Depois de vários avanços e recuos — com três alterações, numa semana, da lista de medidas concluídas no portal de acompanhamento do Plano de Emergência —, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, reconheceu esta quarta-feira que apenas oito das 15 medidas consideradas urgentes pelo Governo foram efetivamente concretizadas no prazo estipulado pelo executivo: três meses.
Ana Paula Martins justificou o atraso no cumprimento das medidas urgentes com os procedimentos legais inerentes à concretização de algumas das medidas. “O que ainda não foi feito é porque está a ser feito como tem de ser feito. Governamos dentro da legalidade e algumas das medidas têm procedimentos e constrangimentos legais, dos quais, apesar de demorarem [a ser ultrapassados], não vamos prescindir”, sublinhou a ministra da Saúde.
Ana Paula Martins admitiu que as metas estabelecidas pelo Governo no final de maio, quando o Plano de Emergência foi publicamente apresentado, são ambiciosas. “É verdade que fomos ambiciosos, mas sem ambição é impossível transformar e governar”, disse a ministra da Saúde, acrescentando que não é possível mudar o SNS em apenas três meses. “Conseguimos mudar tudo em três meses? Não, não conseguimos. Vamos ser sérios. Nunca ninguém prometeu isso“, lembrou.
Oito medidas urgentes concretizadas, seis em curso
Segundo o novo balanço do Ministério da Saúde, há seis medidas cumpridas de forma integral:
- A regularização das listas de espera para cirurgias oncológicas;
- A aproximação do SNS ao cidadão através da linha SNS24;
- A linha SNS Grávida;
- A criação de incentivos para aumentar a realização de partos;
- O reforço das convenções com o setor privado na área da Obstetrícia
- E a criação de um programa de saúde mental para as forças de segurança.
Além destas seis, há ainda outras duas que a tutela considera estarem concluídas “e em expansão”: a criação de Centros de Atendimentos Clínicos para doentes não urgentes que se desloquem às urgências hospitalares e a implementação da consulta do dia seguinte nos centros de saúde.
Por outro lado, praticamente metade das medidas urgentes, que deveriam ter sido colocadas no terreno até dia 29 de agosto, não estão a implementadas. Das sete medidas que ainda não estão concluídas, seis estão em curso — e todas na área dos cuidados de saúde primários e da saúde mental.
Nesta categoria cabem medidas como:
- A contratação de 900 médicos de família (cujo processo ainda decorre e está atrasado);
- O reforço da resposta pública em parceria com o setor social;
- O reforço da resposta pública em parceria com o setor privado;
- A criação de uma linha de atendimento para utentes que necessitem de uma consulta no dia nos centros de saúde;
- A contratação de psicólogos para os centros de saúde;
- E a desinstitucionalização de situações crónicas em saúde mental.
Já a requalificação dos espaços dos serviços de urgência está ainda por iniciar.
Governo falha concretização de quase 70% das medidas urgentes do Plano de Emergência da Saúde
Desta forma, o Ministério recuou em várias medidas que tinha dado como concluídas e que ainda se encontram em curso, tal como o Observador avançara na semana passada. Inicialmente, e a propósito do término de prazo de concretização das medidas urgentes (que se esgotou na quinta-feira), a tutela tinha admitido ao Observador que só cinco das medidas urgentes estavam concluídas, número que, subitamente, e após a publicação da notícia com o balanço dos três meses do plano, foi corrigido para dez.
Nesse dia, foram acrescentadas à lista das ‘concluídas’ medidas como a contratação de 900 médicos de família, a requalificação das urgências hospitalares e a contratação de cerca de 100 psicólogos — medidas que não estavam ainda a ter efeitos práticos para a população, como explicaram vários especialistas ao Observador. Depois do impacto mediático gerado, o Ministério da Saúde convocou uma conferência de imprensa para fazer um balanço da implementação do Plano de Emergência e Transformação da Saúde. As explicações foram dadas esta quarta-feira por Ana Paula Martins.
Entre o “sucesso” da linha SNS Grávida e as dificuldades nos médicos de família
A ministra da Saúde defendeu o trabalho feito pela tutela nos últimos três meses e sublinhou a forma como o atual executivo “encontrou” o SNS. Das medidas realizadas até agora, Ana Paula Martins destacou uma das medidas-bandeira do governo: a recuperação das cirurgias a doentes com cancro que esperam para lá do tempo clinicamente recomendado, através do programa OncoStop.
“Conseguimos realizar 25.800 cirurgias a doentes com cancro de 1 de maio a 30 de agosto. Com esta medida, deixou de haver doentes com cancro à espera de marcação de cirurgia acima do tempo aceitável”, salientou a ministra, acrescentando que a esmagadora maioria das cirurgias (99%) foi concretizada por equipas do SNS.
Outras das medidas mais vezes referidas pelo executivo, e que foi das primeiras a avançar, foi a linha SNS Grávida, um instrumento que “foi um sucesso”, nas palavras de Ana Paula Martins. “Não temos medo das palavras: de junho a agosto, esta linha recebeu 25.718 chamadas, das quais 3.666 foram aconselhadas a ficar em casa e 3.685 foram encaminhadas para cuidados de saúde primários, o que significa que 28% das grávidas não tiveram necessidade de irem para uma urgência”, referiu.
Ainda assim, no campo da Obstetrícia, a ministra da Saúde admitiu que a resposta ficou aquém do desejável no período de verão. “Correu tudo bem nas urgências de Obstetrícia ao longo destes três meses? Obviamente que não, todos sabemos que não”, reconheceu a governante, apontando, mais uma vez, baterias aos hospitais.
“No último domingo, tivemos 17 urgências encerradas, a maioria de Obstetrícia. Isto não pode acontecer. As Unidades Locais de Saúde têm de garantir a sua missão e uma gestão eficaz dos seus recursos humanos“, avisou a ministra da Saúde, referindo-se à questão do planeamento das férias dos profissionais, nomeadamente dos médicos. Ana Paula Martins lamentou também o número elevado de bebés que nasceram em ambulâncias e deixou um alerta. “No próximo verão, esta situação não deverá voltar a acontecer”.
O eixo do Plano de Emergência em que ainda nenhuma medida urgente se encontra implementada, e em que o próprio Governo admite ter vindo a encontrar muitas dificuldades, é o referente aos médicos de família e à resposta em saúde familiar. “O tema da saúde familiar é, se não o mais difícil, um dos mais difíceis“, reconheceu Ana Paula Martins, lembrando a herança deixada pelo anterior governo, de 1 milhão e 700 mil portugueses sem médico de família atribuído. Um número que se tem mantido estável ao longo dos últimos meses.
Consultas urgentes nos centros de saúde alargadas a outras zonas do país
Já na área dos cuidados urgentes, a ministra da Saúde destacou a implementação dos Centros de Atendimento Clínicos, estruturas que recebem os utentes triados com pulseiras azuis ou verdes nas urgências hospitalares. Atualmente, há dois que já se encontram em funcionamento: um no centro de saúde de Sete Rios, em Lisboa, e outro no Hospital da Prelada, no Porto — centros que já atenderam mais de 2 mil utentes em pouco mais de um mês, segundo a contabilização da tutela.
Também as consultas do dia nos centros de saúde, sugeridas às pessoas que sejam triadas como não urgentes nas urgências hospitalares, vão ser alargadas às ULS Almada-Seixal, Barcelos-Esposende, Tâmega e Sousa (Penafiel) e Lezíria (Santarém), depois de terem sido testadas nas ULS da Póvoa do Varzim, Gaia/Espinho e Entre Douro e Vouga.