Os capítulos estavam à vista de todos, ninguém imaginava que tudo se tornasse quase numa novela em que por cada episódio que se encerra surgem mais dois em aberto. Porquê? Nada parecia “real”. Elementos do Manchester United sondaram representantes de Rúben Amorim ainda antes do despedimento de Erik ten Hag para tomarem conhecimento das condições de uma possível contratação. Frederico Varandas propôs a Rúben Amorim a renovação do atual vínculo válido até junho de 2026 mas a hipótese nunca avançou além disso. Ninguém estava especialmente pensativo ou preocupado porque o treinador neerlandês parecia ter sete vidas na passagem por Old Trafford e havia essa ideia em Alvalade de que seria quase impossível ter a atual equipa técnica por mais do que um ano e meio. No entanto, uma primeira peça caiu. Qual dominó, foi sempre provocando uma lógica de causa-efeito. Apenas em 48 horas, tudo mudara e de forma radical.

Fim de linha à vista? Manchester United veio com tudo a Lisboa, decisão está nas mãos de Amorim e Sporting já tem sucessor perfilado

Quando falava na antecâmara do encontro com o Nacional para a Taça da Liga, onde não quis abordar uma pergunta sobre o futuro dizendo apenas que estava muito orgulhoso de treinar o Sporting, as negociações iam decorrendo de forma célere. Houve um pormenor que fez a diferença na escolha de Rúben Amorim e onde o agente Pini Zahavi foi determinante: o Manchester United quis fazer uma jogada de antecipação ao seu rival City, acreditando que o português poderia seguir com Hugo Viana no final da época para o Etihad Stadium (o que estava longe de ser uma possibilidade real). Raúl Costa, agente do ainda técnico do Sporting, foi falando com o CEO do Manchester United, Omar Berrada, e o diretor desportivo dos red devils, Dan Ashworth, e, num cenário de mudança, os traços gerais de um acordo foram sendo desenhados. Faltava o “resto”.

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Com um contrato até junho de 2027 e um ordenado que é mais do dobro do que aufere agora em Alvalade (oito milhões líquidos por temporada), essa parte foi das primeiras a encontrar um bom porto. Mais: o plano desportivo previa uma transição até ao final da época em que não seriam exigidos grandes resultados ao treinador a não ser a melhor preparação para aquilo que se pretendia a partir de 2025/26, num contexto que tinha pontos de semelhança com o cenário encontrado em 2020 quando chegou aos leões. O pagamento dos dez milhões de euros da cláusula de rescisão prevista no vínculo para um “clube de topo” também não era um entrave para os responsáveis do United, que estavam apostados em resolver da forma mais célere possível a situação. Nesse caso, a decisão estava apenas nas mãos do técnico. Depois, ganhou outros contornos.

“O Manchester United manifestou interesse em contratar o treinador Rúben Amorim, tendo o Conselho de Administração da Sporting SAD remetido para os termos e condições previstos no contrato de trabalho em vigor entre a Sociedade e o treinador, em concreto para a respetiva cláusula de rescisão e para o valor de dez milhões de euros”, anunciaram os leões à CMVM. “O Manchester United manifestou interesse em pagar à Sporting SAD o valor da referida cláusula”, acrescentaram. Os dois parágrafos deixavam a história a metade: 1) o treinador já tinha decidido rumar a Inglaterra; 2) nem tudo seriam facilidades para se libertar do vínculo com a formação verde e branco. É neste ponto que o processo está “congelado”, sendo cada vez mais provável que Rúben Amorim faça não só o jogo com o Estrela da Amadora como com o City e o Sp. Braga.

Sporting diz à CMVM que United “mostra interesse em pagar cláusula”. Escolha é do técnico que já decidiu: vai para Manchester

Assim como existe uma cláusula de rescisão também existe um prazo para que a mesma seja cumprida. É aí que o Sporting tem apostado: havendo um período de 30 dias caso não tinha sido feito qualquer pré-aviso da ativação da cláusula, não existe uma obrigatoriedade de aceitar uma saída imediata como era pretendido pelo Manchester United. Aliás, as próprias notícias que davam conta de que Amorim já poderia estar no banco do conjunto inglês no domingo frente ao Chelsea foram mais um motivo para travar essa celeridade. Como em tudo neste processo, o timing teve um enorme peso: se tudo isto estivesse a acontecer no final da época, quaisquer que fossem os resultados da equipa, ficaria o vazio pela saída mas tudo seria tratado de forma mais “cordial”; assim, a meio da época e apanhando tudo e todos de surpresa, o Sporting quis marcar uma posição.

