A Câmara de Lisboa defendeu esta quarta-feira a necessidade de reduzir o número de movimentos por hora do Aeroporto Humberto Delgado (AHD), recusando qualquer aumento da capacidade aeroportuária e pugnando pelo encerramento definitivo desta infraestrutura “em menos de 10 anos”.
Em reunião pública, o executivo municipal aprovou, por unanimidade, uma moção com estas deliberações, na sequência da junção de propostas do PCP e da liderança PSD/CDS-PP, com a consensualização do documento entre todas as forças políticas, com várias versões até se chegar à finalíssima.
Na moção, a Câmara de Lisboa, sob presidência de Carlos Moedas (PSD), que governa sem maioria absoluta, deliberou “afirmar a necessidade de reduzir o número de movimentos por hora e recusar liminarmente qualquer aumento da capacidade aeroportuária do AHD, atendendo aos impactos negativos muito significativos sobre a cidade de Lisboa, que já hoje são sentidos pela população, nomeadamente ao nível da saúde pública, da segurança e do ambiente”.
“Defender a necessidade de eliminação dos voos noturnos” é outra das deliberações do executivo municipal.
Esta posição do município inclui também a defesa pelo encerramento definitivo do AHD “tão rapidamente quanto possível, em menos de dez anos”, devendo este manter-se em funcionamento apenas o tempo mínimo imprescindível até à entrada em funcionamento do novo aeroporto de Lisboa nos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete, que deve ser construído e entrar em funcionamento num horizonte temporal “inferior ao anunciado pelo Governo”.
A câmara sublinhou que “qualquer intervenção que ocorra neste período no AHD se deve limitar à otimização da operação, sem que daí resulte qualquer aumento da capacidade do AHD, nem qualquer aumento do tráfego face à situação de referência”, afirmando que as obras de expansão, aprovadas pelo atual Governo, “são inaceitáveis”.
Em causa está uma decisão do atual Governo (PSD/CDS-PP/PPM), através da resolução do Conselho de Ministros n.º 67/2024, para aumentar a capacidade aeroportuária no AHD, em número de movimentos por hora, de 38 para 45, e em número de passageiros, de 33,6 milhões para entre 40 a 45 milhões.
Apesar de o trabalho de consensualização, todas as forças políticas no executivo municipal, nomeadamente a liderança PSD/CDS-PP, PS, PCP, Cidadãos Por Lisboa (eleitos pela coligação PS/Livre), Livre e BE apresentaram declarações de voto por não se reverem em pleno na moção, mas reforçando a importância de uma posição conjunta da câmara.
O social-democrata Carlos Moedas saudou a disponibilidade de todos para “conseguir trabalhar acima dos partidos, acima da política, para os lisboetas” e apoiou o Governo pela “coragem de tomar a maior decisão de todas”, que é ter um novo aeroporto, para “não haver voos em Lisboa”.
“Não me revejo na grande parte da linguagem desta moção, sobretudo no seu preâmbulo e sobretudo numa certa defesa ou proteção do Governo anterior, mas a bem dos lisboetas aceitei realmente e dei muitos passos para que possamos ter esta moção conjunta”, declarou o presidente da câmara.
Carlos Moedas referiu que “foi o Governo anterior (PS) que decidiu 72 movimentos por hora, quando hoje temos 38” na Área Terminal de Lisboa, que inclui o AHD, Montijo, Cascais e outros pequenos aeroportos da região, “portanto este Governo diminuiu esse número de movimentos”.
A moção que PSD/CDS-PP tinha apresentado era nesta linha de raciocínio, tendo o PS a considerado que se tratava de “atirar areia para os olhos” ao associar o aumento para 72 movimento apenas à capacidade aeroportuária da cidade de Lisboa e o PCP a recusar acolher essa informação “factualmente errada”.
