A carga administrativa, a falta de recursos humanos e as compras centralizadas são as principais barreiras ao acesso de medicamentos apontadas pelos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), segundo um estudo que será divulgado esta sexta-feira.
O Índex Nacional de Acesso ao Medicamento Hospitalar 2024, promovido pela Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), mostra uma maior perceção do peso burocrático, uma situação que o presidente da APAH, Xavier Barreto, diz dever-se à reorganização do SNS em Unidades Locais de Saúde (ULS), que agregam hospitais e cuidados primários.
“Continuamos a ter uma carga burocrática muito elevada, um código de contratação pública que é muito pesado e, este ano, a perceção de que o processo é moroso e burocrático ainda é maior”, disse o responsável, explicando: “os departamentos de compras dos hospitais passaram a integrar também os cuidados primários e, na maior parte dos casos, não houve reforço de meios”.
Xavier Barreto sublinha que há uma enorme falta nos hospitais de profissionais das áreas não clínicas, como os serviços de compras, e insiste numa “grande carência” de farmacêuticos, dizendo que “está a limitar o crescimento de atividades farmacêuticas como a consulta farmacêutica.
“Claramente [a consulta farmacêutica] não tem avançado por falta de profissionais”, afirmou.
Os dados do Índex Nacional de Acesso ao Medicamento Hospitalar 2024 indicam que mais de metade (52%) dos hospitais que responderam dizem ter consulta farmacêutica (contacto organizado e registado com o doente sobre a sua medicação), mas Xavier Barreto lembra que esta ainda abrange poucos doentes.
“Quando vamos um bocadinho mais fundo e tentamos ver quantos pacientes estão a ser seguidos em consulta farmacêutica, o que percebemos é que é um número absolutamente residual”, constatou.
Os hospitais que ainda não têm este tipo de consulta alegam falta de recursos humanos para o fazer.
As unidades hospitalares apontam ainda como essencial a uniformização a nível nacional dos documentos orientadores para os procedimentos da consulta farmacêutica hospitalar.
O Índex Nacional de Acesso ao Medicamento Hospitalar diz que 90% das instituições têm medidas de controlo de despesa com medicamentos, sendo as mais referidas o trabalho sistemático com a Comissão de Farmácia e Terapêutica relativamente aos fármacos mais caros e a substituição automática por Denominação Comum Internacional na farmácia.
A maioria dos hospitais que responderam considera igualmente que um modelo de financiamento que cubra a despesa com esses medicamentos seria um fator facilitador do acesso.
Mais de metade (52%) das instituições dizem ter sofrido no último ano algum tipo de reorganização dos modelos de gestão, sendo que em 93% a reorganização teve impacto na gestão dos medicamentos (gestão e aquisição). Em 62% dos casos a reorganização teve um impacto positivo.
A dispensa de medicamentos em proximidade evoluiu, com 79,3% das instituições a disponibilizarem este serviço (67% em 2022).
Quanto à nova regulamentação da dispensa de medicamentos em proximidade, os hospitais apontam como negativo o facto de ter limitado a tipologia de medicamentos a serem enviados para o domicílio (não abordando critérios por doença, grau de incapacidade ou distância geográfica) e de não estabelecer um “claro circuito” distribuição/transportadora.
Mais de 90% dos hospitais tiveram ruturas de medicamentos mas encontraram alternativas
Mais de 90% dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) tiveram ruturas de medicamentos em 2023, mas conseguiram ultrapassar as dificuldades recorrendo a outras unidades de saúde, alternativas terapêuticas ou pedidos de utilização excecional.
O Índex Nacional de Acesso ao Medicamento Hospitalar 2024, promovido pela Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) e que é divulgado esta sexta-feira, indica que 93,1% dos hospitais considera que as ruturas são “um problema grave que afeta todo o tipo de medicamentos”, mas a maioria tem medidas que mitigam o efeito destas falhas.
Entre as medidas estão a procura de medicamentos em outras instituições hospitalares, os pedidos de Autorização de Utilização Excecional (AUE) para outros fármacos, a solicitação de parecer sobre alternativas terapêuticas à Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica, a elaboração de novos pedidos aos distribuidores e a comunicação com o Infarmed.
“Sempre tivemos uma enorme percentagem de hospitais com ruturas (…) por razões diversas: ou porque há quedas na produção, ou porque há interrupções temporárias da produção de algum medicamento”, disse à Lusa o presidente da APAH, Xavier Barreto, acrescentando que “sempre foram resolvidas”.
Os dados recolhidos dizem que para 37,9% as ruturas afetam essencialmente os medicamentos genéricos e mais de metade (55,1%) diz que abrangem todos os fármacos.
Em quase metade dos hospitais que responderam a rutura acontece diariamente, em 24,1% todas as semanas e em 13,8% é mensal.
Xavier Barreto chamou ainda a atenção para a importância de explicar que as ruturas são resolvidas pelos hospitais para não terem consequências para os doentes.
“Preferíamos não ter [ruturas], pois quando temos obrigamos os profissionais a trabalho adicional, têm de telefonar para colegas de outros hospitais e perguntar se lhes podem emprestar um determinado medicamento até conseguirem comprar, têm que muitas vezes recorrer a alternativas terapêuticas ou outros medicamentos para suprir aquela falha. Mas isto sempre aconteceu”, acrescentou.
O Índex Nacional de Acesso ao Medicamento Hospitalar 2024 foi elaborado com dados recolhidos entre 15 de julho e 30 de setembro nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde e teve 69% de taxa de resposta.
