Acho que não conheço ninguém que ainda veja os episódios novos semanais dos Os Simpsons ou de South Park. A série de Matt Groening, digna do Guiness, vai na temporada 35; já o deboche animado de Trey Parker e Matt Stone vai na season 26. Ambas marcaram a animação para adultos (também há crianças a ver, mas — sobretudo no caso de Cartman e companhia — esse não é o público-alvo) e têm já uma confortável e inequívoca poltrona na História da televisão, mesmo que muitas pessoas já não assistam ou prefiram rever episódios antigos em detrimento dos novos.
Apesar das diferenças entre Os Simpsons e South Park, ambos estilizaram as regras do que é fazer este género de desenhos animados. Personagens reconhecíveis, geralmente familiares ou colegas de um determinado contexto banal; uma ou outra personagem mais bizarra e menos realista; conflitos rebuscados resolvidos episódio a episódio; piadas com referências contemporâneas de cultura pop. Exploding Kittens, com os seus nove episódios a estrear agora na Netflix, segue estas diretrizes com o empenho de um bom aluno. O problema é que, estando lá tudo, não está lá, na verdade, quase nada. Falta o rasgo, falta algo que não a torne tão esquecível. Olhem, falta-lhe graça.
[o trailer de “Exploding Kittens”:]
Exploding Kittens é a criação de Elan Lee e Shane Small, assim como do ilustrador Matthew Inman (do maravilhoso site The Oatmeal) e começou por ser um jogo de cartas patrocinado e popularizado por uma campanha de Kickstarter, uma plataforma de financiamento para projetos criativos. As regras são bastante gerais: uma espécie de roleta russa em cujo objetivo é que nunca nos calhe uma carta com um gatinho explosivo. É, portanto, um jogo sem narrativa, pelo que a série teve de a ir arranjar. A premissa até tem algum sumo: Deus e o Diabo são enviados para a Terra numa missão de compreender e melhorar a Humanidade, mas chegam em forma de gordos gatos caseiros. A concretização, porém, nunca encontra o seu tom ou a sua linguagem, com um ou outro momento razoável aqui e ali que não chegam para aturar nove episódios sem darmos por nós a olhar para o telemóvel. Vendo, talvez, gatos a sério.
Tom Ellis, o Lucifer da série com o mesmo nome, troca para a equipa rival e dá aqui voz a Deus. É, provavelmente, a melhor parte da série. Um bom mix entre uma divindade celestial e… bom, e a divindade que os gatos estão convencidos que são. A gata Belzebu, a Némesis, não é tão interessante, mas serve para contraponto. Agora o grande problema é a família banal na qual os felinos aterram: o pai Marv (o totó de serviço), a mãe Abbie (uma ex-militar obcecada com violência), a filha Greta (a inteligente algo sociopata) e o filho Travis (uma vítima de bullying que tem como objetivo ser viral na internet). Não há nada que torne esta família apelativa, a caracterização de personagens tem a profundidade de um lancil de passeio, as piadas e as bocas simplesmente não resultam. E os diálogos são, muitas vezes, referências ultra específicas a coisas que irritam as pessoas (leia-se: a internet) em 2024, mas que estarão já velhas e sem contexto em 2025. É para isso que servem os memes e não as séries de televisão.
Mesmo no seu mais desvairado, com unicórnios disformes a explodirem, Exploding Kittens não chega aos calcanhares, por exemplo, de um episódio de Treehouse Of Horror, os episódios especiais e sobrenaturais que Os Simpsons fazem sempre por altura do Halloween. Como é que podemos continuar a dizer que, se calhar, Os Simpsons já não andam cá a fazer nada quando as séries que almejam ficar-lhes com o lugar (a primeira cena do primeiro episódio de Exploding Kittens é uma clara piscadela de olho ao céu azul e coro celestial que marcam os primeiros segundos do genérico da família de Springfield) não têm sequer um centésimo do risco, da graça, da inteligência? A série do imaginário de Oatmeal, aqui representado de um modo que não lhe faz de todo justiça, tenta também ir buscar os fãs de Rick e Morty, mas sem o guião coeso, o risco e a dose de filosofia inesperada.
A Netflix é capaz de fazer boas séries de animação para adultos. Em registos muito diferentes, temos Bojack Horseman, Big Mouth e Carol & The End Of The World. Mas Exploding Kittens pega num conceito que seria pelo menos entretido e comete o pior dos pecados: é chato. Prefiro TikToks de gatos a assustarem-se com sacos de plástico.