“Mesmo nestas diferenças que apresento, é sobretudo importante dizer aos lisboetas: “Estamos de acordo que não queremos mais voos noturnos, estamos de acordo que queremos rapidamente o novo aeroporto, queremos que esse aeroporto seja feito o mais rapidamente possível, porque isso é que vai permitir ter zero movimentos por hora em Lisboa, e queremos que o concessionário faça as obras para melhorar, otimizar a operacionalidade daquilo que é aeroporto, que hoje é criticado”, expôs.
Da vereação do PS, Inês Drummond considerou que “esta moção é um marco importante, porque era preciso uma posição firme da cidade de Lisboa em relação às obras de expansão do AHD”, indicando que a moção de PSD/CDS-PP “defendia, na prática, os interesses e as posições da ANA — Aeroportos de Portugal” e que pretendia atacar o anterior Governo (PS), e enaltecendo o “enorme esforço” de Carlos Moedas para convergir num documento com foco nos interesses da cidade e dos lisboetas.
A socialista lembrou que o PS apresentou uma moção, que aguarda agendamento, para que a câmara exerça as suas competências para “impedir obras ilegais”, inclusive com uma providência cautelar para prevenir obras de aumento da capacidade aeroportuária do AHD, bem como a responsabilização da ANA pelo “incumprimento do plano de ruído”.
O vereador do PCP João Ferreira valorizou a aprovação da moção, considerando que faz “justiça às centenas de milhares de pessoas que todos os dias são prejudicadas pelo funcionamento do aeroporto”, sem esquecer as responsabilidades históricas, “designadamente os sucessivos governos,” pela atual situação e sublinhando que é importante que esta posição do município “seja mesmo para valer”, em particular pelo presidente da câmara em toda a interação com o Governo e os agentes económicos.
O PCP expôs dúvidas sobre interações entre a câmara e operadores económicos que têm em vista investimento no AHD com períodos de amortização que vão “muito além do horizonte temporal” determinado para o funcionamento deste aeroporto, referindo-se a um projeto da empresa DGL, tendo a liderança PSD/CDS-PP esclarecido que existe um processo para a ampliação das atuais instalações e está em apreciação no departamento de Urbanismo.
Dos Cidadãos Por Lisboa, Rui Franco disse que esta moção “é um passo muito importante”, com a câmara a defender o interesse público, da qualidade de vida de quem reside e trabalha na cidade “prevaleça sobre o interesse particular e comercial da Vinci”, referindo que a antecipação da transferência da atividade aeroportuária para fora da malha urbana “é a única opção que protege, no presente e no futuro, os lisboetas”.
Patrícia Gonçalves, do partido Livre, congratulou-se com a moção e afirmou que “é essencial que Lisboa deixe de ter um aeroporto a dois quilómetros do seu centro” e que a saúde de todos os que vivem e trabalham na cidade seja protegida, sublinhando a necessidade de cumprimento da lei do ruído e o fim dos voos noturnos entre as 23h00 e as 7h00, horário que não está mencionado na moção por ser uma das cedências para se chegar a um consenso.
A vereadora única do BE, Beatriz Gomes Dias, sublinhou a importância desta posição conjunta da câmara, afirmando que representa “uma defesa inequívoca dos interesses das pessoas que vivem e trabalham em Lisboa e uma não capitulação aos interesses da concessionária”, realçando a necessidade de proibir os voos e ressalvando que algumas das posições “não traduzem plenamente” o que o seu partido defende.
Em meados de maio, o Governo aprovou a construção do novo aeroporto da região de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete, seguindo a recomendação da Comissão Técnica Independente (CTI).
Ao escolher a localização do novo aeroporto, o Governo propôs a expansão do Humberto Delgado, passando dos atuais 38 movimentos por hora para 45 movimentos.
O Campo de Tiro da Força Aérea, também conhecido como Campo de Tiro de Alcochete (pela proximidade deste núcleo urbano), fica maioritariamente localizado na freguesia de Samora Correia, no concelho de Benavente (distrito de Santarém), tendo ainda uma pequena parte na freguesia de Canha, já no município do Montijo (distrito de Setúbal).