A proposta de acordo tripartido entregue pelo Governo aos parceiros sociais, na concertação social desta quarta-feira, prevê que o salário mínimo suba em 2025 para os 870 euros e, a partir daí, aumentará todos os anos 50 euros até atingir os 1.020 euros no final da legislatura. O Executivo também prevê a isenção de impostos nos prémios de produtividade, a medida que ficou conhecida como “15.º mês”, mas com condições que não agradam à CIP, a confederação patronal que mais tem defendido a medida.

Só em relação ao aumento do salário mínimo para 2025 o Governo já deu a negociação como fechada. Nas restantes matérias há abertura para o diálogo, que vai continuar nos próximos dias com a expectativa de o acordo ficar fechado antes do Orçamento do Estado.

No caso do salário mínimo, trata-se, portanto, de uma atualização da meta definida pelo Executivo, que no seu programa do Governo previa “aumentar o salário mínimo nacional para 1.000 euros em 2028”. Assim, o salário mínimo vai subir para 870 euros em 2025, 920 euros em 2026, 970 euros em 2027 e 1.020 em 2028.

Em relação aos restantes salários, é mantido o referencial do acordo de rendimentos assinado com o governo de António Costa para 2025 (4,7%) e 2026 (4,6%). Quanto a 2027, o Governo introduz um referencial de 4,5%, igual ao previsto para 2028. Este referencial é importante para que as empresas possam ter direito a um benefício em sede de IRC.

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O objetivo é que o salário médio suba no próximo ano para 1.651,37 euros, em 2026 para 1.727,33 euros, em 2027 para 1.805,06 euros e em 2028 para 1.886,29 euros.

Prémios de produtividade isentos com condições que não agradam à CIP

A proposta, a que o Observador teve acesso, prevê que os prémios de produtividade, desempenho, participação nos lucros ou gratificações de balanço, sem caráter regular, até ao montante igual ou inferior a 6% da remuneração base anual do trabalhador beneficiem de uma isenção total de IRS e Taxa Social Única (TSU). Mas há um conjunto de condições.

A isenção aplica-se se o empregador efetuar um aumento mínimo de 4,7% da remuneração base anual dos trabalhadores que aufiram um valor inferior ou igual à remuneração base média anual existente na empresa no final do ano anterior; se o empregador assegurar, no mínimo, um aumento global de 4,7 % da remuneração base média anual existente na empresa, por referência ao final do ano anterior; e se for abrangido por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, celebrado ou atualizado há menos de 3 anos.

Estas condições, porém, não agradam à Confederação Empresarial de Portugal (CIP). Armindo Monteiro disse que a proposta “já vai mais ao encontro mas ainda não está na formatação necessária”. Porquê? “Falta que seja livre. Na formatação atual não está totalmente livre, não apenas [no que toca aos] limites, mas há obrigações que é preciso cumprir para que seja praticada. Esta disponibilidade não é compatível com essas obrigações.”

Na anterior reunião da concertação social, a ministra do Trabalho, Rosário Palma Ramalho, já tinha mostrado abertura para ir além no chamado “15.º mês”, um bónus isento de impostos e contribuições para ir mais ao encontro do que pretendia a CIP — a medida atualmente em vigor aplica-se à distribuição de lucros (o que deixa de fora empresas sem lucros), obriga a aumentos salariais com um valor pré-definido e tinha um limite de isenção. Além de que contava para efeitos do cálculo da taxa de IRS a pagar, o que podia agravar a taxa aplicada.

Ministra não diz se salário mínimo continuará isento de IRS

Ficou por esclarecer se o novo valor do salário mínimo será acompanhado pela subida do mínimo existência, ou seja, se se manterá a isenção de IRS aplicada ao rendimento mínimo. A ministra do Trabalho, Rosário Palma Ramalho, disse apenas que “haverá uma atualização dos escalões de IRS normal, que sempre acompanha estas situações, de forma a assegurar a neutralidade fiscal desses aumentos, mas isso não é nada de novo”.

Perante a insistência sobre se isso significa que o salário mínimo mantém isenção, a ministra não esclareceu. “Quanto ao mais, está tudo ainda a ser negociado num ambiente construtivo. Para que se mantenha construtivo tenho de manter alguma reserva”, respondeu.

A proposta de acordo prevê a “atualização dos escalões de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) para assegurar a neutralidade fiscal das atualizações salariais”.

Entre as medidas previstas no acordo estão ainda o IRS Jovem (não dando o Governo mais detalhes) e a redução fiscal sobre o trabalho suplementar, mais concretamente, diminuição de 50% da taxa de retenção autónoma de IRS sobre o trabalho suplementar (uma medida que já estava prevista no acordo anterior). Além disso, haverá uma isenção da taxa liberatória de IRS aplicável aos trabalhadores não residentes nas primeiras 100 horas de trabalho suplementar.

O acordo versa sobre o IRC, com a redução progressiva do imposto até 2028, passando em 2025 de 21% para 19%. Esta tem sido uma medida crucial para os patrões, mas enfrenta um caminho difícil no Parlamento. Tem sido apontada pelo PS como uma linha vermelha da qual não vai abdicar nas negociações do Orçamento do Estado com o Governo. A proposta é apresentada antes de Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos se reunirem, na próxima sexta-feira, para discutir o OE para 2025.

