Num artigo de opinião que assina em conjunto com os socialistas José Leitão e Pedro Silva Pereira, António Costa entra pela polémica socialista do momento e vem juntar-se às críticas ao presidente do PS-Lisboa e presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão. “Quando um dirigente socialista ofende gravemente os valores, a identidade e a cultura do PS, não há calculismo taticista que o possa desvalorizar”, consta no artigo publicado no jornal Público esta quarta-feira.
O texto tem como título “Em defesa da honra do PS” e é, em grande parte, dedicado à memória do trabalho feito pela federação socialista da Área Urbana de Lisboa desde a década de 90 em matéria de integração de imigrantes. “Convém lembrar que foi justamente na FAUL, entre os anos de 1990 e 1992, que se começaram a desenhar as primeiras políticas públicas socialistas a favor da integração dos imigrantes, que vieram a inspirar importantes projetos de lei atributivos de direitos, elaborados com a participação ativa das associações de imigrantes”, começam por recordar Costa, Leitão e Silva Pereira que assinam o artigo como “militantes do PS”.
Na origem desta tomada de posição estão as declarações polémicas de Ricardo Leão numa reunião da Câmara de Loures na semana passada onde foi aprovada, com os votos do PS e PSD, uma recomendação do Chega que propunha alterar o regulamento de habitação do município para consagrar a “ordem imediata de despejo” para inquilinos de habitações municipais que participem em tumultos como os que aconteceram nas últimas semanas depois de um morador do bairro do Zambujal, Odair Moniz, ter sido morto a tiro pela polícia. Nessa reunião em Loures, o presidente da câmara socialista defendeu a prática do despejo com declarações fortes que têm sido criticadas pelos socialistas.
Agora, o ex-líder e futuro presidente do Conselho Europeu, António Costa, engrossa a lista de críticas. “Enfrentar o Chega exige firmeza nos princípios e combater as perceções fáceis com a realidade dos factos, o que tem de ser possível num dos países mais seguros do mundo, em que está comprovado que não existe nenhuma relação entre criminalidade e imigração e em que, pelo contrário, a contribuição da imigração para o crescimento económico e para a sustentabilidade do Estado Social é objetivamente reconhecida”, escreve no artigo muito em concreto sobre a posição socialista ao lado do Chega na Câmara.
No artigo são ainda muito diretos sobre o que foi aprovado: “Como é evidente, consagrar em regulamento municipal o despejo forçado dos arrendatários de habitações municipais condenados pela participação em distúrbios na via pública, em jeito de ‘sanções acessórias’ complementares das sanções criminais, além de violar grosseiramente as competências reservadas da Assembleia da República e dos tribunais, iria atingir, de forma manifestamente desproporcionada, o direito fundamental à habitação dos próprios”.
“É uma ideia que ofende os valores, a cultura e a identidade do PS”, reclamam acrescentando que “a identidade do PS foi construída ao longo da sua história de intensos combates políticos, desde sempre ancorados nos valores do humanismo, da liberdade, do Estado de Direito, da igualdade e da justiça social”. Para estes socialistas “esse importante património de valores e, em especial, a tradição humanista marcam de forma particular o legado do Partido Socialista nas políticas públicas de integração dos imigrantes, pelas quais os signatários foram responsáveis em diversas posições e diferentes momentos históricos.”
António Costa foi primeiro-ministro nos últimos oito anos e, no passado, tinha sido também presidente do PS-Lisboa. José Leitão foi alto-comissário para a Imigração e Minorias Étnicas (entre 1996 e2002) e foi presidente da Assembleia Municipal de Lisboa (entre 2019 e 2021). Já Pedro Silva Pereira foi ministro da Presidência entre 2005 e 2011, onde teve a tutela das migrações.
No artigo de opinião, os três socialistas dão vários exemplos do trabalho feito na área da integração de imigrantes, como a lei da nacionalidade, em 2006, a consagração do “direito de acesso ao SNS”, o “direito a prestações sociais como o Rendimento Mínimo Garantido” ou “o direito de acesso à habitação”. Isto além de recordarem a mobilização de “recursos do Plano de Recuperação e Resiliência para financiar importantes investimentos inclusivos nas comunidades desfavorecidas das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, criar uma Bolsa Nacional de alojamentos urgentes e temporários e promover o acesso à habitação, incluindo através das Estratégias Locais de Habitação”.
Esta semana o líder do PS Pedro Nuno Santos veio falar desta polémica pela primeira vez, mantendo a confiança no presidente do PS-Lisboa e presidente da Câmara de Loures. Para Pedro Nuno Santos, “obviamente que este não foi um bom momento da Câmara Municipal de Loures”, mas “todos temos melhores e piores momentos mas isso não nos define, mas sim o trabalho ao longo do tempo e o trabalho do PS e do presidente da Câmara de Loures tem sido muito importante”. “É essa intervenção que o define”, disse.
O tema tem levantado uma onda de críticas no partido, com a líder parlamentar Alexandra Leitão, o ex-ministro da Educação João Costa, o ex-ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita ou o eurodeputado Francisco Assis a manifestarem oposição ao que foi dito pelo líder do PS Lisboa. O desconforto com o que foi dito por um socialista tem corrido o partido do topo até às bases.