Os médicos dos 25 aos 35 anos, que representam um terço dos clínicos do SNS, são quem mais procura o Gabinete de Apoio ao Médico, que dá resposta a situações de violência e problemas de saúde mental.
Segundo dados divulgados pelo coordenador do Gabinete Nacional de Apoio ao Médico (GNAM) da Ordem dos Médicos, João Redondo, os médicos desta faixa etária totalizam 16.738, seguidos dos médicos com 65 anos ou mais (16.426).
“Estes médicos são o futuro do nosso Serviço Nacional de Saúde. (…) Portanto, merecem ser bem tratados“, defendeu o psiquiatra à agência Lusa, à margem da sessão de debate sobre “Saúde mental e bem-estar dos médicos no local de trabalho”, promovida pela Ordem dos Médicos (OM), em Lisboa, a propósito do Dia Mundial da Saúde de Mental (10 de outubro).
João Redondo adiantou que são estes médicos quem mais pede ajuda ao GNAM por questões relacionados com o assédio, ‘burnout’, depressão, ansiedade, falta de realização pessoal.
Na sua intervenção, João Redondo apresentou um estudo sobre assédio sexual da British Medical Association, de 2021, envolvendo 2.458 médicos.
O estudo revela que 31% das mulheres e 23% dos homens estiveram expostos a conduta física indesejada no local de trabalho, e 56% das mulheres e 28% dos homens a conduta verbal indesejada.
O responsável lembrou que no caso do assédio sexual, é mais complexo criar prova do que no caso do assédio moral, enquanto os casos de violência física são, geralmente, “mais visíveis, mais objetiváveis”.
Sobre o ‘burnout’ recordou um estudo do Conselho Nacional do Médico Interno da OM, de 2023, segundo o qual um em cada quatro médicos internos apresentava sintomas graves de ‘burnout’ e 55,3% estava em risco de desenvolver a síndrome
O mesmo estudo indica que 64,7% dos internos encontram-se num nível de exaustão emocional grave, 45,8% apresenta um nível elevado de despersonalização, 48,1% reporta elevada redução da realização profissional e 35,5% iniciou algum tipo de apoio psicológico ou psiquiátrico durante o internato.
As questões pessoais, vivenciais e estruturais relacionadas com as dinâmicas dos serviços também levam os médicos ao GNAM, disse João Redondo, contando que já teve também “uma situação ligada a questões de violência na intimidade, porque estas problemáticas acabam por ir para o local de trabalho”.
O psiquiatra explicou que o GNAM é “uma porta de entrada e de encaminhamento” das pessoas que lhe pedem ajuda, um número que tem vindo a aumentar gradualmente, mas que precisa de aumentar mais, porque ainda existe nos profissionais o receio de pedir apoio e denunciar situações com medo de represálias.
João Redondo ilustrou as questões de violência contra profissionais de saúde com os dados do inquérito do Gabinete Segurança do Ministério da Saúde realizado em 2023.
Dos 16.292 profissionais de saúde inquiridos, 23% relataram ter sofrido um episódio de violência.
No caso dos médicos, dos 2.532 que participaram, 24% sofreram violência.
Foram referidos no inquérito 2.359 episódios de violência (mais 29,6% que em 2022 e mais 56,6% que em 2021), dos quais 23% por violência física, 11% por assédio moral, 62% violência psicológica, 3% violência patrimonial e 1% por violência sexual.
O coordenador do GNAM alertou que “as condições adversas de trabalho tornam mais difícil atrair novos médicos e reter especialistas, exacerbando a escassez de profissionais.
Presente no evento, o bastonário da Ordem dos Médicos afirmou que os números oficiais de violência estão “muito abaixo” da realidade porque muitos profissionais não denunciam.
Carlos Cortes apelou à “tolerância zero” à violência.
“Não podemos permitir que pessoas que estão permanentemente a dedicar-se a melhorar a vida dos outros sejam vítimas de qualquer tipo de violência”, disse, considerando inadmissível que um agressor possa continuar a ameaçar e a estar no local onde agrediu o profissional de saúde.