Há notícias não confirmadas pelo Observador que dão conta de uma proposta do Manchester United acima dos dez milhões de euros para resolver de imediato a questão e também do pedido de mais alguns milhões para que alguns dos adjuntos da atual equipa técnica de Amorim pudessem rescindir o seu vínculo com os leões (os dez milhões dizem respeito apenas à cláusula do treinador principal). Com ou sem isso, existem três razões para a posição de força de Frederico Varandas, presidente do clube e da SAD leonina, algo que nem mesmo a presença em Lisboa de representantes ingleses alterou – pelo menos nesta fase.

Ponto 1: o futebol não escolhe datas e vive do momento mas o Sporting não só está embalado numa época que tem todos os condimentos para lutar pelo bicampeonato entre uma boa campanha europeia como se encontra nesta fase com a emissão de um empréstimo obrigacionista em curso, que subiu de 30 para 40 milhões de euros (e para se ter noção do impacto das notícias, houve uma quebra de 3% em Bolsa dos leões entre todas as notícias do interesse do United e o comunicado à CMVM). Ponto 2: existe o receio interno de que o “ataque” do clube inglês não fique apenas por Amorim e restante equipa técnica e se possa estender a outros departamentos que foram decisivos no ressurgimento do Sporting, quase como se fosse feita uma OPA não ao treinador mas a toda o projeto desportivo, ganhando assim tempo para tentar travar essa hipótese. Ponto 3: Varandas quer dar um sinal para dentro da sua liderança, como que recordando por ações que o Sporting está acima de tudo e todos e os seus interesses devem sobrepor-se a tudo o resto.

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Foi neste contexto que se ficou a perceber esta quarta-feira que, a não ser que o Manchester United fizesse uma movimentação surpresa, Amorim iria ficar no comando do Sporting até à próxima paragem para seleções, fazendo assim os encontros com o Estrela da Amadora, o Manchester City e o Sp. Braga, que coincide com uma jornada que terá um clássico entre o FC Porto e o Benfica. Foi isso que ficou acertado sem acordo fechado entre todas as partes, com uma “vitória” para todos os lados. Da parte dos ingleses, não se demorou a perceber que os leões não iriam facilitar em nada um acordo que antecipasse a chegada do técnico e respetivos adjuntos, começando a fechar uma negociação que não está concluída mas que além de Amorim levará pelo menos Carlos Fernandes, Adélio Cândido e muito provavelmente Paulo Barreira (daí que os 11 milhões ventilados possam não ser definitivos). Já a estrutura leonina parece menos “inquieta” com a possibilidade de haver mais saídas noutros departamentos, nomeadamente no scouting.

O anúncio do acordo final pode estar para muito breve. Com isso, e apesar desses três jogos finais, tudo ficará mais “sereno”. Rúben Amorim vai para o Manchester United, num contrato que será válido por duas temporadas e meia (mais uma época de opção por acordo mútuo), João Pereira será o nome que se segue no comando do Sporting, o foco em Alvalade passa pelos encontros do Campeonato com a receção ao campeão inglês pelo meio na Liga dos Campeões. Com um “pormenor”: tudo será diferente a partir daqui.

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Depois de um fim de semana que não tinha sido propriamente fácil no balneário leonino após a confirmação da lesão grave de Nuno Santos, numa ausência com peso não só num plano desportivo mas também pelo que representa em termos internos (subindo nesta época à hierarquia de capitães), as notícias que davam conta de uma hipotética saída de Rúben Amorim foram mexendo com todos os elementos ligados ao futebol verde e branco. Por não haver estágio antes do encontro com o Nacional, foi no própria dia, terça-feira, que surgiu o contacto inicial após o “terramoto”. Não foi fácil. Após a partida com os insulares o treinador falou numa conversa para “tirar o elefante da sala” mas representou mais do que isso num ambiente “pesado”.

