Há quase duas semanas a Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) divulgou as listas de colocação de professores. O processo foi rápido, mas teve problemas: em certas escolas, foram colocados mais professores do que os lugares disponíveis. Agora, a Federação Nacional da Educação (FNE) exige saber “a origem deste problema”. E criou-se tensão entre o atual e o anterior ministro da Educação. Fernando Alexandre acusa o governo anterior de tomar uma decisão sem fazer um levantamento adequado dos números de professores necessários. João Costa garante ao Observador que a sua equipa fez uma “análise de muito pormenor” diferente da dos anos anteriores e que entregou um “instrumento de estabilidade”.
“Assim que souberam das colocações, os professores ficaram contentes por estar perto das suas residências. E souberam depois que não havia lugar” na escola onde ficaram, disse o líder da FNE no final de uma reunião com o ministro da Educação acerca da revisão do Estatuto da Carreira de Investigação Científica. “Se [o concurso para professores] tiver sido mal aberto falta perceber a origem deste problema.”, acrescentou.
A lista definitiva de ordenação, exclusão, colocação e não colocação, de desistências e de retirados alusivos ao Concurso Interno e do Concurso Externo para o ano letivo de 2024/2025 foi divulgada a 11 de julho. Esta quarta-feira, no final da reunião com os sindicatos, o ministro Fernando Alexandre partilhou que o seu Ministério tem recebido “preocupações de diretores que têm muitos [professores com] horários-zero e outros que não têm professores em número suficiente”. E acrescentou que estão a “aguardar a consolidação de toda a informação”.
Uma perspetiva realista ou uma análise descuidada?
Anteriormente, em entrevista ao Público, Fernando Alexandre explicou que o Governo anterior “publicou a portaria das vagas depois das eleições” de 10 de Março. “As escolas identificaram cerca de 8 mil vagas necessárias. A Direcção-Geral da Administração Escolar considerou que as escolas estavam a pedir um número insuficiente de vagas, porque podiam ter muitas aposentações, ou [muitos casos de] mobilidade por doença, fez uma avaliação (…) identificou em cima dessas oito mil vagas mais seis mil e tal. E o ministro [João Costa] adicionou em cima das 14.700 vagas, mais seis mil“.
Quanto às “seis mil vagas que o Governo anterior adicionou… não temos nenhuma justificação para isso“, disse o governante. E acrescentou que ainda nada foi dito “sobre este concurso” porque ainda não terminou e “a portaria pode estar muito bem feita e o resultado final do concurso ser muito bom”.
Em resposta, o anterior responsável pela pasta da Educação disse à agência Lusa que o concurso aberto este ano e organizado pela sua equipa “não seguiu os critérios tradicionais, porque teve em conta as necessidades reais das escolas ao longo de vários anos”. O número de vagas a que chegaram teve em conta diferentes situações, como “o histórico de baixas de longa duração que se iniciam invariavelmente em setembro”. E também os “professores que todos os anos as escolas utilizam para lugares de coordenação, tutorias, projetos, direções de turma, apoios, crédito horário”, e os que em princípio irão aposentar-se e que têm redução de carga horária. “Este apuramento com este grau de pormenor foi mais realista”, assegurou João Costa.
Mas Fernando Alexandre discorda desta opinião. Quando recebeu a pasta da Educação, o atual ministro estava “à espera de [receber] uma análise cuidada de onde estão as necessidades para fazer a alocação de professores”. Mas “não encontrámos isso… Encontrámos o maior concurso de sempre em Portugal sem estar bem fundamentado”, rematou.
Vagas apuradas “em torno de critérios muito mais realistas”, diz Costa
Após ser acusado de levar a cabo uma análise descuidada do número de professores, João Costa disse ao Observador que está disponível para explicar (novamente) a Fernando Alexandre como é que o levantamento foi feito.
“O que entregámos [ao atual Ministério] foi uma situação de muito maior estabilidade nas escolas. O que foi feito é uma análise de muito pormenor, que não se baseia apenas no que era a tradição de fazer um levantamento em função das turmas. Deve tirar partido deste instrumento de estabilidade, o que temos aqui é um instrumento de bom planeamento”, assegura João Costa, apontando que a sua equipa quis contribuir para combater “a precariedade” e trazer “maior previsibilidade às escolas”.
O antigo ministro da Educação sublinha que é necessário que “os serviços do Ministério” passem ao ministro a informação necessária sobre a forma como este levantamento se realizou. Caso contrário, “vai ser dada indicação às escolas para estes professores começarem a concorrer e daqui a dois meses há falta de professores nas escolas. É preciso que as escolas recebam com tempo as orientações para a preparação do ano e que se lhes peça que não ponham estes professores em horário-zero em função apenas das turmas”.
Porém, se Fernando Alexandre optar por “não apoiar as decisões nestes critérios” e decidir “voltar atrás”, “será uma opção política”. “O que não é verdade é que as vagas não tenham sido apuradas em torno de critérios muito mais realistas do que era a tradição”, concluiu.
Fenprof defende anterior ministro: “Muitas situações de horário-zero vão ser resolvidas”
Já a Fenprof saiu em defesa do anterior ministro socialista, assinalando como “um facto positivo” o número de vagas abertas. “Foi um número elevado porque finalmente, depois de muitos anos, foram tidos em conta critérios que eram repetidamente esquecidos”, disse João Louceiro do Secretariado Nacional desta organização.
“Para determinar as necessidades que uma escola vai ter não basta contar o número previsível de turmas a determinada data. Há outras coisas a ter em linha de conta: turmas que abriram, professores que irão para a aposentação, cargos que é preciso distribuir e fazer a radiografia das necessidades que as escolas tiveram nos três últimos anos. Se uma escola teve sistematicamente que recorrer a professores de quadro de zona pedagógica (QZP) ou a contratação, há indicadores de que há necessidade de ser convertida em vaga”.
O sindicalista reconheceu que há uma “incomodidade” no ministro da Educação, mas disse estar “ciente que ainda há muito trabalho ao nível da distribuição de serviço”. “Muitas situações identificadas como horário-zero vão acabar por ser resolvidas”, respondeu a Fernando Alexandre.
E criticou ainda a postura assumida por ministros anteriores: “As vagas eram sempre abertas numa perspetiva minimalista. Em setembro estamos convencidos que muitas destas situações acabarão por ser não de excesso, mas de necessidade de professores.”
João Louceiro não quis comentar se terá havido um cálculo demasiado excessivo do número de vagas necessárias, argumentando que só será possível “responder quando o serviço letivo e outro for distribuído”. Mas acrescentou que, “quem se confirme que não tem serviço letivo para ser atribuído terá de concorrer no âmbito da mobilidade por horário-zero”.
Concurso de professores será mais cedo (e simplificado)
Questionado sobre o facto de a divulgação das colocações dos professores ter ocorrido apenas a 11 de julho, influenciando a estabilidade do corpo docente de cada escola e o início do ano letivo, o ministro Fernando Alexandre reconheceu que foi “tarde”, mas logo se justificou que se deve ao facto de ter “começado em março”.
“Podia ter começado mais cedo. O que prometo é que nos próximos anos será feito com mais antecedência e as escolas terão mais tempo. Não há razão nenhuma para que o concurso seja tão tarde e não esteja acautelado bastante antes”, reconheceu. Mas deixou a ressalva que “não foi mais tarde que nos outros anos”.
O responsável pela Educação deixou ainda um sinal de que, no futuro, poderá haver uma melhoria daquilo que é o modelo de concurso dos professores: “Penso que é possível torná-lo mais simples, transparente e mais fácil de compreender.”