Uma multidão entusiasta recebeu o Papa na manhã desta segunda-feira quando o avião que transportava Francisco aterrou no aeroporto internacional de Díli, capital de Timor-Leste, às 14h20 (6h20 em Lisboa), para uma visita de três dias.

A aterragem do avião das linhas aéreas Air Niugini da Papua Nova Guiné, onde o Papa concluiu esta segunda-feira a visita, foi aplaudida pelos presentes no aeroporto da capital timorense.

A seguir, o ministro da Administração Territorial, Tomás Cabral, entrou no avião juntamente com um elemento do Vaticano para cumprimentar o Papa Francisco, voltando a sair, bem como a delegação que acompanha o Sumo Pontífice, que inclui profissionais de saúde.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Tomás Cabral liderou a organização da visita do Papa, em conjunto com a igreja católica timorense. Numa outra porta do avião foi montado um elevador que permitiu a saída de Francisco, que se desloca em cadeira de rodas.

O Papa Francisco saiu do avião às 14h47 (6h47 em Lisboa), tendo os funcionários da pista do aeroporto sido os primeiros a cumprimentá-lo. Alguns ajoelharam-se.

Francisco passou depois para a passadeira vermelha, sendo recebido com guarda de honra e onde a manifestação de fé, que incluiu vivas ao Papa  dificultou o trabalho dos seguranças. Já com um taís, pano tradicional de Timor-Leste,  ao pescoço e com flores e outros presentes Francisco  cumprimentou depois o Presidente José Ramos-Horta, o primeiro-ministro, Xanana Gusmão, e os restantes membros do Governo.

Perfilados junto à passadeira vermelha estavam também, a liderança da igreja católica no país, o representante do Vaticano em Díli, Marco Sprizzi, bem como representantes de todos os municípios vestidos com trajes tradicionais timorenses. Depois seguiu-se a viagem para o Palácio presidencial em ruas repletas de pessoas para verem o Papa.

No maior país muçulmano do mundo, o Papa foi a uma mesquita pedir diálogo entre religiões como resposta aos atuais “tempos sombrios”

A chegada do Papa ao Palácio Presidencial foi às 18h00 locais (10h00 em Lisboa). Vestidos com tais, o pano tradicional de Timor Leste, e ostentando penas de galo na cabeça, dezenas de elementos da guarda de honra tradicional saudaram Francisco ao entrar no recinto do palácio.

O chefe de Estado do Vaticano tinha à sua espera o Presidente da República de Timor-Leste, José Ramos-Horta, e as autoridades da Igreja Católica timorense.

Ramos-Horta e Francisco sentaram-se em dois cadeirões brancos com as armas de Timor-Leste e da Santa Sé junto à porta do edifício do palácio para assistirem às cerimónias protocolares, incluindo o desfile de uma guarda de honra.

Depois, em pé, ouviram uma banda e um coro executar os hinos do Vaticano e de Timor-Leste, enquanto era disparada uma salva de 21 tiros.

Um grupo de 29 crianças dos 13 distritos e da capital Díli usando os trajes tradicionais das regiões timorenses apresentou-se perante o Papa, que abraçou algumas das crianças.

Com idades entre os 10 e os 13 anos, os jovens integram o projeto da biblioteca infantil da presidência, criada por Ramos-Horta em 2011, sob a coordenação de Ana Gomes Amaral.

O recinto exterior do palácio estava decorado com as bandeiras de todos os países do mundo, incluindo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), a que Timor-Leste espera aderir em 2025.

Francisco teve um encontro privado com o Presidente da República, José Ramos-Horta, de cerca de 15 minutos, ao mesmo tempo que o secretário de Estado do Vaticano se reuniu com o primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, e respetivas delegações.

O Papa reuniu-se depois com as autoridades juntas na sala China, decorada com fotos de heróis da resistência, pinturas e objetos tradicionais timorenses, além de uma pintura da grande muralha da China. O palácio foi construído pela China.

Antes de entrar na sala, o Papa já tinha cumprimentado 10 membros da família do Presidente.

Timor-Leste tem um “novo horizonte, com céu limpo”

No seu primeiro discurso em Timor-Leste, de 18 minutos, no Palácio Presidencial, o ponto alto do primeiro dia da visita do Papa a Timor-Leste, Francisco exortou os timorenses a prosseguirem a construção e consolidação do Estado para servirem os timorenses e a apostarem na educação dos jovens, que representam a maioria da população do país.

“Exorto-vos a prosseguirem com renovada confiança na sábia construção e consolidação das instituições” da República, para que “estejam completamente aptas a servir o povo de Timor-Leste” e para que os “cidadãos se sintam efetivamente representados”, afirmou Francisco, na primeira declaração pública em Díli, na Presidência timorense.