Nenhum jogador gostou de saber que Rúben Amorim iria sair quando tudo tinha sido preparado para ter uma espécie de Last Dance no Sporting com o plantel mais à sua imagem desde que assumiu o comando dos verde e brancos em março de 2020. Depois, a diferença teve a ver com a forma como cada um manifestou esse sentimento. Houve quem ficasse em silêncio, houve quem não escondesse alguma emoção, houve quem não se coibisse de manifestar o desagrado. Com esses, não sendo os únicos, o treinador foi tendo conversas individuais, à parte. A todos eles, entre quem não entendia o timing da saída e quem recordasse que na altura em que podia também ter dado o salto não foi “autorizado” a tal a pedido a não ser pela cláusula, Amorim foi explicando que se tratava de uma decisão difícil, pessoal e um convite que tão cedo não voltaria.

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Nem tudo seguiu as habituais rotinas num treino de recuperação pós-jogo como o desta quarta-feira, em Alcochete, onde só metade do grupo esteve a 100% no relvado. O ambiente está longe da normalização mas começam a ser definidos novos focos a projetar um futuro que terá João Pereira (algo que no plano interno já todos sabem) no comando. Hjulmand, mais uma vez, voltou a mostrar o porquê de ter sido eleito capitão de equipa depois da saída de Sebastian Coates, dando o mote para que o grupo avance para o passo seguinte com a saída de Rúben Amorim. Outro dos pontos comentados é que essa reação também só existiu porque o técnico sempre teve uma liderança próxima dos jogadores ao longo dos quatro anos e meio que passou no Sporting, com tudo o que isso tem de bom nos momentos chave da temporada em que é necessário apelar mais à parte mental dos jogadores e tem de mau quando existem cisões como a que a saída provocou.

Também Frederico Varandas não gostou da forma como tudo foi decorrendo. Apesar de ter havido fases em que o relacionamento com Rúben Amorim esfriou, sendo os dias que se seguiram à venda de Matheus Nunes exemplo paradigmático de um episódio que afastou as partes, a ligação entre presidente e técnico do Sporting com Hugo Viana pelo meio foi boa. Agora, mudou. Ao contrário do que aconteceu com o diretor desportivo, num processo que acompanhou desde início em estreita ligação com o Manchester City (a ponto de ter um novo organograma fechado quando confirmou a saída de Viana), o líder verde e branco nunca ponderou de forma real o cenário de saída a meio de uma época preparada com o mercado mais estável dos últimos anos para a conquista do bicampeonato, que seria quase o ponto final a coroar o fim de um ciclo histórico.

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É nesse sentido que surge João Pereira. Elogiado pelo próprio Rúben Amorim e visto há muito por Varandas como um potencial sucessor da atual equipa técnica, o treinador da equipa B, que na última temporada trabalhou com os Sub-23, foi sendo preparado num plano interno para subir na altura em que Amorim saísse para cumprir o desejo de ter uma primeira experiência no estrangeiro (em particular em Inglaterra, a liga para onde olhou com particular atenção). Por isso, e no atual contexto, a única dúvida seria apenas perceber se João Pereira estaria preparado ou se poderia haver uma solução de transição até esse momento. A opção inicial imperou, com o ex-lateral a ter elementos da atual equipa técnica a seu lado (até dezembro, quando vai receber o diploma do novo nível de treinador, será Tiago Teixeira como “principal”). Luís Neto, antigo capitão que saiu no verão mas mantém ligação próxima ao plantel, pode também regressar ao clube.

Ao final da noite, em mais um capítulo de uma saída que se tornou novela, Dave Brailsford, chefe da INEOS que é o braço direito do novo proprietário do Manchester United, Jim Ratcliffe, referiu com a lacónica frase “It’s done, it’s done” que o negócio de Rúben Amorim estava fechado. Minutos depois, fonte do próprio Sporting desmentia a ideia. Por um lado, e indo pelo mais direto e óbvio, não houve qualquer pagamento da cláusula de dez milhões de euros do treinador principal. Por outro, as próprias negociações tendo em conta a saída de mais elementos da equipa técnica para a formação inglesa também decorrem, sendo certo que os leões irão receber mais de um milhão de euros além dos dez milhões de Amorim. Quer isso dizer que o negócio pode estar em causa? Não. Mas ninguém prescinde de ter a sua posição de força em todo o caso.