As primeiras regras para as escolas no âmbito da autodeterminação da identidade de género foram aprovadas há cinco anos, mas depois de uma decisão do Tribunal Constitucional, em 2021, os jovens transgénero continuam dependentes da sensibilidade dos professores.

Quando, em 16 agosto de 2019, foi publicado o despacho do Governo que estabelecia as medidas que, dali em diante, as escolas teriam de adotar no âmbito da autodeterminação da identidade de género, o tema parecia estar encerrado.

Na altura, as escolas viviam há cerca de um ano numa espécie de vazio legal, depois da aprovação da lei que, em 2018, estabeleceu o direito à autodeterminação da identidade de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa, e que previa que o Estado garantisse a adoção de medidas no sistema educativo.

O problema – veio depois dizer o Tribunal Constitucional – é que a definição dessas medidas não cabia ao Governo, mas à Assembleia da República e, assim, em 2021 reabriu-se esse vazio e as crianças e jovens transgénero voltaram a depender da sensibilidade das escolas e dos professores.

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Na ocasião, representantes dos diretores asseguraram que pouco iria mudar com o “chumbo” do Tribunal Constitucional, porque as medidas previstas já faziam parte da realidade de muitas escolas.

De facto, tem sido assim em algumas e há casos de escolas que até já introduziram balneários e casas de banho sem identificação de género, a pensar nos alunos transgénero, mas há também histórias de alunos impedidos de usar a casa de banho ou de professores que recusam a mudança de nome.

Agora nas mãos da Assembleia da República, as tentativas de regulamentar a autodeterminação da identidade de género nas escolas têm sofrido avanços e recuos.

Em dezembro de 2021, pouco mais de cinco meses após a decisão do Tribunal Constitucional, a dissolução do parlamento na sequência do chumbo do Orçamento do Estado para 2022 deixou pelo caminho iniciativas legislativas do PS, BE e PAN.

Foi preciso mais de um ano para que a Assembleia da República aprovasse, em abril de 2023, novos projetos-lei dos mesmos três partidos sobre a proteção de direitos das pessoas transexuais e homossexuais, com medidas para o contexto escolar.

Em menos de oito meses, a comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias aprovou o texto de substituição das três iniciativas e o diploma foi finalmente aprovado em 15 de dezembro, com os votos favoráveis do PS, BE, PAN e Livre, oposição do PSD, Chega e IL e a abstenção do PCP.

De acordo com o documento, as escolas deveriam definir “canais de comunicação e deteção” de casos e, em conjunto com os pais, avaliar a situação para “assegurar o apoio e acompanhamento e identificar necessidades organizativas e formas possíveis de atuação, a fim de garantir o bem-estar e o desenvolvimento saudável da criança ou jovem”.

Teriam também de garantir a possibilidade de os alunos transgénero acederem a “casas de banho e balneários, assegurando o bem-estar de todos, procedendo-se às adaptações que se considere necessárias”.

O alívio partilhado entre as famílias de crianças e jovens transgénero contrastou com uma forte oposição encontrada junto de movimentos conservadores, que consideraram o diploma “fundamentalmente ideológico”.

As vozes críticas surgiram também entre associações representativas dos pais e diretores escolares que viram nas medidas uma exigência desproporcional para as escolas, sobretudo no que dizia respeito à adaptação das casas de banho e balneários existentes.

Faltava, no entanto, um último passo para que a regulamentação entrasse em vigor — a luz verde do Presidente da República —, mas em 29 de janeiro de 2024, duas semanas depois de dissolver o parlamento pela segunda vez, Marcelo Rebelo de Sousa veta o decreto da Assembleia.

Na justificação do chefe de Estado, o diploma “peca por uma quase total ausência (do) papel de pais, encarregados de educação, representantes legais e de associações por eles formadas”.

Agora com uma configuração bastante diferente após as eleições legislativas de 10 de março de 2024, que deram a maioria à direita, continua nas mãos da Assembleia da República regulamentar a autodeterminação da identidade de género nas escolas.