“Que a fé que vos iluminou e susteve no passado continue a inspirar o vosso presente e o vosso futuro. ‘Que a vossa fé seja a vossa cultura’, isto é, que inspire critérios, projetos e escolhas segundo o Evangelho”, disse o Papa, referindo-se ao tema da sua visita ao país e a lembrar que agora Timor-Leste tem um “novo horizonte, com céu limpo, mas com novos desafios a enfrentar e novos problemas a resolver”.

No “meio de tantas questões atuais”, Francisco destacou o fenómeno da “emigração, que é sempre indicador de uma valorização insuficiente ou inadequada dos recursos, bem como da dificuldade de oferecer a todos um emprego que produza lucro equitativo e garanta às famílias um rendimento que corresponda às suas necessidades básicas”.

O Papa falou também da pobreza e da necessidade de uma “ação de longo alcance, envolvendo distintas responsabilidades e múltiplas forças civis, religiosas e sociais, para remediar e oferecer alternativas viáveis à emigração”.

“Penso naquelas que podem ser consideradas as chagas sociais, como o excessivo consumo de álcool entre jovens e a formação de bandos que, munidos dos seus conhecimentos de artes marciais, em vez de os utilizarem ao serviço dos indefesos, utilizam-nos como ocasião para mostrar o poder efémero e nocivo da violência”, afirmou.

As autoridades timorenses suspenderam desde o ano passado a prática de artes marciais, associada ao aumento da violência no país.

“Não esqueçamos também muitas crianças e adolescentes feridos na sua dignidade: todos somos chamados a agir de forma responsável para evitar qualquer tipo e garantir que as nossas crianças cresçam tranquilamente”, disse.

“Para a solução destes problemas, bem como para uma melhorada gestão dos recursos naturais do país é indispensável preparar adequadamente, com uma formação apropriada, aqueles que serão chamados para a classe dirigente do país num futuro não muito distante”, salientou o Papa.

Apesar dos problemas, Francisco pediu aos timorenses para serem confiantes e a manterem um “olhar cheio de esperança em relação ao futuro”.

O Papa destacou que 65% dos 1,3 milhões de timorenses têm menos de 30 anos e que o “primeiro campo a investir é na educação, na família e na escola”.

“Uma educação que coloque as crianças e os jovens no centro e promova a sua dignidade”, disse, sublinhando que o entusiasmo dos mais novos, juntamente com a sabedoria dos mais velhos, forma uma “combinação providencial de conhecimento”.

No discurso, aplaudido de pé pelas pessoas que assistiam à cerimónia, o Papa recordou também os “anos de calvário” dos timorenses e a forma como souberam reerguer-se, louvando o “esforço assíduo para alcançarem uma plena reconciliação” com a Indonésia, país que ocupou Timor-Leste durante 24 anos.

Ramos-Horta enaltece “mensagem de paz” do Papa

Por seu turno, o Presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, afirmou esta segunda-feira que a visita do Papa Francisco ao país acontece num “momento crucial” para o “futuro coletivo” e que traz uma “mensagem de paz” e de “reconciliação”.

“A visita de Sua Santidade acontece num momento crucial para o nosso futuro coletivo, não apenas no nosso país, mas também a nível global. Traz uma mensagem de paz, reconciliação, fraternidade humana e esperança, tão necessária num mundo cada vez mais conturbado em que a frieza dos corações substituiu o diálogo e a paz”, afirmou o chefe de Estado timorense.

“Que a mensagem de Sua Santidade toque os corações dos homens, especialmente daqueles líderes mundiais e regionais, com grandes responsabilidades para a nossa segurança”, disse o também prémio Nobel da Paz.

José Ramos-Horta lamentou as vítimas dos conflitos armados, nomeadamente na Ucrânia, Palestina, Sudão, Iémen, Síria, República Democrática do Congo, Myanmar e na península coreana, que são quem mais sofre sobre com a “desarmonia global”.

No discurso, o Presidente timorense destacou que a “histórica” visita de Francisco ocorre num ano “particularmente significativo” para os timorenses e Timor-Leste.

“Assinalamos várias importantes efemérides que marcam a trajetória de Timor-Leste”, disse, recordando que este ano se celebraram os 25 anos da realização do referendo, que permitiu a restauração da independência, e que para a semana se assinala os 25 anos da aprovação da Interfet pelo Conselho de Segurança da ONU.

José Ramos-Horta recordou também os 50 anos de 25 de abril de 1974, uma “revolução humanista que franqueou as portas para a paz e a democracia em Portugal e em todos os territórios coloniais portugueses”, e lembrou que no próximo 12 de outubro se assinalam 35 anos sobre a primeira visita de um Papa ao país.

Camisas brancas com a inscrição “Que a vossa fé seja a vossa cultura”

Depois dos discursos do chefe de Estado de Timor-Leste e de Francisco seguiu-se uma troca de presentes e houve ainda uma bênção final aos funcionários e uma foto de grupo, composto por mais de mil pessoas.

