As altas temperaturas dos últimos verões têm tido consequências graves para a população. Só no ano passado morreram na Europa mais de 47 mil pessoas. Destas, 1432 perderam a vida em Portugal devido ao calor. Estas são as conclusões do estudo do ISGlobal de Barcelona, publicado esta segunda-feira, na revista Nature Medicine. A investigação revela que, no entanto, nem todas as notícias são trágicas: a população está a adaptar-se. A mesma pesquisa refere que, no início do século, as mesmas temperaturas teriam causado uma mortalidade 80% superior à registada em 2023.

O estudo refere este fenómeno como “vulnerabilidade ao calor”, que tem diminuído progressivamente nas últimas décadas. Para calcular os valores é utilizado um modelo estatístico complexo, refere o El País, mas os investigadores ajustaram este modelo a dados de vários períodos desde o ano 2000 e, em seguida, introduziram a taxa de mortalidade e a temperatura em 2023 para estimar quantas mortes teriam ocorrido caso o calor dessa altura fosse o mesmo que existe atualmente.

No ano de 2023, em Portugal morreram 1432 pessoas, uma taxa de 136 pessoas por milhão de habitantes, valores ligeiramente inferiores aos de Espanha, que registou 8352 vítimas mortais, 175 por milhão de habitantes. Os piores números são os da Grécia, onde morreram 4339 pessoas, 393 mortos por cada milhão de habitantes.

Para a diminuição do número de mortes face à que teria ocorrido com as mesmas temperaturas no início do milénio, Elisa Gallo, primeira signatária da pesquisa, aponta vários factores como o aumento das instalações de ar condicionado nas residências.

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“Há uma adaptação que tem a ver com o comportamento da população. Durante a onda de calor de 2003 as pessoas não estavam adaptadas, não sabiam como se comportar. Agora estamos muito mais acostumados com esses níveis e sabemos o que fazer. Há também melhorias nos procedimentos sanitários, no isolamento dos pisos, há sistemas de alerta [que foram criados a partir de 2003], uma melhoria no planeamento urbano e nos espaços verdes, que limitam o efeito de ilha de calor que se cria dentro das cidades. Há  mais atenção para que os trabalhadores não se exponham tanto nos dias mais quentes”, refere Gallo, citada pelo El País.

O estudo destaca ainda que em 2022 o calor causou 60 mil mortes na Europa durante o verão, o maior número de mortos da última década. Já o ano de 2023 fica em segundo lugar, ocupando também a segunda posição como o verão com as temperaturas mais altas medidas no continente europeu.

A idade é o fator mais decisivo para a vulnerabilidade ao calor. São por norma os mais idosos que sofrem as consequências das altas temperaturas, que produzem descompensações no corpo, podendo levar à morte. O estudo indica que quem tem mais de 80 anos corre um risco oito vezes superior do que quem tem entre 65 e 79 anos. Na sua maioria, os episódios que podem levar a um colapso não se devem a um momento específico de calor, mas sim a um acumular ao longo dos dias. O estudo indica que distúrbios metabólicos, insuficiência renal e infeção urinária são as principais causas de internamento por altas temperaturas e são doenças que afetam sobretudo a população com mais de 85 anos.

Grande parte das mortes do verão passado (27 mil óbitos, cerca de 57%) concentrou-se em dois episódios de altas temperaturas que foram registados em meados de julho e no final de agosto.