“Sem enquadramento, ainda conta como cinema?” A pergunta é do realizador tailandês Apichatpong Weerasethakul e está relacionada com A Conversation with the Sun (em português, “uma conversa com o Sol”), a instalação artística que o próprio criou e que estará em exibição no grande auditório do Rivoli, de 23 a 26 de outubro. Sobre as respostas, cada visitante encontrará (ou não) a sua.
A Conversation with the Sun marca a primeira aventura de Apichatpong com a tecnologia da realidade virtual. A ideia nasceu de um desafio proposto pelo produtor da peça. Apaixonado por tecnologia, o realizador não hesitou em aceitar. “Achei que realmente abriria [a porta] a muitas ideias, especialmente relacionadas com a ideia de narrativa e de estrutura”, explicou em conversa com o Observador.
A experiência de construir a instalação, admitiu, foi completamente diferente da de fazer um filme. “Mas, no final, acho que não consigo escapar ao meu amor pelo cinema”, confessou. A inclusão da realidade virtual, porém, atirou Apichatpong para bem longe da sua zona de conforto. Aliás, o realizador considera que a peça é “uma colaboração” com Katsuya Taniguchi (criador de VR) e o músico e compositor Ryuichi Sakamoto, que morreu em 2023.
“Mesmo que para o público [a experiência] seja bastante fluída, nos bastidores há muitos testes. Toda a operação é muito complexa”, explicou. Por outro lado, resume o conceito da instalação de forma bastante simples. “Apenas quis ir ao básico da observação de movimento e da consciência da nossa própria existência no espaço, quer uses VR ou não. Este tipo de simplicidade.”
A inexperiência ao manusear equipamentos de realidade virtual e a dificuldade em traduzir imagens mentais em conceitos concretos gerados por computador foram alguns dos principais desafios. Além disso, o facto de ser uma instalação que vive da deambulação dos espectadores pelo espaço torna necessário adaptar a exposição às diferentes salas onde é feita a apresentação.
No Porto, por ser exibida num “teatro com um espaço lindo”, como o próprio descreve, Apichatpong admite que já pensou em acrescentar novos elementos a A Conversation with the Sun. No entanto, à data da conversa com o Observador, não conseguiu confirmar ainda se tal seria possível ou não.
Sobre a escolha do compositor da banda-sonora, Ryuichi Sakamoto, que morreu em março do ano passado, Apichatpong considera-a “completamente” óbvia. “A sua composição é onírica e ao mesmo tempo tem esta complexidade e simplicidade ao mesmo tempo”, considerou. “Foi uma perda enorme quando morreu, mas ao mesmo tempo, é uma dádiva enorme o que nos deu para este trabalho.”
Um espetáulo que é impossível de ver na íntegra
A instalação artística, que durará cerca de uma hora, divide-se em duas partes: uma primeira, que inclui a projeção de imagens distintas nos dois lados de uma tela, e uma segunda parte, em que os espectadores são convidados a colocar óculos VR e viver o resto da peça nesse mundo virtual. Quando os primeiros visitantes colocam os óculos, entra um segundo grupo para assistir à primeira parte, o que faz com que haja sempre dois grupos a coabitar o mesmo espaço, mas a ver diferentes fases do espectáculo.
E mesmo que alguém se aproxime demasiado de outra pessoa ou de um objeto, de uma parede, não há perigo. Surge uma parede virtual chamada “guardião” que avisa o espectador do risco.
Como cada lado da tela mostra imagens diferentes, há outras pessoas a deambular no espaço (obstruindo a visão dos demais) e a segunda parte da instalação desenrola-se à volta dos espectadores. É impossível ver tudo o que acontece em A Conversation with the Sun. Será cada um a escolher para onde olha e, portanto, captar uma versão distinta da experiência. “É como se estivesses a fazer a tua própria edição”, resume Apichatpong.
A subversão do papel do espectador também é central na peça. Para o realizador tailandês, existe uma “troca de papéis” em que o espectador na instalação acaba por assumir o papel de performer a certo ponto.
E se o Sol do título é um dos protagonistas da segunda parte da peça, não foi só essa a razão para este ser o título escolhido. Como Apichatpong explicou, o Sol é a fonte da vida e do movimento, das sombras. Sem Sol, sem luz, não existiria fotografia, nem cinema. “Tudo é interação com a luz e com o Sol. É tão simples quanto isso”, disse.
Desde outubro de 2022 que A Conversation with the Sun tem ocupado salas em vários pontos do mundo, da Tailândia até França. O realizador aponta que, apesar de os públicos serem distintos de país para país, as reações à exposição têm sido semelhantes. Refere, porém, que na Tailândia — onde teve oportunidade de privar com alguns dos visitantes, alguns dos quais seus amigos — a reação foi ligeiramente distinta. Explica que o uso de imagens de manifestantes em Bangkok, por exemplo, pode ter contribuído para essa particularidade.
“A Conversation with the Sun” vai estar no Rivoli de 23 a 26 de outubro e está aberta a maiores de seis anos. De quarta a sexta-feira as visitas à instalação podem realizar-se entre as 19h30 e as 21h30; no sábado, há horários disponíveis a partir das 14h30. O bilhete custa 7 euros.