PS e BE questionaram esta quinta-feira a candidata ao Tribunal Constitucional (TC) Maria João Vaz Tomé sobre as suas posições em torno de valores potencialmente conflituantes como aborto e vida intrauterina, propriedade privada e direito à habitação.
Maria João Vaz Tomé, juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça desde 2018 e com longa carreira na Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto, foi indicada pelo PSD para substituir no TC José Teles Pereira, que terminou o seu mandato.
A eleição na Assembleia da República da nova juíza do TC está marcada para sexta-feira e requer uma maioria de dois terços dos deputados, o que, na prática, implica um acordo entre o PSD e o PS.
Na audição em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, esta quinta-feira, ao início da tarde, Maria João Vaz Tomé foi confrontada com questões sobre processos pendentes no TC, designadamente em relação à morte medicamente assistida ou sobre a possibilidade da consagração do recurso de amparo, questões que partiram sobretudo da deputada do PSD Andreia Neto.
Foi também interrogada pela deputada socialista Isabel Moreira e pelo líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, sobre valores eventualmente conflituantes na Lei Fundamental em matérias como o aborto e o direito à vida, ou o princípio constitucional do direito à propriedade privada e direitos sociais como o da habitação.
A atual juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça advertiu que não iria pronunciar-se sobre processos pendentes no TC, afastando desta forma qualquer apreciação sobre morte medicamente assistida. E procurou dar uma resposta “chapéu” ao subalternizar a dimensão das suas convicções pessoais face à análise aprofundada e rigorosa da conformidade ou desconformidade constitucional perante factos em concreto.
A sua resposta mais controversa foi dada já na parte final da audição, quando admitiu que um eventual alargamento do atual prazo de dez semanas para a prática da interrupção voluntária da gravidez possa ser objeto de apreciação por parte do TC. O PS quer alargar o prazo para as 12 semanas e o Bloco de Esquerda para as 14 semanas.
A candidata ao TC referiu-se a estes dois projetos sobre interrupção voluntária da gravidez dizendo que, tal como na questão da eutanásia, se está perante um tema que continua a não ser pacífico na sociedade portuguesa.
“Na minha perspetiva, há um conflito entre a vida intrauterina e o direito da mulher, desde logo, a dispor do seu corpo. Portanto, reconheço a vida intrauterina e acho que há um conflito com essa vida. Acredito que se for para a frente essa extensão do período em que se não seja punida a interrupção voluntária da gravidez, isto regresse ao TC”, declarou.
Já na questão relativa ao potencial conflito entre os princípios constitucionais do direito à propriedade privada e do direito à habitação, a juíza do Supremo demarcou-se das chamadas perspetivas mais neoliberais, afirmando que no presente se está muito longe da conceção que marcou o último quartel do século XVIII, com a Revolução Francesa, em que o direito à propriedade privada era encarado como valor absoluto.
Na audição, Isabel Moreira levantou também a questão sobre a conceção da candidata em matéria de limitações epistémicas por parte do TC em relação a determinados factos em avaliação.
Neste ponto, Isabel Moreira considerou que um juiz não pode ter duplo critério quando sustenta que essa limitação epistémica existe para se apreciar uma medida de corte de pensões ou de salários, mas já não existe no que respeita à eutanásia — uma observação em que visou a atual provedora de Justiça.
Maria João Vaz Tomé deu uma resposta breve e defendeu que o critério dos juízes deve ser “uniforme” e não variar consoante as circunstâncias.
Ao contrário daquilo que se esperava, a audição na Comissão de Assuntos Constitucionais não ficou marcada por dúvidas resultantes do facto de Maria João Vaz Tomé não ser juíza de carreira, mas de mérito — e, por essa via, reforçar o peso do chamado meio académico dentro do Tribunal Constitucional.
Isabel Moreira fez mesmo questão de frisar que desvalorizava o facto de Maria João Vaz Tomé ter ingressado no Supremo Tribunal de Justiça por via de uma vaga destinada a juristas de mérito.