“O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”. O provérbio popular foi invocado por Nuno Ribeiro da Silva, especialista em energia e antigo presidente da Endesa Portugal, que foi o escolhido pelo Governo para ‘endireitar’ o que ‘nasceu torto’. Que, neste caso, é o modelo de concurso para a rede de baixa tensão para distribuir eletricidade.
Estas concessões estão divididas por 278 municípios e são quase todas exploradas pelo grupo EDP, através da E-Redes. O prazo de concessão já terminou na maioria destes contratos, que têm vindo a ser prolongados dadas as grandes dificuldades em encontrar um modelo consensual para realizar um novo concurso.
Esse modelo é “extremamente difícil de encontrar”, reconheceu Nuno Ribeiro da Silva durante a conferência de energias renováveis promovida pela APREN (Associação Portuguesa de Empresas de Energia Renovável), até porque há aspetos técnicos, económicos e políticos que têm impacto no desenho do mesmo, que já teve várias versões. Ribeiro da Silva foi nomeado presidente da Comissão de Coordenação para a Baixa Tensão, um grupo de trabalho a quem compete propor as novas linhas orientadoras para o lançamento do processo de concurso. Esta iniciativa da ministra do Ambiente, Maria da Graça Carvalho, já assumia que o prazo de julho de 2025 apontado pelo anterior Governo não ia ser cumprido.
Governo deixa prontas regras para concurso nacional de concessão da rede elétrica
Em declarações aos jornalistas, à margem da conferência, o gestor esclareceu que é a principal parte interessada, a Associação Nacional de Municípios (ANMP) que reconhece que o período pré-eleitoral e eleitoral é “uma má altura” para o lançamento. “Não faz sentido” a discussão quando o foco é sobre quem vai ser presidente da Câmara. As eleições autárquicas estão agendadas para 25 de setembro de 2025.
Apesar de mais um compasso de espera, o líder do grupo de trabalho espera cumprir o prazo (15 de dezembro) para finalizar as propostas do grupo que vão assinalar as dificuldades que este processo encerra. Para além da discussão dos modelos passados — e já houve propostas para ser posto a concurso um lote nacional, três ou até oito lotes — há que incorporar no modelo as novas exigências técnicas e de capacidade para as redes de baixa tensão poderem cumprir os desígnios da transição energética, mas também da transição digital e de cibersegurança.
Durante a conferência da APREN, o presidente da E-Redes, José Ferrari Careto, alertou para a necessidade do grande reforço de investimento nas redes de baixa tensão, admitindo que o próximo plano a apresentar pela empresa considera um aumento de 50% face aos valores do plano anterior — o plano de investimento e desenvolvimento da rede de distribuição previa mais de 500 milhões de euros a cinco anos. Para além de responder ao enorme aumento do consumo previsto com a eletrificação da economia, as novas redes terão de responder às exigências da produção descentralizada, da mobilidade elétrica e das comunidades de energia.
Nuno Ribeiro da Silva concorda que “estamos a falar de investimentos enormes” que representam uma mudança qualitativa das redes elétricas e, por isso, pode ser necessário mais tempo do que os 20 anos de concessão agora previstos para amortizar esse investimento.
Ferrari Careto alertou ainda para o risco de separar a operação da baixa tensão (concessão dos municípios) da concessão da média tensão, dois níveis que atualmente estão concentrados na mesma empresa — a E-Redes. Este modelo único na Europa permite ao sistema ser muito mais eficiente e a separação trará novos custos e será menos eficiente, avisou.
Ribeiro da Silva lembra que em Espanha, são as elétricas que exploram as redes de baixa tensão e as concessões são vitalícias. Mas em Portugal, estas concessões são uma importante fonte de receita dos municípios que cobram anualmente uma renda que depois é passada para as tarifas pagas pelos consumidores.
Garantindo que não vai deitar nada fora do trabalho já feito no passado, o presidente da comissão deixa contudo a garantia de que é inquestionável manter a unidade tarifária em todo o território. “É um requisito crítico” não entrar no modelo que é usado no abastecimento de água onde cada município decide o que cobra, com grandes assimetrias regionais.