O Batalha Centro de Cinema, no Porto, vai editar a cine-fotonovela de Grand Tour, filme de Miguel Gomes que chega às salas portuguesas a 19 de setembro. Recuperando um formato esquecido, o cinema portuense arrisca-se a dizer que esta é “a primeira cine-fotonovela de origem portuguesa de que há registo”.
A ideia de adaptar o novo filme de Miguel Gomes, premiado no Festival de Cinema de Cannes com o prémio de melhor realização, inédito para o cinema português, “surge na sequência de uma exposição documental sobre este formato literário de revista que eram as cine-fotonovelas”, explica Guilherme Blanc, diretor artístico do Batalha, referindo-se a A Cine-fotonovela: Um Cinema Impresso Esquecido, exposição patente no Foyer do cinema portuense até 30 de novembro.
Populares na Europa nas décadas de 1950 e 1960, e fortemente inspiradas pelo sucesso das fotonovelas, as cine-fotonovelas adaptavam ao formato impresso filmes daquele tempo, reutilizando fotogramas e fotografias de cena, e acrescentando-lhes balões de diálogo para as falas e legendas para a narração. Por norma, cada número recontava o filme em histórias de aproximadamente 50 páginas e 300 imagens. Mas, em Portugal, o formato não terá sido utilizado.
“Posso estar enganado. Na verdade, espero estar enganado, pois seria ótimo descobrir arquivos e coleções desconhecidas. Até agora, as minhas tentativas de encontrar outros registos têm-se revelado infrutíferas”, conta ao Observador o belga Jan Baetens, curador da exposição e especialista em literatura não canónica (banda desenhada, graphic novel, novelization e fotonovela). “Suponho que a razão desta “ausência” seja a situação económica de Portugal entre 1955 e 1965, em que não havia espaço para mais do que novelizações em película de pequeno formato muito baratas com algumas imagens”, atira. “Claro que depende da definição de cine-fotonovela, pois sempre existiram várias formas de cinema impresso em Portugal. Mas como o género é definido no contexto da exposição, não conheço nenhum outro exemplo deste tipo”, diz.
Guilherme Blanc também aponta para o “período” do sucesso intenso, mas efémero, do formato, marcado por “uma produção escassa de cinema” em Portugal. “Estamos em plena ditadura. Havia uma escassez de produção e uma escassez de leitores”, convidado a especular sobre a inexistência de exemplos nacionais.
Foi neste contexto que achou oportuno adaptar um filme português a uma cine-fotonovela. O diretor artístico do Batalha pensou imediatamente em Tabu (2012), mas ao abordar Miguel Gomes o realizador sugeriu-lhe Grand Tour, mostrando-lhe o filme, que narra um grand tour asiático, desenhado pelas passadas de Edward, um funcionário público do Império Britânico, e Molly, a noiva que lhe segue o rasto, decidida a conseguir levá-lo ao altar.
“As obras do Miguel têm uma cadência visual e narrativa apropriada e que se predispõem a este tipo de exercício. No Tabu já se notava isso. Quando vimos o Grand Tour percebemos que é um conto de aventuras e que do ponto de vista de forma é adequado”, conta.
Com carta branca — não houve qualquer grau de envolvimento do realizador na feitura da revista —, o Batalha Centro de Cinema deu início a um trabalho “meticuloso” de transpor o filme para 56 páginas que chegarão às livrarias esta quinta-feira. “Houve a generosidade [do Miguel Gomes] de nos permitir que trabalhássemos autoralmente como editores”, diz Blanc, que assina a edição da revista com David Pinho Barros, investigador e “especialista nesta matéria de banda desenhada e cinema”.
Com um interesse assumido na “precisão”, os balões de fala correspondem ao diálogo do argumento co-assinado pelo cineasta com Mariana Ricardo, Telmo Churro e Maureen Fazendeir. “Todo o conteúdo parte da componente textual existente”, diz. “É tudo retirado do filme, por opção”.
A cine-fotonovela Grand Tour tem uma tiragem de mil exemplares e será distribuída por livrarias selecionadas, como a do Batalha ou a da Cinemateca Portuguesa. “Temos em vista produzir para França, está a ser estudada essa hipótese, há esse interesse”, adianta ao Observador.
Sobre o caráter pioneiro do formato, o diretor do cinema portuense é cauteloso. “Pesquisamos em arquivos, falamos com especialistas, colecionadores, há alguns exemplares de fotonovela, mas cine-fotonovela não temos registo [em Portugal]”, diz. Ainda assim “não temos certezas absolutas”, garante, acrescentado: “Na capa da revista dizemos provavelmente”.