Enviado especial do Observador em Paris, França

Ter boa memória é uma das maiores qualidades quando se regressa a uns Jogos Olímpicos. Sim, é verdade que tudo muda entre edições tendo em conta os recintos, os tempos de demora de ponto A a B, a forma como estão montadas as zonas mistas. Olhando para a qualificação do triplo salto e percebendo que ali voltava a estar Pedro Pablo Pichardo, houve quase um alarme mental que disparou quando o atleta nacional realizou marca de qualificação logo na primeira tentativa com 17,44. Porquê? Em Tóquio, após passar à final com um segundo salto a 17,71, saiu de forma direta para a zona mista e por pouco não passava sem que ninguém estivesse atento o suficiente para ir a tempo de chamá-lo para uma (curta) conversa sobre a marca.

Agora, não havia essa “margem”. No entanto, Pedro Pablo Pichardo ainda ficou um pouco mais na pista. Não estava muito interessado em saber o que estava a acontecer mas ia falando com o pai e treinador, descansava mais um pouco, voltava a falar. Tirando a pressão de uma estreia olímpica em Paris num Stade de France que estava praticamente cheio, foi quase um treino sem forçar para ativação e pouco mais. Diferença? Quando saiu e passou pela zona mista, o atleta respondeu o mesmo do que à RTP: “Falamos só depois da final”.

Podiam ser as memórias do que se passou nos últimos Europeus de Roma, quando Pichardo saiu “picado” da conversa com os jornalistas no final quando lhe perguntaram se ainda teria pernas para voltar a saltar acima dos 18 metros (e o avolumar da tensão com Jordan Díaz, que de acordo com a imprensa espanhola terá ainda escalado mais antes da final quando o português se acercou do adversário para lhe dizer que não queria que voltasse a falar de si nunca mais). Não foi. Pichardo ligou o modo off a falar antes e durante as provas, algo que já tinha acontecido na partida para Paris, e só se expressa na linguagem do triplo salto. No entanto, esta será uma das finais mais aguardadas no quadro masculino e ninguém parece querer assumir-se.

“A marca referência a 17,10 estava bem, precisei apenas de realizar uma tentativa para conseguir passar para a final. Estou muito feliz com isso, consegui manter a concentração e agora é apenas descansar para quando chegar a final. Diferenças de Tóquio? Sim, pode haver mas esse não é o problema, a maior diferença é aquilo que eu consigo fazer porque se eu saltar aquilo que tenho de potencial, tenho a certeza de que vou ganhar. Agora estou no meu máximo potencial e só tenho de seguir, vemos agora sexta-feira na final”, disse de seguida Hugues Fabrice Zango, do Burquina Faso, que ganhou os últimos Mundiais de 2023 sem Pichardo nem Díaz com a marca de 17,64 e venceu ainda os Mundiais de Pista Coberta deste ano com 17,53. Sim, o caminho acabou por ser mesmo esse: não falando Pichardo, era ouvir aqueles que poderão ser as maiores ameaças na final da próxima sexta-feira. E o próximo era Jordan Díaz, campeão europeu com 18,18.

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“A pressão que senti quando saí para a pista foi incrível mas as sensações foram boas e gosto da pista para fazer os saltos. Ambição? Se estás a pôr uma fasquia é porque estás a colocar um limite, eu mantenho sempre a visão de que posso saltar mais e mais. Ganhar o ouro? Claro que gostaria muito de ganhar o ouro mas se ficasse com a prata ou com o bronze também seria um resultado fantástico”, referiu o espanhol ao longe de uma conversa de seis minutos na zona mista, sempre descontraído, às vezes de braços cruzados e a relativizar o facto de ter saltado com uma das coxas ligadas, um problema que tem há alguns tempos mas que não impediu por exemplo que conseguisse saltar a 18,18 para recorde espanhol e ouro nos Europeus.

“Para ganhar o ouro vai ser preciso saltar acima dos 18 metros, é isso que acho. Ouvir antes o hino espanhol? Foi incrível apesar de ter sido na parte em que estava ainda em acontecimento. Espero que consiga também levar um bronze mas não me posso comprometer com nada”, acrescentou, depois de a Espanha ter estado em foco na cerimónia de entrega de medalhas da marcha mista. Contas feitas, e ao contrário do que aconteceu em Roma onde garantia que se Pichardo saltasse 18 metros ele faria 18,01, Jordan Díaz preferiu ser mais comedido na abordagem à final, falando sempre de uma concorrência muito dura nessa decisão antes de deixar também algumas críticas às diferenças entre estar na Aldeia Olímpica ou num hotel.

Mais um pouco de espera, mais a passagem de um nome que esteve abaixo do esperado na qualificação mas que está apontado às medalhas: o prodígio jamaicano Jaydon Hibbert. “Acredita, eu hoje achava que não ia sequer conseguir passar à final. Não posso falar muito das razões mas acredita que me sinto abençoado por estar aqui hoje a qualificar-me. Só hoje é que soube que podia competir, foi um pouco de loucos. Só quero agradecer a Deus. Os dois últimos meses foram muito difíceis. Sinto-me na mesma forte. Estava um pouco passivo por causa da perna mas consegui ir à final. Tenho de melhorar a aproximação, o treinador também acho que estava lento na corrida e que estive sobretudo a reagir. Agora na final vou estar ao meu melhor. Vou tentar chegar e cumprir. Marca para o pódio? Não sei, não sei mesmo…”, salientou.

Por fim, Tiago Pereira. O português foi o último a passar depois de ter falhado o acesso à final com o melhor salto apenas a 16,34, que deixou o atleta que estava num bom momento em 24.º. “Não era o desfecho que queria, claro que não. Curiosamente estou muito bem em termos físicos, estou rápido, estou forte mas o desporto é assim, há dias em que as coisas não acontecem e hoje foi um desses dias. A pista rápida mas não consegui apanhar os timings. Em cada salto cometi um erro diferente e não passei. Deixa-me triste mas… Sabia que tinha qualidade para estar mas também sabia que existia a possibilidade de não acontecer. Por isso não fiquei tão triste e destroçado como nos últimos Jogos ou no quarto lugar em Roma. O nível era alto, não me apresentei bem, não há explicação. Final? Não tenho perspetiva nenhuma, eu não estou e para mim que ganhe o melhor”, referiu o atleta nacional. Quem vai ser melhor? Ninguém sabe. Mas ninguém quer também abrir muito o jogo, sendo certo que as marcas de qualificação nada terão a ver com a final.