Administradores pedem estratégia para medir resultados dos medicamentos
O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares lamentou esta sexta-feira que Portugal ainda não meça resultados dos medicamentos e pediu ao Governo uma estratégia neste sentido, para se conseguir poupar na despesa com fármacos.
Em declarações à Lusa, Xavier Barreto lembrou que esta medição é fundamental “até para os acordos de partilha e risco” com as farmacêuticas e insistiu que o Governo deve olhar para esta dimensão como uma peça “importante e estratégica para o futuro do Serviço Nacional de Saúde.
O responsável lembrou que a despesa com medicamentos tem “crescido a dois dígitos” e disse que, sem medir os resultados, se está a perder a oportunidade de “escolher os melhores medicamentos”.
“Não estamos a perguntar aos pacientes quais são os resultados dos medicamentos que estamos a utilizar e até, de uma forma mais global, dos tratamentos que lhe vamos fazer. Estamos a perder a oportunidade de definir a forma como tratamos de acordo com o interesse do doente”, afirmou.
Como exemplo, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) aponta o País de Gales, contando que recentemente adotou uma aplicação desenvolvida por uma empresa portuguesa que recolhe resultados reportados pelos doentes.
“O que se espera é que, daqui a alguns anos, com a medição de valor de todos os seus pacientes de todo o Serviço Nacional de Saúde do País de Gales, comecem a ter informações para, por exemplo, comprar medicamentos com base no valor e para pagar aos hospitais com base nos resultados que obtiveram para os seus doentes”, exemplificou.
Xavier Barreto frisa a importância desta medição para se poder comparar e melhorar desempenhos: “Se os mesmos doentes num hospital têm 80% de taxa de cura e no outro só têm 50, se calhar o primeiro hospital está a fazer alguma coisa de melhor e diferente e tem de ser premiado”.
“Esta é uma ideia de cuidados de saúde baseados em valor, com todas as consequências que tem em termos de compras, em termos até do financiamento hospitalar, é uma ideia importante e que nós em Portugal não temos desenvolvido”, lamentou.
O responsável pede ao Governo que “entenda o potencial e importância” dos cuidados de saúde baseados em valor, desenvolvendo uma estratégia específica para colocar esta possibilidade no terreno.
“Isto é importantíssimo num contexto em que, como se sabe, o medicamento hospitalar tem crescido na maior parte dos anos a dois dígitos, acima de 10%. É um problema grave”, acrescentou.
Administradores lembram que farmacêuticos conseguem poupança e evitam ida às urgências
A Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) defendeu esta sexta-feira a necessidade de farmacêuticos nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, sublinhando que estes profissionais, além de conseguirem poupanças no sistema, evitam idas às urgências.
Em declarações à Lusa a propósito do Índex Nacional de Acesso ao Medicamento Hospitalar 2024, que é apresentado esta sexta-feira em Lisboa, o presidente da APAH, Xavier Barreto, destacou o “benefício enorme” da consulta farmacêutica e lembrou que esta ainda abrange poucos doentes e só não está mais desenvolvida por falta de recursos.
“O doente que tem, por exemplo, baixa adesão terapêutica, ou um doente asmático, que não consegue fazer bem aquelas bombas – não faz nos dias que devia e da forma que devia -, ou aquele que não toma os medicamentos para a hipertensão (…), estes doentes precisam de uma consulta farmacêutica”, explicou.
Segundo disse, nestes casos, sem uma consulta destas os problemas dos doentes “vão agudizar”, os doentes vão piorar e “acabam por ir parar às urgências”.
“São também estes doentes que acabam por contribuir para a sobrelotação dos serviços de urgência”, alertou o responsável, sublinhando que ao evitar estas idas à urgência acaba por se conseguir uma poupança no sistema.
Xavier Barreto considera a consulta farmacêutica “fundamental” e lamenta que ela não seja uma realidade “para um conjunto enorme de doentes” por falta de farmacêuticos.
“Claramente os farmacêuticos têm cada vez mais trabalho. São os farmacêuticos que preparam as quimioterapias. Se nós temos mais cancro e diferentes tipos de cancro, naturalmente, vamos precisar de mais farmacêuticos. Se temos mais atividade, mais consultas, mais internamentos, mais cirurgias, toda essa atividade precisa de farmacêuticos, precisa de medicamentos”, alerta.
Fala ainda da importância da inclusão de um profissional farmacêutico na visita aos internamentos, para que o farmacêutico ajude a equipa médica a definir tanto o medicamento a usar, como o esquema terapêutico. “Existe evidência internacional de que se economiza muito dinheiro, porque [o farmacêutico] escolhe os melhores medicamentos, os tratamentos mais custo-eficazes, na dose correta, com o esquema correto e isso traduz-SE em poupanças enormes”, sublinhou.
A este propósito, Xavier Barreto lembra que o medicamento “é uma das grandes linhas de custo dentro dos hospitais” e “tem crescido muito nos últimos anos”.
“E nós não estamos a utilizar esse potencial dos farmacêuticos porque não os temos”, acrescentou.
O último relatório da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) sobre a monitorização de despesa nesta área indica que o encargo com medicamentos em ambulatório nos primeiros oito meses do ano atingiu os 1.103 milhões de euros, um crescimento de 43,6 milhões no mesmo período (+4,1%).
De acordo com os dados do divulgados esta sexta-feira, a despesa em medicamentos aumentou na maioria dos hospitais (86%), sobretudo na área oncológica, nos fármacos anti-infecciosos/VIH e na reumatologia.