Enviado especial do Observador em Paris, França

O primeiro dia oficial de competições nos Jogos de Paris-2024 confirmou algumas perceções mais positivas, trouxe também algumas notícias e voltou sobretudo a ser marcado pela chuva. Chuva que enlameava todos os acessos mesmo nas competições que se disputavam em recintos fechados, chuva que trouxe a estreia de uma primeira zona mista à chuva depois do que se tinha passado na cerimónia de abertura, chuva que acabou por condicionar as movimentações de todos. No entanto, sentiu-se também que a pressão do tema segurança teve um alívio depois da abertura no Sena – não deixam de existir milhares e milhares de polícias mas já numa versão mais aliviada – e percebeu-se que se no palco que mais interessa (o dos atletas) nada falhava, em tudo o que estava no seu redor não era bem a mesma coisa. Ponto comum? Muito público presente.

Foi assim no judo, com a Arena Champ-de-Mars cheia nas sessões matutina e vespertina. Foi assim também no ciclismo, com milhares de pessoas espalhadas ao longo do percurso que terminava na ponte Alexandre III. Foi assim na esgrima, que era logo ali ao lado no Grand Palais, com uma só bancada que se perdia de vista a estar lotada. Foi assim no último jogo de voleibol do dia, entre EUA e Argentina. Foi assim, claro, nas finais da natação com uma diferença: não sendo um high demand event, daqueles que pedem um bilhete extra além da acreditação, seria por certo um dos mais concorridos do dia a par da final do râguebi de sevens entre a França e Fiji ou o encontro de andebol masculino entre França e Dinamarca. Ainda assim, as tecnologias de hoje permitem estar em vários lados ao mesmo tempo. Nós e muitos outros adeptos gauleses.

A organização pode não ser perfeita entre a ideia de recolocar Paris no centro do mundo via Jogos Olímpicos mas os franceses têm algo que ajuda a ser melhor: cultura desportiva. Na bancada de imprensa da Arena South Paris 1, a poucos minutos do início do EUA-Argentina, eram vários os adeptos que aproveitavam para ir acompanhando algo mais que estivesse a dar noutras modalidades. É notório nestes dias iniciais que o país tem uma forte convicção de que poderá chegar a um inédito top 5 das medalhas (só este sábado foram três, ouro, prata e bronze, entre judo e râguebi de sevens) e torce talvez até de forma mais entusiástica pelos seus atletas do que os anfitriões de outras edições mas gosta de acompanhar os melhores entre os melhores. Esta noite, podia fazer isso. Esta noite, vimos que fizeram. Era uma das finais mais esperadas do século.

Pode parecer exagerado. Não era. Por norma, as finais de natação têm um grande favorito que desafia o seu recorde enquanto tenta confirmar esse estatuto ou uma rivalidade a dois onde um ganha e outro não. De uma forma simples, é isto. Aqui, a história era maior, tinha mais protagonistas e, não sendo inédita, podia ser descrita no mínimo como rara: nos últimos dois anos e meio, três se quisermos alongar até ao período da última edição dos Jogos, três atletas tiveram o recorde mundial dos 400 metros livres e todas estavam agora em mais uma final olímpica no primeiro dia de natação. Se há pouco tempo quase 50 mil viram Taylor Swift na La Defense Arena, agora eram “apenas” 17 mil mas com mais do dobro de interessados na entrada.

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Na pista 4, Katie Ledecky. A versão feminina de Michael Phelps, num dos melhores resumos para aquilo que tem sido a sua carreira entre nacionais, mundiais e Jogos, chegava a Paris aos 27 anos ainda com o recorde olímpico, dez medalhas nos Jogos (sete de ouro e três de prata) a vontade de “vingar” a derrota sofrida em Tóquio-2020 para voltar a ganhar o título que foi seu no Rio-2016. Na pista 5, Ariarne Titmus. A nadadora australiana de 23 anos foi uma das grandes revelações nos últimos Jogos com as vitórias nos 200 e nos 400 metros livres (além da prata nos 800 metros, que caiu para Ledecky) e chegava a Paris com a melhor marca de sempre conseguida nos Mundiais de Fukuosa. Na pista 6, Summer McIntosh. A canadiana de 17 anos “explodiu” nos últimos Mundiais, repetindo as vitórias de 2022 nos 200 mariposa e nos 400 estilos, e deu nas vistas também nos 400 livres, alcançando uma inesperada medalha de prata. Melhor era impossível.

A “entrada” dificilmente poderia ser melhor. O recorde mundial andou em risco até aos últimos 50 metros mas a vitória caiu mesmo para o alemão Lukas Maertens, que confirmou as marcas fantásticas de 2024 com um grande arranque que lhe permitiu bater a concorrência e chegar à primeira grande vitória da carreira depois da prata em 2022 e do bronze em 2023 e 2024 nos 400 livres. Elijah Winnington, com uma boa ponta final, garantiu a prata para a Austrália, ao passo que Woomin Kim, da Coreia do Sul, ganhou o bronze à frente do australiano Samuel Short e do brasileiro Gabriel Costa (com recorde das Américas).

Seguia-se uma final ainda mais forte. Muito mais forte. Titmus e McIntosh lideravam nos 200 metros iniciais com a grande surpresa da norte-americana Paige Madden em terceiro, Ledecky continuava em quarto a fazer mais uma prova de trás para a frente como tinha acontecido na qualificação. Dúvida: seria ainda possível? Não. O avanço que estava dado não mais foi recuperado e o furacão australiano tinha disparado na frente com McIntosh a ser a única possibilidade de travar Titmus. Não havia hipótese. O recorde mundial ficou longe de cair mas a nadadora que tem três das quatro melhores marcas de sempre ganharia mesmo ouro com McIntosh a ficar com a prata e Ledecky a quebrar tanto que quase ia perdendo o bronze para a neozelandesa Fairweather. A Austrália fazia a festa perante um olhar meio perdido de Ledecky na piscina…