslumbre cinematográfico na animação, um sentido de humor inteligente e brincalhão, e uma espirituosidade omnipresente, desde a conceção e personificação das várias emoções até às partes gagas, sejam elas slapstick ou subtis. Tal como já sucedia com o filme original, esta continuação volta a fazer-nos a cabeça em todos os seus cantos e recantos, da melhor e mais esfuziante maneira possível. E repõe a Pixar na primeira fila da cadeia criativa do cinema animado.