Foi um dos momentos da manhã na Champs-de-Mar Arena, o pavilhão onde estão a decorrer todas as provas de judo dos Jogos Olímpicos de Paris. Adnan Khankan, refugiado sírio que compete precisamente pela Equipa Olímpica de Refugiados, perdeu com o suíço Daniel Eich na primeira ronda dos -100kg — mas não deixou de ser um dos protagonistas do dia.
Logo depois do combate, que durou menos de um minuto, Daniel Eich apressou-se a consolar o adversário, abraçando-o de forma mais demorada quando se cumprimentaram oficialmente. Adnan Khankan saiu do tatami visivelmente emocionado, com a mão na cara, e acabou por ser aplaudido por todos os presentes no balneário após não parar na zona de entrevistas rápidas, precisamente por não conseguir controlar as lágrimas.
Aos 30 anos, o judoca estreou-se nos Jogos Olímpicos em Paris e é dono de uma história de superação impressionante. Descobriu o judo aos nove anos em Damasco, a capital da Síria onde vivia, e começou a praticar a modalidade no clube da polícia local. Inicialmente, só queria “gastar tempo em algo bom”, mas depressa começou a dar mais espaço e tempo ao judo. Até que, em 2011, a guerra civil em que o país onde nasceu mergulhou travou tudo o que estava a construir.
Adnan Khankan discovered the sport of judo and fell in love with its values at just 10 years old.
In 2016, he saw the Refugee Olympic Team marching into the stadium, which gave him hope. He is now an IOC Refugee Athlete Scholarship-holder, and his eyes are set on Paris 2024.
— Refugee Olympic Team (@RefugeesOlympic) January 11, 2023
Adnan Khankan até reconhece que, nos primeiros anos do conflito, a proteção familiar e o privilégio de viver em Damasco o esconderam e protegeram da realidade que se vivia no país. Tudo isso mudou em 2013, quando a morte de um amigo o aproximou do lado mais sombrio de uma guerra que se arrasta há mais de uma década.
“Estava a treinar no complexo desportivo nacional e a manhã começou como qualquer outra. Tomei o pequeno-almoço com um dos meus amigos mais próximos, um atleta que fazia parte da seleção nacional de taekwondo. Separámo-nos para ir treinar em zonas diferentes do complexo e umas horas depois ouvi um grande estrondo e percebi que tinha havido uma explosão. Toda a gente estava assustada e a tentar perceber o que se tinha passado, foi o caos. Percebi que não podia dar a minha vida como garantida e que a mesma coisa poderia acontecer-me a mim a qualquer momento”, explicou à CNN, recordando o dia em que o amigo morreu num atentado suicida.
Dois anos depois, quando bateram à porta da casa da família a informá-lo de que iria ser recrutado para combater no exército, depressa decidiu que iria fugir. E até teve seis meses extra para preparar a fuga, já que o facto de representar a Síria em competições internacionais permitiu um adiamento de meio ano. “Não via nada daquilo como a minha guerra. Como é que podia ser a minha guerra se sírios estavam a matar sírios? Não fazia sentido nenhum. Soube logo que faria tudo para não fazer parte daquilo”, acrescentou, sublinhando a inspiração de Muhammad Ali, que recusou servir o exército dos Estados Unidos na Guerra do Vietname.
Aos 21 anos e ao longo de um mês, a pé, de carro, de carrinha, de autocarro e de comboio, passou por Turquia, Bulgária, Sérvia, Bósnia e Croácia. Foi preso na fronteira com a Hungria, por não ter documentos de identificação, e passou seis meses num campo de refugiados na Alemanha antes de conseguir fixar-se em Colónia. Foi durante esse período, onde não conseguia sequer treinar ou manter a forma física, que assistiu à estreia da Equipa Olímpica de Refugiados nos Jogos do Rio e ficou inspirado.
“Tinha conseguido atingir a segurança, mas tudo aquilo em que pensava era o facto de ter perdido o meu sonho. Quando treinas para algo todos os dias durante 20 anos… O momento em que reconheces que não vais conseguir chegar lá é muito difícil. Mas forcei-me a ver os Jogos Olímpicos todos os dias, mesmo que tenha chorado diariamente”, contou Adnan Khankan, que entretanto já tinha sabido que a família que ficou na Síria tinha conseguido fugir para o Cairo, no Egito.
Depois de anos a tentar alcançar financiamento para continuar a treinar, mesmo depois de já ter chegado a Colónia, enviou um email para o presidente da Federação Internacional de Judo. E foi ouvido. Marius Vizer, o líder do organismo, assegurou o apoio de que o sírio precisava e colocou-o na rota da Equipa Olímpica. Adnan Khankan não conseguiu ir a Tóquio 2020, até porque as restrições associadas à Covid-19 o impediram de viajar e disputar várias competições internacionais, mas apurou-se para Paris. E esta quinta-feira, independentemente de ter sido eliminado no primeiro combate, cumpriu o sonho que chegou a achar perdido.