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O prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina de 2024 foi atribuído ao biólogo Victor Ambros e ao geneticista Gary Ruvkun, pela descoberta do microRNA e o seu papel na regulação genética pós-transcricional, anunciou esta segunda-feira o secretário-geral da Assembleia Nobel, Thomas Perlmann.

Victor Ambros, de 70 anos, é norte-americano e atualmente é professor de Ciências Naturais na Escola Médica da Universidade do Massachussets. Já Gary Ruvkun, de 72 anos, também norte-americano, é professor de Genética na Escola Médica da Universidade de Harvard.

O microRNA foi inicialmente descoberto pelo laboratório de Victor Ambros em 1993. Ao mesmo tempo, Gary Ravkun identificou o primeiro gene alvo do microRNA. Essas duas descobertas inovadoras identificaram um novo mecanismo de regulação de genes pós-transcricionais.

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Cientistas premiados ajudaram a descodificar a regulação da atividade genética

“O Prémio Nobel deste ano homenageia dois cientistas por sua descoberta de um princípio fundamental que rege como a atividade genética é regulada“, informa o Comité Nobel, em comunicado. A regulação genética permite que cada célula selecione apenas as instruções relevantes, “garantindo que apenas o conjunto correto de genes esteja ativado em cada tipo de célula”.

Os dois cientistas descobriram o microRNA, uma nova classe de pequenas moléculas de RNA que desempenham um papel crucial na regulação genética. A “descoberta inovadora revelou um princípio completamente novo de regulação genética que acabou por ser essencial para organismos multicelulares, incluindo os humanos”, destaca o Comité, que explica como funciona o processo.

“A informação genética flui do DNA para o RNA mensageiro (mRNA), através de um processo chamado transcrição, e depois para a maquinaria celular para a produção de proteínas. Lá, os mRNAs são traduzidos para que as proteínas sejam feitas de acordo com as instruções genéticas armazenadas no DNA. Desde meados do século XX, várias das descobertas científicas mais fundamentais explicaram como esses processos funcionam”, contextualiza o Comité.

“Os nossos órgãos e tecidos consistem em muitos tipos diferentes de células, todos com informações genéticas idênticas armazenadas no seu DNA. No entanto, essas células diferentes expressam conjuntos únicos de proteínas. Como isso é possível? A resposta está na regulação precisa da atividade genética para que apenas o conjunto correto de genes esteja ativado em cada tipo específico de célula”, explica o Comité, acrescentando que isso permite, por exemplo, “que células musculares, células intestinais e diferentes tipos de células nervosas desempenhem suas funções especializadas“.

“Além disso, a atividade genética deve ser continuamente ajustada para se adaptar as funções celulares às mudanças nas condições nos nossos corpos e ambiente. Se a regulação genética falhar, pode levar a doenças graves, como cancro, diabetes ou doenças autoimunes”, sublinham os membros do Comité.

Agora sabe-se que o genoma humano codifica mais de mil microRNAs. A sua descoberta surpreendente revelou uma dimensão totalmente nova na regulação genética. Os MicroRNA’s estão a provar serem fundamentalmente importantes para a forma como os organismos se desenvolvem e funcionam”, diz o Comité Nobel do Instituto Karolinska.

Investigação que conduziu ao Nobel começou nos anos 80

As investigações que levaram os dois cientistas a serem galardoados com o Nobel da Medicina começaram na década de 1980, quando trabalharam no laboratório de Robert Horvitz — cientista que recebeu o Prémio Nobel da Medicina em 2002. Aí, Victor Ambros e Gary Ruvkun estudaram um pequeno verme de apenas 1 mm de comprimento, designado C. elegans, e que possui muitos tipos de células que podem ser encontradas em organismos muito maiores, tornando-o um modelo útil para investigar o desenvolvimento dos tecidos. Os cientistas estudaram duas mutações no verme, as lin-4 e lin-14, que apresentaram defeitos no momento da ativação genética.

Depois e já cada um no seu laboratórios, Ambros e Ruvkun estudaram as mutações que encontraram e descobriram que o microRNA lin-4 desliga o lin-14, ligando-se às sequências complementares no seu mRNA, bloqueando a produção da proteína lin-14. “Um novo princípio de regulação genética, mediado por um tipo anteriormente desconhecido de RNA, microRNA, foi descoberto!“, continua o comunicado do Comité Nobel, sublinhando que os resultados foram publicados em 1993 em dois artigos na revista Cell, embora tenham sido desvalorizados pela comunidade científica. Embora os resultados tenham sido interessantes, o mecanismo incomum de regulação genética foi considerado uma peculiaridade de C. elegans, provavelmente irrelevante para humanos e outros animais.

Essa perceção mudou em 2000, quando o grupo de pesquisa de Ruvkun publicou a descoberta de outro microRNA, codificado pelo gene let-7. “O artigo despertou grande interesse e, nos anos seguintes, centenas de microRNAs diferentes foram identificados. Hoje, sabemos que existem mais de mil genes para diferentes microRNAs em humanos, e que a regulação genética por microRNA é universal entre organismos multicelulares”, explica o Comité Nobel.

Um único microRNA pode regular a expressão de muitos genes diferentes e, inversamente, um único gene pode ser regulado por vários microRNAs, “coordenando e ajustando redes inteiras de genes”. O mecanismo de regulação genética descoberto por Ambros e Ruvkun existe há centenas de milhões de anos e permitiu a evolução de organismos cada vez mais complexos. “Células e tecidos não se desenvolvem normalmente sem microRNAs”, destaca o Comité Nobel.

Este é o primeiro Nobel a ser atribuído este ano.

O Nobel da Medicina é escolhido pela Assembleia Nobel do Instituto Karolinska, na Suécia, uma das maiores e mais conceituados escolas de Medicina da Europa. Os premiados recebem 11 milhões de coroas suecas, o equivalente a cerca de 966 mil euros, ao câmbio atual.

Até hoje, já receberam o Nobel da Medicina 227 pessoas. Ninguém recebeu o Nobel nesta categoria mais do que uma vez.