O tempo transforma-nos — por fora e por dentro. Todo o corpo envelhece e o sistema imunitário não escapa à regra. O fenómeno tem um nome, imunossenescência e, em termos simples, significa que o sistema fica velho, cansado e perde eficácia. E torna-se assim menos capaz de desempenhar as suas várias funções: reconhecer e não atacar as células do corpo (função sem a qual surgem doenças autoimunes), controlar o crescimento de células anormais (que, caso contrário, podem evoluir para cancro) e combater os vírus e bactérias que causam infeções.
As pessoas mais idosas são mais vulneráveis a vírus e bactérias por esta razão: porque o seu sistema imunitário é menos competente para as combater. É por isso que contrair uma gripe aos 80 anos pode ter consequências graves ou mesmo fatais. E é também por isso que a resposta à vacinação entre os idosos não é tão eficaz.
No Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da Universidade do Porto, Nuno Alves está a tentar mudar tudo isso. O cientista, licenciado em Biologia pela Universidade do Porto, doutorado em Imunologia no Academical Medical Center da Universidade de Amesterdãotem e com um pós-doutoramento no Instituto Pasteur em Paris, regressou ao Porto onde integrou o Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC, atualmente integrado no i3s). E é lá que lidera, desde 2014, o grupo de investigação em Desenvolvimento e Função de Linfócitos, onde tem estudado o timo — a glândula essencial para o sistema imunitário, localizada no centro do peito, entre os pulmões e à frente do coração. E interessa-se, em particular, pelo papel deste órgão na “educação” dos linfócitos T, um tipo de glóbulos brancos que desempenha um papel importante na defesa do corpo.
Potencialmente há mais células T diferentes no nosso corpo do que estrelas na Via Láctea”, diz o investigador de 47 anos. E apesar de serem do mesmo tipo, não são todas iguais: desenvolvem especificidades que lhes permitem reconhecer diferentes tipos de ameaças, numa imensa diversidade. “Elas são a chave da especificidade da resposta imunitária: sem elas somos imunodeficientes.”
Isso significa que, quando há uma infeção, apenas um pequeno grupo destas células atua: “Se for uma infeção por Sars-CoV-2 é um grupo de células T que responde. Se houver uma infeção pelo vírus da gripe, responde outro grupo, se for uma bactéria responde outro conjunto delas.”
À medida que envelhecemos, o timo diminui de tamanho, há uma redução na quantidade e diversidade de células T e, após muitos anos de pressão imunológica, verifica-se também um desgaste. O que Nuno Alves está a tentar perceber com este projeto — que estuda os mecanismos moleculares que regulam a produção de linfócitos T e suas implicações na resposta imunitária — é como alterar isso. “Estamos a tentar encontrar formas de rejuvenescer o timo e a sua função, de forma a produzir células T com uma determinada especificidade.”
Este desenvolvimento das células T no timo “depende do micro-ambiente específico fornecido pelo órgão”, micro-ambiente esse que é proporcionado pelas chamadas células epiteliais tímicas (TECs).
Em estudos anteriores, a equipa de Nuno Alves descobriu uma proteína, a LAMP2, que existe nestas células epiteliais e é essencial para o desenvolvimento das células T no timo. Ou seja, a ausência da proteína LAMP2, afecta a produção de células T, o que diminui a resposta imune.
Neste projeto, o cientista está a usar uma nova tecnologia que permite identificar e eliminar esta proteína no timo de ratinhos geneticamente modificados. O objetivo é desvendar o mecanismo, ainda desconhecido, que leva ao desenvolvimento deste linfócitos T imunologicamente competentes que tanta falta nos fazem na velhice.
“Estes conhecimentos podem ser utilizados para o desenvolvimento de imunoterapias, tanto para tratamento de doenças infecciosas, como de imunodeficiências ou tumores.” Estas descobertas também podem vir a ter um papel importante na Doença de Danon, uma condição genética rara, que afeta principalmente o coração e os músculos, causada por uma mutação no gene LAMP2.
Por detrás de cada descoberta — das que já fez e das que espera vir a fazer — está uma trajetória de aprendizagem que, em parte, foi sendo moldada por algumas pessoas importantes, já que todos precisamos de mentores e figuras de referência.
Destaca, desde logo, o seu treinador de andebol, Rolando Freitas, que o acompanhou dos 10 aos 18 anos e ajudou a moldar o espírito competitivo, que hoje se mantém. Também a professora Maria de Sousa, cientista e imunologista, fundadora do Programa Graduado em Biologia Básica e Aplicada (GABBA), que o levou a ser um pouco menos introvertido e mais aberto à partilha e à discussão. E, finalmente, o professor René van Lier, orientador da sua tese de doutoramento, na Universidade de Amesterdão, que permanece, passados 15 anos, uma referência a nível de valores científicos e excelência académica.
Agora que é professor e orienta alunos, também Nuno Alves tenta ser uma referência para os mais novos. E, se há coisa em que insiste, é no valor do esforço. “Tento passar-lhes que qualquer sucesso que tenhamos hoje, resulta do que fizemos no passado. É importante pensar no futuro, mas lembrando que ele depende do que fizemos hoje, do esforço que é feito no presente. É necessária muita resiliência e perseverança para ser investigador.”
Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. O projeto liderado por Nuno Alves do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), da Universidade do Porto, foi um dos selecionados para financiamento pela fundação sediada em Barcelona em colaboração com a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), ao abrigo da edição de 2023 do programa de bolsas de CaixaResearch de Investigação em Saúde. O investigador recebeu 499 mil euros para desenvolver o projeto ao longo de três anos. As bolsas CaixaResearch de Investigação em Saúde promovem iniciativas investigação em biomedicina e saúde. As candidaturas à edição de 2025 terminam a 20 de novembro de 2024.