A intervenção do PS no debate do Orçamento do Estado na especialidade está a ser gerida com pinças ou, como lhe chamou o próprio líder, de forma “cirúrgica”. Os socialistas estão inclinados para só irem a jogo em propostas de alteração que não representem riscos para o equilíbrio orçamental proposto pelo Governo (0,3% de excedente), o que deixa dúvidas sobre o avanço de medidas de que já falou publicamente, como o aumento extraordinário de pensões. Certo, nesta altura, só mesmo o voto contra a descida do IRC em um ponto percentual.
Nem a favor, nem abstenção. O PS não concorda com a descida proposta pelo Governo e lembra que essa foi mesmo a razão não ter chegado a acordo com o Governo sobre o Orçamento do Estado para 2025. Assim, na especialidade, quando a medida de reduzir a taxa nominal de IRC para 20% for votada, o PS estará contra, apurou o Observador junto de um alto dirigente socialista.
No partido recorda-se que o Chega será suficiente para viabilizar essa proposta do Governo, contando que André Ventura mantenha a posição de sempre favorável à descida do imposto para as empresas. Ventura referiu-se sempre à descida como uma “medida fundamental” e já defendia a primeira versão, que tinha uma redução mais acentuada (dois pontos já em 2025), acusando até o Governo de ter “capitulado” ao PS ao deixá-la para trás.
Não é, por tudo isto, de excluir que o PSD e o CDS ainda venham a ser confrontados com uma proposta de alteração do Chega para reduzir a taxa nominal de 21% para 19%. Os socialistas avisam que estarão atentos ao posicionamento dos dois partidos do Governo, caso o Chega avance mesmo.
Com este voto contra, o PS quer deixar vincada a ideia de que houve mesmo uma linha vermelha intransponível que o levou a romper o acordo com o Governo — ainda que nada disso mude o que já está decidido para a votação final global do Orçamento, garante-se. Mas os socialistas querem essa clarificação, sobretudo depois de um processo negocial que foi complexo e que deixou Pedro Nuno Santos colado a uma imagem hesitante — o próprio sentiu necessidade de, ainda esta quarta-feira numa entrevista à RTP3, dizer que não houve “nenhum ziguezague” do partido no Orçamento.
Pedro Nuno Santos promete “intervenção cirúrgica” na especialidade
Durante esse processo negocial, Pedro Nuno Santos fez várias propostas ao Governo. A começar pela do IRS Jovem, que acabou por vir a substituir a proposta do Governo embora em moldes que o PS ainda contesta — mas que se prepara para aceitar na especialidade. Mas houve outras, como a de um “aumento extraordinário de pensões de 1,25 pontos percentuais até ao valor correspondente a três vezes o Indexante de Apoios Sociais (IAS), abrangendo pensões até aproximadamente 1.565 euros, a acrescentar ao aumento que decorrerá da aplicação da lei de atualização das pensões”.
O Governo não aceitou a medida e na apresentação do Orçamento, o ministro das Finanças disse que pode vir a existir um suplemento para os pensionistas, mas que isso só será avaliado no verão e dependerá do comportamento das contas públicas até lá. Mas será sempre na lógica do suplemento e não um aumento com carácter permanente, como propunha o PS.
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Quando apresentou a sua proposta, no meio das negociações, Pedro Nuno estimou que o aumento extra viesse a custar cerca de 270 milhões de euros por ano. Quando o PS vai com pés de lã para a discussão na especialidade, o impacto orçamental da proposta torna-se relevante e os socialistas ainda estão a ponderar se avançarão com ela. Também ainda mantêm tudo em aberto sobre o que farão caso o PCP ou o BE venham a entrar com pedidos de alteração no sentido daquilo que propunha.
Ao que o Observador apurou, a decisão ainda não está fechada, mas a linha definida pelo partido para a especialidade pode deixá-la na gaveta. Esta quarta-feira, Pedro Nuno Santos disse que “não serão feitas alterações de fundo” pelo PS durante a discussão e votação na especialidade e que o partido vai cumprir com o saldo orçamental nos 0,3% do PIB definido pelo Governo.
O compromisso vai exigir uma avaliação precisa das propostas de alteração a avançarem na especialidade. “Vai haver uma ou outra situação complexa. O PS não vai estar totalmente solto, mas também não estará propriamente preso”, descreve um dirigente referindo-se às proclamações de um PS “livre” para a especialidade que têm vindo do partido. “Estamos livres mas dentro da margem orçamental”, acrescenta a mesma fonte.
A intervenção do PS será “cirúrgica”, nas palavras do próprio líder, e a pretensão não é substituir o Orçamento do Governo que o líder socialista voltou a classificar de “mau”. E isso significa que o partido avançará apenas com propostas de alteração em que consiga ter a certeza que não vão pôr em causa o excedente previsto pelo Governo, segundo apurou o Observador. Um dos exemplos avançados é o que pode ser feito com a proposta para a exclusividade dos médicos, que constava num dos documentos de negociação com o Governo.
Nessa altura, Pedro Nuno colocava-a como a terceira medida para substituir o modelo IRS Jovem que o Governo queria implementar. Contabilizava que custasse 200 milhões de euros, mas não dizia nada mais de concreto do que propor a negociação com os médicos de “um regime de exclusividade no SNS, de adesão voluntária, que seja suficientemente generoso, de forma a reter e atrair profissionais para o SNS”. É possível avançar com uma proposta de alteração que comprometa o Governo com a negociação mas sem impor um modelo e respetivos custos, por exemplo.
A definição da estratégia socialista para a especialidade ainda está, nesta altura, por fechar, A própria direção da bancada parlamentar deixou, esta quinta-feira, essa discussão só para a reunião da próxima semana.