Enviado especial do Observador em Paris, França

Foi tudo muito rápido, quase tão rápido como ele é na pista. Em 2017, Emmanuel Eseme estava a fazer o curso de Engenharia do Ambiente na Escola Nacional Avançada de Obras Públicas e jogava futebol pela equipa da faculdade. Era então guarda-redes, já tinha sido avançado. No entanto, aquilo que lhe viram foi a especial apetência para a velocidade. Tanta que, ao verem aquele talento, conseguiram convencê-lo a mudar de vez para o atletismo. Um ano depois, já estava a representar os Camarões nos Campeonatos de África que se realizaram na Nigéria, chegando às meias-finais dos 100 e 200 metros. Estava cada vez mais rápido.

Emmanuel não abdicou de acabar o curso, fazendo depois o mestrado na mesma área, mas a aposta que tinha feito no atletismo revelava-se cada vez mais certa. Teve uma das maiores desilusões ao não poder participar nos Mundiais de 2022 por ser um dos vários atletas africanos que não conseguiu visto, baixou pela primeira vez da fasquia dos dez segundos no ano passado em La Chaux-de-Fonds (Suíça). Foi também nesse ano de 2023 que se mudou para Portugal e começou a trabalhar no Sporting em maio, tendo Rui Norte como técnico, foi também aí que sofreu uma lesão nas eliminatórias dos Mundiais e perdeu a oportunidade de se mostrar uma vez mais. Agora, surgiam os Jogos Olímpicos. E logo com essa motivação extra de ser um dos porta-estandartes da delegação dos Camarões que passou de barco pelo rio Sena nesse início do evento.

O início em Paris foi bom, com a passagem às meias-finais da tão aguardada final dos 100 metros. Na Suíça, Emmanuel tinha escrito no seu diário antes da corrida que ia terminar com 9,96 segundos e aconteceu quase como uma promessa que estava escrita. Desta vez, o tempo não saiu e acabou com 10.0, sendo que teria de bater a sua melhor marca pessoal para poder almejar chegar à decisão (Marcell Jacobs, que era o campeão olímpico em título, foi o último apurado com 9,95). Ainda assim, não deixou de dar nas vistas em Portugal por fazer sempre o gesto de Gyökeres quando era apresentado. Apesar de ser atleta do Sporting, essa escolha tinha outra razão mais ligada ao sueco e foi isso que nos levou até à zona mista do Stade de France.

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– Podemos falar, sou de Portugal…
– Portugal? Uuuuhhhh… O meu português não está muito bom [em português]
– Do you prefer in english?
– Yeah, ok, that’s nice

“Para tentar conseguir chegar à final tinha de conseguir correr acima do meu recorde pessoal, era esse o nível que existia para chegar à final. Estava mesmo muito complicado. Gostava muito de ter conseguido atingir esse objetivo, era isso a que me tinha proposto. Tinha de fazer 9,9 ou menos mas infelizmente não consegui e acabei por ser eliminado”, começou por referir o atleta também conhecido como Esembolt, antes de falar um pouco mais da experiência nos Jogos Olímpicos e numa Aldeia Olímpica cada vez mais visada.

“Não sei, eu tenho-me sentido muito bem aqui em Paris, não tenho razões de queixa. Tudo está em ordem lá na Aldeia para os atletas, temos tudo, as condições para os atletas correrem. Infelizmente aquilo que acabou por correr mal foi mesmo não ter conseguido bater aquele que era o meu registo máximo”, disse.

[Já saiu o segundo episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no YouTube. Também pode ouvir aqui o primeiro episódio. ]

De forma inevitável, a pergunta sobre a imagem de marca era a próxima.”Bem, sabes, primeiro sou um grande adepto de futebol, gosto mesmo muito. Claro que por isso gosto também muito do Gyökeres, é muito forte e inteligente. Gosto desse tipo de jogadores, que são fortes mas conseguem também ser inteligentes que conseguem criar soluções para os problemas que aparecem. Supertaça? Não, não, não vi esse jogo… Para mim, fazer a máscara do Gyökeres é uma marca de game changer (traduzido de uma forma não literal, alguém que consegue mudar um jogo). Quando faço a máscara é porque também quero ser um game changer, chegar e destruir tudo, mudar os nomes daqueles que são os favoritos”, explicou o camaronês.

“Antes do atletismo joguei futebol mas joguei apenas na universidade, não cheguei a jogar profissional no futebol”, contou ainda. E foi aí que uma nova oportunidade foi aberta pelo velocista de 30 anos.

– E se o treinador Rúben Amorim te chamasse para um treino?
– Sim, claro. Tenho de falar com o treinador a ver se ele me convoca para um treino, talvez possa ser um bom guarda-redes para o Sporting…
– Guarda-redes? Eras guarda-redes?
– Sim, normalmente era sempre à baliza, era guarda-redes…
– Mas com essa velocidade podias ser um avançado…
– Sim, claro… Antes na escola jogava como avançado, depois comecei a ir à baliza e fiquei mesmo como guarda-redes. Diz ao coach Amorim para me ligar e me convocar para um treino…

Por fim, uma passagem também pelo primeiro ano a viver em Portugal. “Sim, tenho gostado. Posso dizer que o Sporting me tem oferecido todas as condições de treino. Acho que o meu único problema é mesmo o contexto social porque não tenho muitos amigos, às vezes começo a ficar um aborrecido… Felizmente tenho o meu treinador Rui [Norte], também alguns dos meus companheiros de equipas mas na maioria do tempo estou meio sozinho… É o meu único problema”, concluiu Eseme, provavelmente sem ter grande esperança que o telefone toque com o número de Amorim mas com a garantia de querer voltar a baixar a fasquia dos dez segundos para aspirar a mais títulos numa carreira que ainda é curta. Pelo menos uma conversa com o sueco já teve, em abril, quando o avançado lhe ligou ao ver que festejava os triunfos que conseguia ao serviço dos leões em Campeonatos Nacionais e de Portugal com o famoso gesto da máscara.