PS avisa que medidas como IRC e IRS jovem tornam “mais difícil” viabilização do OE2025

Outra medida prende-se com o subsídio de refeição, prevendo-se que “é considerado rendimento do trabalho dependente na parte em que exceder o limite legal estabelecido ou em que o exceda em 70% [atualmente é 60%] sempre que o respetivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição”.  Esta mudança de 60% para 70% faz com que suba o limite até ao qual o subsídio de refeição pago em cartão está isento de IRS, de 9,60 para 10,2 euros.

Além disso, foi inscrita a intenção de “incentivar contribuição voluntária para instrumentos complementares de reforma, através de planos de reforma, nomeadamente com recurso aos instrumentos previstos no Regime Público de Capitalização. “Estas contribuições voluntárias provirão do empregador e do trabalhador e são isentas de TSU e IRS”, lê-se.

Sobre as tributações autónomas, o objetivo é atingir uma redução de 20% em 2028, no valor acumulado. Os limites dos custos de aquisição de viaturas serão aumentados em 10.000 euros e os valores das taxas serão alterados para 8, 25 e 32. Além disso, não haverá lugar a tributação autónoma sobre os encargos suportados com a oferta de espetáculos. E as empresas apresentem prejuízos fiscais estarão sujeitas às taxas de tributação autónoma sem agravamento.

Há ainda o compromisso de rever o Regime Fiscal de Incentivo à Capitalização de Empresas (ICE) e o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), para promover a recapitalização das empresas.

Na agricultura, propõem-se que “os valores recebidos das ajudas da PAC em 2025, referentes a 2024, podem, por opção do contribuinte, ser considerados como rendimento no ano de 2024 ou no ano de 2025, tendo em vista evitar um agravamento da taxa de IRS aplicável, devido à acumulação do recebimento do valor dos dois montantes em 2025”.

No turismo, avançará a Estratégia Nacional para o Turismo sustentável.

Parceiros não se comprometem com acordo. “Temos muito trabalho pela frente”

À entrada para a reunião, o Presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), Armindo Monteiro, disse que entrava para o encontro com “expectativa positiva” quanto à possibilidade de um acordo, mas remeteu uma resposta “mais perentória” para o final do encontro. “Nós não estamos desiludidos nem estamos convictos de que as soluções estão neste acordo mas vamos, naturalmente, apresentar as nossas opções”, disse.

No final da reunião, Armindo Monteiro defendeu que há “muito trabalho pela frente” e que falta ao acordo, além dos objetivos de valorização salarial, matérias para o crescimento da economia e para a produtividade. “Estamos a falar de um aumento de 20% em quatro anos no salário médio. Não conheço nenhum país que tenha esta ambição completamente desligada da economia”, criticou.

“Temos de ponderar muito bem e estamos a fazê-lo”, acrescentou. A descida do IRC é “importante”, mas não é a única medida para que a medida possa crescer, defendeu. Nas negociações para este acordo há um elemento que pode atrapalhar a sua efetividade: as negociações parlamentares. Armindo Monteiro diz que, ao contrário dos acordos anteriores, “neste momento há um quarto elemento que é o facto de o Governo não ter maioria absoluta. Esta variável tem de ser tida em conta”. E o PS já prometeu bater o pé.

Francisco Calheiros, da Confederação do Turismo, por sua vez, defende que o acordo “tem de ser mais completo”, criticando que num mês tenha sido gizado um acordo para a legislatura. Calheiros teria preferido que o documento se cingisse apenas a 2025. “Temos de ver… Não há tempo para poder analisar (…) Estes acordos de legislatura demoram bastante tempo”, afirmou.

Já João Vieira Lopes, da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), afirmou que na proposta do Governo ainda faltam medidas para as pequenas e médias empresas, capitalização, incentivos ao investimento, tributações autónomas. “Esses pontos ainda têm de ser aprofundados de modo a conseguirmos uma base que consideramos aceitável para os nossos associados poderem aceitar um acordo desse tipo”. O IRC é “fundamental” mas não é suficiente.

Álvaro Mendonça e Moura, presidente da Confederação dos Agricultores, considera que há duas medidas omissas e que são “absolutamente fundamentais”: a capacidade de o Ministério da Agricultura atuar no terreno — “Não assinaremos acordo nenhum se essa questão não estiver resolvida, ou em sede do acordo ou à margem” — e garantir aos agricultores “condições e rendimento cada vez mais próximo dos agricultores dos outros países”.

Mendonça e Moura, porém, saudou uma proposta do acordo que prevê o alargamento da possibilidade de consumo do gasóleo colorido e marcado aos veículos utilizados pelas equipas de sapadores florestais que integrem o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios.

Do lado dos sindicatos, Tiago Oliveira, líder da CGTP, diz que “é preciso ir muito mais longe do que está no acordo de rendimentos”. A central tem proposto um aumento do salário mínimo para os 1.000 euros. Já Mário Mourão, da UGT, a central que defende uma subida para os 890 euros, referiu como preocupação o “achatamento do salário mínimo com o salário médio”. Sobre os prémios de produtividade isentos, considera que “tem de haver regras” e é importante garantir que as empresas “não substituam os prémios por salários”.

Na proposta de acordo, o Governo diz que será criado um grupo de trabalho para acompanhar os acordos celebrados pelo anterior governo e estabelece que todas as medidas que neles constem e estejam no Orçamento do Estado para 2024, “são prorrogadas até 31 de dezembro de 2025”.