No ano passado, Sonsoles Ónega (Madrid, 1977) venceu o prémio Planeta, o mais valioso do mundo em termos monetários (1 milhão de euros). A autora, que chega a Portugal pela primeira vez após o galardão, já tinha escrito alguns romances, um dos quais (Después del amor) vencedor do Prémio Fernando Lara, em 2017. Além de romancista, Ónega é jornalista e apresentadora de televisão. Desde Outubro de 2022, apresenta o programa Y ahora Sonsoles na Antena 3 espanhola.

O romance, pode dizer-se à cabeça, fica aquém da proeminência do prémio, que apresenta características semelhantes às do prémio LeYa português, voltado para a escolha de um inédito, enviado anonimamente. Claro, a sua proeminência vem em grande parte do seu valor, que o torna evidentemente cobiçado. No caso de As Filhas da Criada, percebe-se a priori que a prosa, sendo limpinha, funcional, não tem grandes méritos e a estrutura da narrativa, sendo escorreita, vai ignorando a tónica da tensão. Talvez tudo isso passe ao lado: com o valor referido, o prémio Planeta terá de voltar-se para a comercialização imediata do livro, e isto não pode ser ignorado num cenário em que se cogita se uma certa elevação literária não pode ser considerada um peso, um risco. Daí que seja justo julgar-se que não se premeia um romance literário, antes um produto comercial que tem de obedecer a um interesse de mercado, seja através de uma sinopse que agarre ou de uma forma que não afaste a massa entre os leitores.

Ora, esta ideia de literatura de entretenimento, de história a correr, de forma quase cinematográfica, sem exigir grande esforço ao leitor, fica evidente logo nas primeiras páginas – essas que contam um parto. A prosa é funcional, imagética, sem divagações, e o leitor vê o enredo ao invés de o seguir. Nisso, pouco há a dizer, é como seguir uma receita sem pensar em sobressaltos. A acção do romance começa em 1900, numa casa senhorial da Galiza: dona Inés entra em trabalho de parto, e nasce Catalina, a primeira filha da família. Na mesma noite, nasce Clara, filha de Renata, a guardiã do solar. A narrativa irá acompanhar o percurso das duas, de forma quase paralela. Os Valdés acabam por mudar-se para Cuba, voltando anos mais tarde. Desta vez, Inés está lá com os filhos, assegurando a continuidade dos negócios, sem a ajuda do marido, o que contrasta com a sociedade envolvente, em que não é costume que uma mulher dirija negócios. Logo aqui, começa a sentir-se uma certa estranheza, com personagens um tanto estereotipadas, com textura de folha de papel: as mulheres pendem para o heroísmo, sendo fortes, práticas, pragmáticas; e os homens parecem sempre sombras, e sempre maculadas por cobardia ou vileza. Esta construção dicotómica soa a artifício. Claro, tanta força, de um lado, soa a panfleto, por muito que a história, segundo a autora, até possa ter raízes reais: Inés é perspicaz e tem pedalada, a filha parece ter um talento natural para gerir. Esta perspicácia de Inés cai por terra, a dada altura, de forma artificial, mas já lá vamos.


Título: “As Filhas da Criada”
Autora: Sonsoles Ónega
Tradução: Paulo Ramos

Editora: Planeta
Páginas: 424

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Para já, a forma: grande parte da narrativa compõe-se de discurso directo, regra geral corriqueiro, o que faz com que o leitor se mantenha no seu papel de espectador, sem papel activo na leitura. Os diálogos demoram-se sem grande propósito, parecendo apenas cumprir o propósito de alongarem a leitura, não tendo um papel funcional na acção. Ainda assim, nenhuma personagem tem voz própria, uma vez que os discursos não se distinguem, parecendo haver uma espécie de tábua rasa estilística. Ao mesmo tempo, o narrador, omnisciente, não entra nos fluxos de consciência das personagens, e volta e meia, apesar dessa omnisciência, consegue ter falhas de matéria.

Além disso, por relativamente grande que o romance seja (cerca de 400 páginas), parece haver um intuito, talvez demasiado declarado, de lhe meter dentro todos os temas, de mortes a fracassos, de incestos a viagens, de revelações a segredos. Assim sendo, como tudo desliza, não se garantem os pontos de tensão. A prosa corre de forma quase indiferente, e o leitor vai atrás sem ter de pensar muito. Os ziguezagues no enredo, que aparentam ter o objectivo de surpreender ou agarrar, acabam por aborrecer, porque se torna difícil ao leitor ir mantendo a empatia. A autora toca em vários temas, mas a forma é sempre superficial, estejam em cima da mesa problemas de negócios ou relações amorosas. E, com isso, a ligação entre as personagens e o leitor cai, incluindo no momento em que a perspicácia de Inés parece cair também: perante um segredo que toda a cidade conhece, só ela parece não o saber.

Enquanto tenta criar uma saga familiar, a autora foca-se no enredo, mas o leitor vai sentindo que há um problema de mão, que não há controlo de tensão, que o peso não está posto no sítio certo, que o ritmo não está desenvolvido de forma a garantir baques a quem lê. Ou seja, a narrativa está estruturada de um ponto de vista lógico, sem que lhe faltem peças, mas não o está de forma a manipular de forma eficiente a experiência de leitura. No meio disto, tanto se dá importância a elementos do enredo que não são minimamente operantes na narrativa como se tratam momentos dramáticos de forma rápida, e sem lhe garantir ênfase, o que não só soa a displicência como perde a hipótese de agarrar o leitor. Com isto, pormenores que poderiam levar tensão à narrativa passam como paisagem, como os dois meio-irmãos que são um casal sem saberem do incesto.

À medida que o romance cavalga, o leitor segue à margem de tudo, ali parado, quase sem ter sido tido em conta: não houve, na fonte, quem tentasse manipulá-lo, enganá-lo na hora certa, esclarecê-lo na errada. Sobretudo, não lhe foi dado espaço para interpretar, para ter qualquer papel numa relação dialógica. Por isso, As Filhas da Criada não tem grandes méritos além de ter uma prosa limpa, funcional, no sentido em que não são criados solavancos na composição rítmica das frases ou na construção dos parágrafos.

A autora escreve de acordo com o antigo acordo ortográfico