Na saída do Papa foi tocada uma melodia por corneteiros de “karau dikur”, um instrumento de sopro tradicional que é feito de chifre de búfalo e que é usado para chamar ou informar a comunidade de um acontecimento importante.

O Papa Francisco recebeu, além do tais, um terço e uma escultura feitos de sândalo, do artista Ricardo Nheu.

E assinou também um Livro de Honra que foi especialmente concebido para comemorar a visita a Timor-Leste, com capa de tecido e madeira, representando um peixe, um dos primeiros símbolos cristãos, e uma peça de madeira com a inscrição “Unitur in Pace” (Unidos na Paz, em Latim).

Já na parte de fora do Palácio, momentos antes, fez-se silêncio quando se ouviram os hinos do Estado do Vaticano e da República Democrática de Timor Leste que foram acompanhados por uma salva de tiros de canhão.

Junto ao portão principal, na primeira linha, uma jovem timorense mostrou num cartaz uma carta que escreveu: “Papa Francisco, por favor abençoe a nossa família porque nós precisamos”.

Ao lado da rapariga do cartaz, os mais jovens acompanharam as cerimónias que são visíveis da Avenida Presidente Nicolau Lobato.

A segurança entre a Nunciatura Apostólica e o Palácio Presidencial está a ser garantida pelas forças polícias e elementos das Falintil – Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL).

Paralelamente, um grupo de escuteiros posicionou-se à entrada da rua que conduz à Nunciatura Apostólica em Montael sendo que outro grupo de escuteiros limpa com enormes sacos e vassouras a zona frente ao palácio.

Após o disparo de uma salva de canhões, os católicos sentaram-se no chão, exceto quatro idosas que aguardam em cadeiras de plástico em frente ao portão principal do Palácio Presidencial Nicolau Lobato, em Díli.

Em frente ao portão principal – no telhado de uma oficina de automóveis – estão dezenas de jovens que assistem em silêncio a tudo o que se passa nos jardins do edifício oficial timorense.

A maior parte dos fiéis, homens e mulheres, vestem camisas brancas alusivas à visita com a inscrição da mensagem do Papa: “Que a vossa fé seja a vossa cultura” — que é o lema da visita de três dias de Francisco ao país – e muitas crianças brincam com pequenas bandeiras do Vaticano e de Timor-Leste.

O dia está a chegar ao fim na capital timorense, mas isso não demove o povo, uma vez que chegam cada vez mais pessoas ao local.

“A visita de João Paulo II (1989) está na nossa História. Faz parte do passado histórico (…) mas esta visita do Santo Padre Francisco é boa para o nosso futuro de paz”, disse à Lusa Hermenegilda da Costa, 79 anos, sentada frente ao Palácio junto a amigas e familiares da mesma idade.

“Esta é uma visita boa para a paz. Temos de ter esperança e o Papa Francisco pode ajudar”, diz Teresa Ximenes, também sentada numa cadeira de plástico verde, “por causa da idade”.

A maior parte das pessoas presentes junto ao palácio não acompanham a emissão de televisão e rádio através dos telemóveis que são utilizados apenas para fotografar a passagem da comitiva e o movimento dos momentos protocolares.

“Queremos ver o Papa Francisco e por isso trouxe as minhas filhas”, diz António Kiak, 34 anos, acompanhado pela família e que aguardou pacientemente a passagem do chefe de Estado do Vaticano numa zona onde mantêm posições os efetivos do Batalhão de Ordem Pública (BOP) e elementos da Polícia Militar e da Polícia Marítima.

“É uma bênção para nós”, acrescentou Kiak, natural de Viqueque.

O silêncio só foi quebrado durante a saída do Papa em direção a Montael, junto à baía de Díli, onde se situa a Nunciatura Apostólica não se ouviram nem cânticos nem orações como no aeroporto, mas sim ovações e gritos de júbilo pela presença do chefe de Estado do Vaticano na capital da República Democrática de Timor-Leste.

A maior parte das principais artérias da cidade estão cortadas neste momento nos dois sentidos, sendo que as restrições à circulação rodoviária, por “motivos logísticos e de segurança” vão manter-se até terça-feira, disse à Lusa um oficial das forças policiais que participa nas operações no centro da cidade.

Mas o ponto alto da visita de Francisco a Timor-Leste, onde 98% da população é católica, vai ser uma missa, a realizar na terça-feira em Tasi Tolu, a cerca de 10 quilómetros a oeste da capital, com a presença de milhares de timorenses.

O Papa iniciou em 3 de setembro uma viagem pela região na Indonésia, onde permaneceu até sexta-feira, tendo seguido depois para a Papua Nova Guiné.