Portugal é apontado como um destino atrativo para quem procura energia renovável a preços baixos, mas a morosidade e os obstáculos de licenciamento estão a deixar alguns promotores à beira de um ataque de nervos. Sobretudo quando é o mesmo Estado que quer acelerar os projetos que também os trava.
No rescaldo de três projetos para barragens localizadas no Parque da Peneda-Gerês chumbados na fase da avaliação ambiental (dois da Finerge e um da EDP), o presidente da Finerge fez o alerta: “Ninguém vem instalar-se aqui com todas as dificuldades de licenciamento”. O desabafo de Pedro Norton foi feito durante um debate sobre os grandes desafios das energias renováveis realizado no quadro da conferência promovida pela APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis) a 4 e 5 de novembro em Lisboa.
EDP, Endesa, Finerge e Voltalia ganham solar flutuante nas barragens
A Finerge, que é um dos principais produtores de energia renovável em Portugal, ganhou três lotes no concurso para a atribuição de potência solar flutuante em várias barragens, realizado em 2022. O promotor iniciou o processo de licenciamento e no espaço de poucas semanas viu dois dos projetos que ganhou em leilão serem chumbados pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) “com base na localização do projeto”.
E este local — o Parque Nacional Peneda-Gerês — “foi a única coisa que não decidimos”. Foi o Estado que decidiu e colocou a leilão, perguntando quem dá mais. Mas após a atribuição da ligação à rede elétrica, é o “mesmo Estado que decidiu que ali não dá. Haverá exemplo mais ilustrativo do que é a imprevisibilidade do licenciamento?” Pergunta retórica que o próprio gestor responde: “Não nos serve de nada termos as melhores leis e regulamentos se depois há imprevisibilidade dos agentes na sua aplicação”.
No painel anterior da mesma conferência, protagonizado pelas entidades de licenciamento ambiental, ficou por responder (por falta de tempo) uma pergunta dirigida ao presidente do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) sobre o fundamento legal destes pareceres negativos que foram decisivos na pronúncia desfavorável da APA.
Questionado pelo Observador depois do debate, o presidente do ICNF, Nuno Banza, explicou que o instituto não tinha alternativa nestes casos a não ser seguir o quadro legal e dar um parecer negativo. Esse parecer é o principal fundamento da avaliação desfavorável emitida pela APA às duas centrais da Finerge. Para o ICNF, a instalação de centrais solares flutuantes nas barragens da Paradela e Salomonde vai contra o Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês, o qual permite apenas intervenções nos aproveitamentos já existentes.
Sobre o facto de as áreas que foram colocadas a concurso nas referidas barragens terem sido pré-sinalizadas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para esse efeito, Nuno Banza afirma que o ICNF não foi consultado previamente sobre a escolha das áreas/barragens que foram selecionadas pelo Estado para receber estes projetos atribuídos via concurso.
Segundo o ex-secretário de Estado da Energia que estava na pasta quando foram lançados este concursos, João Galamba, foi a própria APA quem escolheu as barragens a incluir no leilão de 2022, quem definiu os lotes e quem elaborou os cadernos de encargos do leilão. O chumbo da APA a estes dois projetos foi duramente criticado por Galamba em publicações no Linkedin.
O concurso envolveu a adjudicação de direitos de utilização privativa de recursos hídricos e de reserva de capacidade de injeção na rede elétrica, tendo sido da responsabilidade da Agência Portuguesa do Ambiente e da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG). Estes dois organismos são tutelados pelo Ministério do Ambiente e Energia, tal como é o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas. A Finerge ainda está a avaliar quais os próximos passos a tomar perante o chumbo ambiental.
Num esclarecimento já feito a propósito do tema, a APA explica que apesar de ser a autoridade competente para a emissão da DIA (Declaração de Impacte Ambental), “esta decisão encontra-se vinculada às decisões e pareceres setoriais emitidos em sede do procedimento de AIA [Avaliação de Impacte Ambiental], no caso em particular, ao parecer emitido pelo ICNF, autoridade nacional de conservação da natureza e entidade responsável pela gestão do Parque Nacional da Peneda-Gerês e pela aplicação do respetivo Plano de Ordenamento”.
Segundo a DIA, o parecer desfavorável do ICNF baseia-se na constatação de que o projeto constitui atividade interdita, nos termos do dispostos alínea d) do artigo 7.º do Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-A/2011, de 4 de fevereiro e retificado pela Declaração de Retificação n.º 10-A/2011, de 5 de abril. Esta interdição aplica-se à instalação de infraestruturas de produção de energia elétrica, exceto, no caso de recursos hídricos ou eólicos, em sistema de microprodução ou, no caso de recursos hídricos, no troço já artificializado do rio Cávado que constitui limite administrativo do Parque Nacional da Peneda-Gerês.
Os painéis fotovoltaicos seriam instalados numa albufeira criada para a exploração hidroelétrica, o que para as entidades que lançaram o concurso encaixava na exceção prevista no plano do parque. A compatibilidade entre as centrais chumbadas e o referido quadro legal que gere o parque natural foi sublinhada já ao final de quarta-feira pelo ex-secretário de Estado numa publicação no linkedin onde questiona a legalidade do parecer negativo do ICNF.
A decisão ambiental indica também “que dos resultados das consultas promovidas no âmbito do presente procedimento de AIA, os quais evidenciam uma clara oposição à implantação do projeto, considerando que o mesmo deveria ter sido liminarmente reprovado dada a sua sobreposição com o Parque Nacional da Peneda-Gerês, com a Zona Especial de Conservação Peneda-Gerês (PTCON0001), com a Reserva da Biosfera Transfronteiriça GerêsXurés e com os Corredores Ecológicos de ‘Entre Douro e Minho’ – ‘Gerês’ e ‘Cabreira'”.
Em causa está a instalação e exploração de duas centrais solares flutuantes nos espelhos das barragens da Paradela e Salomonde, nos concelhos de Vieira do Minho e Montalegre, associados a projetos eólicos híbridos.
Durante o debate, o presidente do Instituto da Conservação Natureza e Florestas (ICNF) sublinhou que não faz sentido aprovar pacotes de simplificação das regras de licenciamento de energias renováveis sem ter uma visão transversal e olhar para o sistema como um todo. O que pode exigir mudar legislação noutras áreas e ceder em algumas coisas em nome de um objetivo que seja considerado mais prioritário.
Sem se referir ao caso das centrais, Nuno Banza deu como exemplo a legislação de árvores protegidas como o sobreiro e a azinheira. Um projeto que tenha uma declaração de impacte ambiental (DIA) favorável na qual já foi ouvido o ICNF, mas que envolva o abate destas árvores — o que obriga a medidas de compensação com plantação de novas — tem de voltar a pedir parecer ao ICNF sobre a execução dessas medidas de compensação.
O presidente do ICNF realçou ainda que a maioria dos projetos de energias renováveis são aprovados, só uma minoria é chumbada. E lamentou a existência de narrativas que procuram ridicularizar os processos de avaliação de impacte ambiental, focando-se em aspetos muito pontuais e específicos.
“O técnico do ICNF não vive isolado no mundo. Não está numa bolha sentado à espera de projetos para os chumbar”.
Atualizado às 21.30 do dia 6 de Novembro com reação do ex-secretário de Estado da Energia.