A ex-secretária de Estado das Comunidades Portuguesas Berta Nunes foi esta sexta-feira ouvida na Comissão Parlamentar de Inquérito no âmbito do caso das gémeas luso-brasileiras tratadas com o medicamento Zolgensma. Durante a audição, de cerca de duas horas, Berta Nunes disse que o processo de obtenção da nacionalidade de Maitê e Lorena “decorreu de uma forma normal e transparente” e “nem sequer foi célere”. Garantiu que nunca falou com familiares das gémeas, com o Presidente da República ou o seu filho a propósito deste caso — que conheceu através comunicação social — e que intervenção de Nuno Rebelo de Sousa “não faz qualquer sentido”.

A antiga governante e deputada do PS foi questionada sobre se teve contacto com a família das gémeas ou com o Presidente da República sobre este tema. Berta Nunes garantiu que não, acrescentando que durante as suas funções como secretária de Estado das Comunidades Portuguesas chegou a ter contacto com o filho de Marcelo Rebelo de Sousa — arguido no caso das gémeas –, mas apenas na qualidade de presidente da câmara do comércio de São Paulo e nunca sobre as gémeas. Ainda assim salientou que o contacto foi breve.

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Questionada sobre se considera normal o envolvimento de Nuno Rebelo de Sousa no caso das gémeas, Berta Nunes apontou que “não faz qualquer sentido” no âmbito das competências enquanto presidente da câmara de comércio de São Paulo. Ressalvou, no entanto, que é normal preocupar-se com uma situação que é “dramática”.

Numa intervenção inicial, Berta Nunes tinha começado por explicar que a 31 de outubro de 2019, poucos dias depois de ter tomado posse, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas recebeu um ofício da Casa Civil sobre o caso da gémeas. Garantiu que na altura não teve contacto com este ofício, que foi tratado pelo seu chefe de gabinete e, a 7 de novembro, enviado para a Direção Geral dos Assuntos Consulares das Comunidades Portuguesas (DGACCP). Um procedimento que descreveu como de “rotina”.

À data do envio deste oficio, porém, as duas crianças já tinham nacionalidade portuguesa e o cartão de cidadão já tinha sido emitido, como lembrou o deputado João Almeida, do CDS, o que levou a questões sobre o propósito do envio do documento para a secretaria de estado. “Neste caso nada fizemos. Já estava tudo feito. As gémeas já tinham o cartão de cidadão, vinha no ofício com o relatório médico. A minha interpretação foi de que serviu para dar conhecimento ao consulado”, afirmou, acrescentando que o envio para o seu gabinete só fazia sentido numa lógica de acompanhamento da situação.

Não haveria nada que eu tivesse que fazer. Mesmo que eu tivesse tido conhecimento da situação, não vejo como pudesse ter algum tipo de intervenção.”

Berta Nunes também explicou que era “bastante frequente” o seu gabinete receber comunicações deste género, já que o Presidente da República tem por vezes conhecimento de problemas nas comunidades antes da Secretaria. “Acontecia muitas vezes uma interação mais informal com a Maria João Ruela [assessora do Presidente da República para os assuntos sociais], que era quem fazia a ligação connosco. Tratávamos coisas no sentido de proteger os cidadãos portugueses no estrangeiro dentro das nossas capacidades”, afirmou.

“Seis meses à espera” de nacionalidade “parece-me muito tempo”

Ao longo da audição Berta Nunes reiterou por várias vezes que não considera que o processo de obtenção da nacionalidade das gémeas tenha sido célere. “Fazer o agendamento em abril para em julho pagar os emolumentos e só em setembro ser enviado para o Instituto dos Registos e do Notariado [IRN] não me parece um processo célere de registo de nascimento e primeiro cartão de cidadão”, afirmou.

Não podemos ficar seis meses à espera, parece-me muito tempo”, acrescentou.

Durante a audição Berta Nunes sublinhou que não vê sinais de qualquer interferência da parte da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas ou da Direção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas no caso das gémeas. Sublinhou que, entre um caso que lhes chega da Presidência e outro que seja de um cidadão sem os mesmos contactos, até daria mais apoio ao segundo, por não ter uma rede de apoio.

Estamos sempre perante desigualdades. Elas existem. Devemos dar uma maior atenção aos mais vulneráveis. É a minha condição. Mas claro que essas desigualdades existem”, afirmou.

Comissão de inquérito espera por parecer da PGR antes de pedir comunicações de Marcelo com o filho

Ainda antes da audição de Berta Nunes, o presidente da comissão de inquérito informou que os pedidos de audição do Presidente da República, do ex-primeiro-ministro António Costa e do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva serão enviados entre esta sexta-feira e a próxima semana.

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Também foram aprovados vários requerimentos no âmbito da comissão de inquérito. O primeiro do PAN, para solicitar ao IRN o envio de orientações sobre a prioridade na tramitação de processos de nacionalidade de menores, e de seguida um do BE, para pedir documentação relativa aos processos movidos por Daniela Martins, mãe das gémeas, contra a Amil Assistência Médica Internacional Ltda e para audição de José Carlos Magalhães, da Amil.

Também foi aprovado um requerimento do PSD e PS para a suspensão dos pedidos de acesso a comunicações de figuras envolvidas no caso das gémeas, nomeadamente, do Presidente da República. Surgiu depois de o presidente da Assembleia da República pedir à Procuradoria-Geral da República um parecer sobre o pedido de acesso a comunicações privadas dos inquiridos, que partiu do Chega. O intuito era esclarecer se a comissão parlamentar tinha o direito de o fazer.

O tema gerou uma intensa discussão, atrasando o início da audição de Berta Nunes. O requerimento acabou por ser aprovado, com os votos contra do Chega.