O presidente da câmara municipal de Nova Iorque, Eric Adams, atualmente sob escrutínio da justiça norte-americana por suspeitas de ter recebido mais de 100 mil dólares em subornos e outros benefícios ilegais, tem um historial de polémicas e mistérios que, ao longo de vários anos, contribuíram para consolidar a sua imagem como figura caricata da política nova-iorquina — nomeadamente por ter sido múltiplas vezes incoerente sobre vários aspetos da sua vida pessoal.

Entre dúvidas sobre onde a casa onde vive, questões sobre se é ou não vegan, críticas à sua política de sair à noite para movimentar a economia da cidade e até acusações de nepotismo, o autarca que se apresentou como estando fora do espectro ideológico convencional está agora no centro das polémicas em Nova Iorque, enfrentando múltiplos apelos para que se demita.

Nascido em 1960 no distrito nova-iorquino de Brooklyn, Eric Adams cresceu no contexto de uma família pobre e, de acordo com o jornal The Guardian, terá sido uma experiência de juventude a definir-lhe o resto da vida: depois de, com 15 anos, ter sido agredido por polícias, terá decidido que haveria de tornar-se ele próprio agente da polícia e mudar a instituição a partir de dentro.

Presidente da Câmara de Nova Iorque acusado de receber mais de 100 mil dólares em subornos e outros benefícios

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Fez uma longa carreira dentro da Polícia de Nova Iorque, para a qual entrou na década de 1980 — uma altura de grande violência na cidade — e teve um percurso marcado pela militância sindical e pela denúncia do racismo.

Entrou na política em 2006, quando se candidatou a um lugar no senado estadual de Nova Iorque. Já nessa altura, foi alvo de acusações de suposta corrupção, o que não o impediu de, em 2013, ser eleito presidente do distrito de Brooklyn.

O The Guardian recorda ainda que Eric Adams era ainda senador estadual quando, em 2011, protagonizou um dos momentos bizarros que lhe ficariam associados durante anos: um vídeo a explicar aos pais como encontrar armas de fogo e drogas escondidas nos brinquedos e em outros objetos do quotidiano.

Adams candidatou-se à presidência da câmara municipal de Nova Iorque em 2021 e, nessa altura, começaram a surgir dúvidas sobre a vida e a carreira de Eric Adams. Uma das mais estranhas teve a ver com a sua própria residência. “Onde é que Eric Adams mora?“, perguntava o The New York Times em outubro de 2021, durante a campanha eleitoral.

A polémica surgiu com os registos fiscais que todos os candidatos tinham de disponibilizar e abriu a porta a muitas dúvidas sobre a sua morada, que obrigaram inclusivamente Adams a entregar uma segunda declaração.

Se, por um lado, Adams tem um apartamento num edifício de que ele próprio é o proprietário em Brooklyn, também tinha uma outra casa em Fort Lee (estado da Nova Jérsia), onde vivia a sua companheira. A casa de Brooklyn é apresentada como a sua residência principal, mas há registos de que essa casa está na verdade arrendada. Por outro lado, durante a pandemia, Adams ter-se-á mudado para o edifício da presidência do distrito de Brooklyn, porque trabalhava até tarde.

Nos vários registos formais que apresentou, a informação sobre o lugar onde vivia era sempre diferente, o que levou os seus rivais a atacarem Adams por falta de honestidade. “Porque é que alguém haveria de votar num candidato que nem consegue ser honesto sobre o lugar onde mora?”, perguntaram os seus oponentes.

Para tentar mitigar as críticas, Eric Adams convidou os jornalistas para visitarem a sua casa em Brooklyn, mas a visita daria origem a outra polémica, já que os jornalistas viram no apartamento bastante comida não-vegan. Seria comida do filho de Eric Adams, mas foi o suficiente para levantar questões à volta de uma polémica que não desapareceria: afinal, Adams era vegan ou não?

O próprio Eric Adams revelou que em 2016 foi diagnosticado com diabetes do tipo 2 e que, através de uma dieta à base de produtos vegetais tinha conseguido controlar o problema. Assumindo-se como vegan, chegou mesmo a implementar nas escolas públicas nova-iorquinas iniciativas como as “sextas-feiras vegan”.

Contudo, o jornal Politico haveria de noticiar, em 2022, que Eric Adams afinal comia peixe. A partir do relato de um funcionário de um dos restaurantes mais frequentados — o La Baia — pelo autarca de Nova Iorque, o Politico escreveu que peixe com vegetais era uma das refeições mais comuns de Eric Adams.

Um ano depois, a revista The New Yorker entrevistou Adams, que alegou que nunca tinha dito que era vegan — o que não é verdade — e garantiu: “Se eu vir um pedaço de frango, vou mordê-lo.” Novamente, também esta incoerência atraíram ataques dos seus críticos.

Entre as polémicas que abalaram o percurso de Eric Adams encontram-se ainda suspeitas de nepotismo por ter contratado um irmão para o cargo de chefe da sua equipa de segurança pessoal. Por outro lado, logo nos primeiros tempos do seu mandato à frente da maior cidade dos EUA, circularam rumores de que haveria investigações em torno de suspeitas sobre contratos públicos, incluindo relacionados com o consulado da Turquia na cidade.

Agora, muitas destas suspeitas estão sob investigação por parte das autoridades norte-americanas. Segundo a acusação, Adams terá recebido mais de 100 mil dólares em benefícios e subornos, incluindo várias viagens de luxo.

Entre bilhetes de avião em classe executiva para viagens à Índia, França, Turquia, Sri Lanka e China, estadias em residências de luxo, hotéis e resorts, que os procuradores acreditam ter sido pagas por “pessoas turcas ricas e de pelo menos um oficial turco”. Eric Adams mantém a sua inocência, mas enfrenta não só múltiplos pedidos para que se afaste, como também uma vaga de demissões na sua equipa.