A notícia do The Wall Street Journal, publicada no final de junho, caiu como uma “bomba” e, depois de inicialmente desmentir todas as alegações, o Fórum Económico Mundial acabou por tomar medidas. Nomeou uma comissão especial – apoiada por uma prestigiada firma de advogados – para investigar as alegações de casos graves de discriminação sexual e racial, assédio sexual e bullying laboral na estrutura que, entre outras iniciativas, organiza os encontros anuais de Davos.

O fundador e principal rosto do Fórum Económico Mundial, o alemão Klaus Schwab, era um dos visados pelas alegações de assédio sexual e discriminação que foram pormenorizadamente descritas no texto do The Wall Street Journal.

Schwab, hoje com 86 anos, fundou este think tank quando era apenas um jovem economista e transformou o Fórum numa instituição influente que assume como missão “melhorar” o mundo e as sociedades humanas, designadamente através dos eventos que promove e dos relatórios que produz sobre temas como a igualdade de género e a sustentabilidade ambiental e económica.

Nos bastidores, porém, a realidade dentro da estrutura não poderia ser mais dissonante, alega o trabalho feito pelo jornal norte-americano, que se baseou em entrevistas com mais de 80 funcionários atuais e antigos. Estas fontes garantiram que, sob a liderança de Klaus Schwab, se gerou na instituição uma atmosfera hostil às mulheres e aos negros, com alegações de assédio sexual e discriminação contra mulheres que engravidaram.

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Mais “desajeitado” do que “ameaçador”. Schwab acusado de comentários impróprios sobre mulheres

O próprio Klaus Schwab, que em maio anunciou que iria deixar de ser presidente executivo do Fórum Económico Mundial (permanecendo apenas como presidente não-executivo do conselho de administração) é visado diretamente pelo artigo.

Casado desde 1971 com a mesma mulher, Hilde, que conheceu quando esta se tornou assistente da administração do Fórum, Schwab era, alegadamente, conhecido internamente por ter uma tendência para fazer comentários impróprios dirigidos às mulheres com quem trabalhava, sobretudo quando estava sozinho com elas.

Mais do que ameaçadora, a conduta de Schwab é descrita pelas fontes do The Wall Street Journal como “desajeitada” – porém,claramente imprópria para alguém com o seu estatuto e responsabilidades. Várias mulheres que trabalharam diretamente com o líder do Fórum Económico Mundial descreveram os comentários recorrentes sobre a aparência destas, além de outras insinuações sugestivas que, no entanto, nunca evoluíram para avanços físicos.

Uma das mulheres que falaram com o jornal acusa Schwab de, certo dia, ter dito que esta deveria vestir um traje havaiano porque gostaria de ver o seu corpo vestido dessa forma. Outra afirma que Schwab lhe disse que lhe queria “arranjar um homem” – e que, “se não fosse casado”, oferecia-se ele próprio para “ser esse homem”.

Contactado antes da publicação do artigo, o departamento de comunicação do Fórum Económico Mundial rejeitou por completo esta e várias outras alegações, garantindo que Klaus Schwab nem sequer sabe o que é um traje havaiano.

Além das questões sexuais, o The Wall Street Journal também descreve o caso de uma mulher contratada em 2017 para liderar uma iniciativa do Fórum Económico Mundial na área das startups. Pouco depois, a mulher descobriu que estava grávida e entrou no gabinete de Schwab, em Genebra, para lhe dizer. A reação do líder do patrão não podia ter sido pior, segundo a notícia: terá ficado irritado pela revelação e por considerar que a mulher, estando grávida – e, depois, sendo mãe de uma criança pequena – não poderia ter o ritmo de trabalho que Schwab teria idealizado quando a contratou.

Segundo a notícia, a mulher acabou dispensada pouco depois, com o Fórum a prescindir desta executiva antes do final do período experimental que estava no seu contrato. E não terá sido caso único: houve cerca de seis outros casos semelhantes, visando mulheres que engravidaram ou que regressaram de licenças de maternidade.

Outros casos de discriminação de género, assédio sexual e racismo foram atribuídos a altos funcionários do Fórum Económico Mundial, entre alguns que já saíram, entretanto, e outros que continuam na estrutura apesar de os casos terem sido reportados pelas alegadas vítimas.

Fórum contestou alegações da notícia, mas criou comissão especial

O Fórum contestou a caracterização dos acontecimentos feita pelo The Wall Street Journal, antes da publicação da notícia, e garantiu que a organização tem tolerância zero com assédio ou discriminação e responde adequadamente a quaisquer reclamações recebidas.

Mas essa é uma defesa que em nada corresponde à verdade, segundo vários ex-funcionários que até criaram um grupo de Whatsapp onde estão centenas de pessoas que partilham os traumas que viveram. O grupo chama-se “WEfugees“, um trocadilho com a sigla WEF (World Economic Forum) e a palavra refugees, de refugiados.

Apesar dos desmentidos, após a publicação do artigo vários parceiros empresariais do Fórum contactaram a organização para perguntar sobre aquilo que leram. Entre esses parceiros estão a farmacêutica Pfizer, a Mastercard, a Merck & Co., a dinamarquesa Velux e a gigante mundial do imobiliário Jones Lang LaSalle (JLL).

Nesta sexta-feira, em comunicado, o Fórum Económico Mundial revelou ao The Wall Street Journal que alguns membros independentes do conselho de administração irão supervisionar uma investigação interna, com o apoio de advogados externos, a firma de advogados Covington & Burling, especialista neste tipo de avaliações.

A comissão irá apresentar um relatório ao Conselho de Curadores [onde estão representadas as várias empresas parceiras] assim que a revisão for concluída”, disse o Fórum. Thomas Buberl, presidente da seguradora francesa AXA, vai supervisionar o trabalho dessa comissão.