Kemi Badenoch venceu as eleições internas e vai ser a próxima líder do Partido Conservador do Reino Unido sucessora de Rishi Sunak. Faz parte da ala direita dos tories, promete uma mudança no partido, um “reiniciar as políticas”, e colocará no centro da agenda as críticas ao multiculturalismo e ao discurso woke, sendo também adepta da redução da imigração e dos impostos.
É a quarta mulher a liderar o Partido Conservador, a seguir a Margaret Thatcher, de quem é fã, Theresa May e Liz Truss. E é a primeira mulher negra no cargo. Chega à liderança dos tories num momento difícil para o partido, depois de uma estrondosa derrota nas eleições, que levaram a uma queda abrupta do número de deputados e à demissão de Sunak.
No discurso de vitória mostrou que pretende mudar o rumo dos conservadores, que acusou de se terem liberalizado e também de terem governado à esquerda nos últimos anos. “Para sermos ouvidos, temos de ser honestos. Honestos quanto ao facto de termos cometidos erros. Chegou o tempo de dizer a verdade, de defender os nossos princípios, de planear o nosso futuro, de reiniciar as nossas políticas e o nosso pensamento, e de dar ao nosso partido e ao nosso país um novo e merecido começo. É tempo do pôr mãos à obra. É tempo de renovar”, disse no discurso de vitória.
Nas histórias agora recordadas pela imprensa britânica, destaque para uma assumida pela própria Badenoch e que se passou nos anos 2000, quando entrou ilegalmente no site do parlamento da deputada trabalhista Harriet Harman para “alterar algumas coisas e dizer coisas boas sobre os conservadores”, como contou mais tarde. Apesar de ter chegado a desvalorizar a ação e a compará-la com uma multa por excesso de velocidade, reconheceu que atualmente, sendo deputada, é “muito menos engraçado”.
A ascensão de Badenoch, defensora do Brexit, foi considerada fulgurante, nomeadamente pela qualidade que teve em cargos no governo britânico nos últimos anos.
Da família de classe média na Nigéria a “virar hambúrgueres” no McDonald’s
Kemi Badenoch é filha de pais nigerianos e nasceu em 1980 no Reino Unido, em Wimbledon. A agora nova líder dos tories nasceu numa família de classe média, chegou a contar que os pais tinham “carro e motorista” na Nigéria. E pagaram até o seu nascimento num hospital privado no Reino Unido, para onde viajaram para que filha e mãe tivessem uma melhor assistência, neste caso privada.
A mãe, Feyi Adegoke, era professora de Fisiologia, e o pai, Femi Adegoke, era médico, e apesar de ter nascido perto de Londres, Badenoch regressou à Nigéria, a Lagos, onde viveu durante a infância e parte da adolescência. Saiu definitivamente do país aos 16 anos, tendo regressado ao Reino Unido, à procura de “um futuro melhor”. Chegou com apenas 100 libras, viveu com uma amiga da mãe e estudou numa escola no sul da capital. Conta que limpou casas de banho e “virou hambúrgueres” no McDonald’s e chegou a dizer: “Tornei-me da classe trabalhadora quando tinha 16 anos, ao trabalhar no McDonald’s” — uma declaração que a levou a críticas de deputados trabalhistas.
No currículo profissional conta com uma licenciatura na Universidade de Sussex, em Engenharia Informática, e um mestrado em Engenharia. Foi aí que, recordou numa entrevista à The Spectator, se cruzou com jovens de esquerda que descreveu como “crianças brancas da esquerda estúpida”.
Trabalhou em consultoria informática, passou pelo Royal Bank of Scotland e pelo Coutts Private Bank. Mais tarde, depois de ingressar na carreira política e já com 25 anos, resolveu voltar à faculdade para se licenciar em Direito.
Na política, assumiu-se como uma fã de Margaret Thatcher, e, recorda a Sky News, acabou por seguir as suas pisadas também na vida pessoal, ao ter conhecido o marido quando era candidata ao parlamento britânico. Casou-se com Hamish Badenoch, e têm três filhos.
A disputa após desastre nas eleições
A deputada de 44 anos venceu Robert Jenrick, numa disputa que demorou várias semanas. O resultado final dá conta de que Badenoch conquistou 53.806 votos, enquanto Jenrick conseguiu 41.388.
Rishi Sunak demitiu-se da liderança do Partido Conservador no dia 5 de julho, na sequência dos resultados eleitorais e da derrota pesada para o partido. Na altura revelou que ficaria até que fosse encontrado um sucessor e defendeu que o partido se devia conseguir “reconstruir-se” e constituir-se como uma força eficaz da oposição.
A saída do ex-primeiro-ministro da liderança do partido levou a uma luta interna que começou com uma lista inicial de seis candidatos, na qual o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros James Cleverly era considerado o favorito. Depois de uma votação realizada pelo grupo parlamentar acabaram selecionados os dois finalistas, Badenoch e Jenrick, tendo sido afastado aquele que era visto como o favorito ao cargo.
Kemi Badenoch chegou à Câmara dos Comuns em 2017 e passou por vários cargos no governo britânico nos últimos anos de governação conservadora, destacando-se o facto de ter sido ministra do Comércio Internacional durante a curta governação de Liz Truss, cargo que manteve quando Rishi Sunak substituiu a antiga primeira-ministra. Mais tarde, foi também secretária de Estado das Mulheres e da Igualdade e ministra do Comércio e das Empresas.
Kemi Badenoch já tinha sido candidata à liderança do Partido Conservador, altura em que Rishi Sunak acabou por chegar a líder dos tories, com a nova líder a ser eliminada na quarta ronda das eleições internas.
Luta a dois entre ala mais à direita dos tories
Tanto Badenoch como Jenrick são considerados representantes da ala mais à direita dos tories (conservadores), crítica do multiculturalismo, do discurso woke, adepta da redução da imigração e dos impostos. Kemi Badenoch defende um regresso aos valores conservadores, acusando o partido de se ter tornado mais “liberal” em questões sociais como o género e de ter “governado à esquerda”.
“Vi o sistema por dentro e o sistema está falido”, proclamou no Congresso dos Conservadores, no início de outubro, propondo-se a “reconfigurar, relançar e reprogramar” o Estado britânico.
Algumas das posições causaram polémica, como quando, no final de setembro, declarou que o pagamento da licença de maternidade era “excessivo” ou quando afirmou ao ao jornal Sunday Telegraph que “nem todas as culturas são iguais”.
Esta tendência de fazer comentários impulsivamente é considerada uma fraqueza pelos críticos, enquanto os admiradores elogiam a capacidade argumentativa e um pensamento crítico estimulante. Antes de entrar para a política, esta engenheira de formação trabalhou nos setores bancário e informático.