Foi um dos momentos da manhã na Champs-de-Mar Arena, o pavilhão onde estão a decorrer todas as provas de judo dos Jogos Olímpicos de Paris. Adnan Khankan, refugiado sírio que compete precisamente pela Equipa Olímpica de Refugiados, perdeu com o suíço Daniel Eich na primeira ronda dos -100kg — mas não deixou de ser um dos protagonistas do dia.

Logo depois do combate, que durou menos de um minuto, Daniel Eich apressou-se a consolar o adversário, abraçando-o de forma mais demorada quando se cumprimentaram oficialmente. Adnan Khankan saiu do tatami visivelmente emocionado, com a mão na cara, e acabou por ser aplaudido por todos os presentes no balneário após não parar na zona de entrevistas rápidas, precisamente por não conseguir controlar as lágrimas.

Aos 30 anos, o judoca estreou-se nos Jogos Olímpicos em Paris e é dono de uma história de superação impressionante. Descobriu o judo aos nove anos em Damasco, a capital da Síria onde vivia, e começou a praticar a modalidade no clube da polícia local. Inicialmente, só queria “gastar tempo em algo bom”, mas depressa começou a dar mais espaço e tempo ao judo. Até que, em 2011, a guerra civil em que o país onde nasceu mergulhou travou tudo o que estava a construir.

Adnan Khankan até reconhece que, nos primeiros anos do conflito, a proteção familiar e o privilégio de viver em Damasco o esconderam e protegeram da realidade que se vivia no país. Tudo isso mudou em 2013, quando a morte de um amigo o aproximou do lado mais sombrio de uma guerra que se arrasta há mais de uma década.

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“Estava a treinar no complexo desportivo nacional e a manhã começou como qualquer outra. Tomei o pequeno-almoço com um dos meus amigos mais próximos, um atleta que fazia parte da seleção nacional de taekwondo. Separámo-nos para ir treinar em zonas diferentes do complexo e umas horas depois ouvi um grande estrondo e percebi que tinha havido uma explosão. Toda a gente estava assustada e a tentar perceber o que se tinha passado, foi o caos. Percebi que não podia dar a minha vida como garantida e que a mesma coisa poderia acontecer-me a mim a qualquer momento”, explicou à CNN, recordando o dia em que o amigo morreu num atentado suicida.

Dois anos depois, quando bateram à porta da casa da família a informá-lo de que iria ser recrutado para combater no exército, depressa decidiu que iria fugir. E até teve seis meses extra para preparar a fuga, já que o facto de representar a Síria em competições internacionais permitiu um adiamento de meio ano. “Não via nada daquilo como a minha guerra. Como é que podia ser a minha guerra se sírios estavam a matar sírios? Não fazia sentido nenhum. Soube logo que faria tudo para não fazer parte daquilo”, acrescentou, sublinhando a inspiração de Muhammad Ali, que recusou servir o exército dos Estados Unidos na Guerra do Vietname.

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Aos 21 anos e ao longo de um mês, a pé, de carro, de carrinha, de autocarro e de comboio, passou por Turquia, Bulgária, Sérvia, Bósnia e Croácia. Foi preso na fronteira com a Hungria, por não ter documentos de identificação, e passou seis meses num campo de refugiados na Alemanha antes de conseguir fixar-se em Colónia. Foi durante esse período, onde não conseguia sequer treinar ou manter a forma física, que assistiu à estreia da Equipa Olímpica de Refugiados nos Jogos do Rio e ficou inspirado.

“Tinha conseguido atingir a segurança, mas tudo aquilo em que pensava era o facto de ter perdido o meu sonho. Quando treinas para algo todos os dias durante 20 anos… O momento em que reconheces que não vais conseguir chegar lá é muito difícil. Mas forcei-me a ver os Jogos Olímpicos todos os dias, mesmo que tenha chorado diariamente”, contou Adnan Khankan, que entretanto já tinha sabido que a família que ficou na Síria tinha conseguido fugir para o Cairo, no Egito.

Depois de anos a tentar alcançar financiamento para continuar a treinar, mesmo depois de já ter chegado a Colónia, enviou um email para o presidente da Federação Internacional de Judo. E foi ouvido. Marius Vizer, o líder do organismo, assegurou o apoio de que o sírio precisava e colocou-o na rota da Equipa Olímpica. Adnan Khankan não conseguiu ir a Tóquio 2020, até porque as restrições associadas à Covid-19 o impediram de viajar e disputar várias competições internacionais, mas apurou-se para Paris. E esta quinta-feira, independentemente de ter sido eliminado no primeiro combate, cumpriu o sonho que chegou a achar perdido.

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