E ao terceiro dia de protestos desta semana, o Presidente de Moçambique falou pela primeira vez para pedir a união dos moçambicanos em “momentos atribulados e de desafios” e apelou à presença no jogo da seleção nacional de futebol contra o Mali. Quase ao mesmo tempo, Venâncio Mondlane denunciava uma espécie de caça às bruxas aos militares que “têm estado ao lado do povo” e pedia uma “hora de barulho” para a noite desta sexta-feira em todo o país.
“O povo está unido”, disse o candidato independente às eleições presidenciais de 9 de outubro, mentor dos protestos que há mais de vinte dias abalam o país. No Facebook, numa transmissão vídeo com mais de 100 mil ligações em direto na manhã desta sexta-feira, o político incentivou as manifestações neste último dia da primeira parte da quarta fase da contestação aos resultados eleitorais oficiais que dão a vitória à Frelimo e ao seu candidato, Daniel Chapo.
Pela primeira vez envolto numa bandeira de Moçambique desde que fala aos apoiantes de parte incerta, por razões de segurança, VM7, como Mondlane é tratado pela população, acusa uma “ditadura muito cruel, em que os agentes da polícia estão a entrar nos prédios e nas casas das pessoas à procura de manifestantes”. Mais, continuou, nesta sexta-feira “decorreu uma reunião para afastar do exército os jovens soldados que na quinta-feira se colocaram ao lado do povo” no bloqueio da principal fronteira terrestre de Moçambique, a que separa o país da África do Sul.
????URGENTE: A fronteira do Ressano Garcia, a mais importante fronteira entre Moçambique e África do Sul, foi tomada pelo povo e neste momento, foi montada uma discoteca. A população diz que só vai sair se o “pr. Venâncio Mondlane mandar”.
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“E até lá, estou-me nas tintas”. pic.twitter.com/0JlCJLzaP9— César Chiyaya (@cesarchiyaya) November 14, 2024
Este posto fronteiriço foi fechado nestes três dias de protesto, de forma pacífica, com os manifestantes a fazerem festa na estrada, com música e pessoas a dançarem. Um vídeo que circulou durante todo o dia de quinta-feira nas redes sociais mostrava soldados num carro militar a fazer o sinal 3 com a mão (o sinal de Mondlane, a posição que tinha nos boletins de voto) e a cantarem: “Jurámos defender a nação trabalhando com o povo”.
Watch this. Soldiers deployed at the Ressano Garcia border are chanting "we swore to defend the nation by working with the people", while raising three fingers in support of Venâncio Mondlane, who is in third place on the ballot paper of Mozambique presidential election pic.twitter.com/fBxbIwFhYf
— Borges Nhamirre (@BorgesNhamirre) November 14, 2024
O político que contesta a vitória do candidato da Frelimo nas eleições fez um discurso de apoio aos militares, dizendo-lhes para se manterem fiéis ao seu juramento e avisou o exército que se forem expulsos eles irão engrossar o “exército dos indignados contra o regime”. Presta depois uma homenagem aos que estiveram ao lado dos manifestantes: “A minha vénia vai para vocês, este país está nas vossas mãos, desacatem ordens para atacar a população”, disse.
Ressano Garcia
Os militares estão com o povo pic.twitter.com/jQQNPrq302— POVO NO PODER ???????? (@K8GotTheJuice) November 14, 2024
Um membro do Grupo de Operações Especiais numa convivência pacífica com manifestantes em #RessanoGarcia, Provincia de #Maputo. pic.twitter.com/dqIuUWJH2g
— Alexandre Nhampossa (@AllexandreMZ) November 15, 2024
Os militares não foram um tema exclusivo de Venâncio Mondlane. O Presidente de Moçambique também teve palavras para o exército. Nyusi esteve o encerrar o 11.º curso do Estado maior Conjunto e o 13.º curso de Promoção Oficial Supremo, incentivando os oficiais graduados a dedicarem-se “com maior brilho e afinco no alcance dos objetivos das Forças Armadas de Defesa de Moçambique”.
“Os valores de paz e reconciliação, plasmados no Acordo de Maputo [assinado entre os dois partidos armados Frelimo e a Renamo para terminar com a instabilidade no país, em 2019], continuam a ser centrais para os interesses nacionais de Moçambique e para um futuro próspero”, disse o Chefe de Estado moçambicano. Sem se referir concretamente ao atual cenário de crise no país, deixou um alerta: “Em cada momento que nosso empenho pela paz for colocado à prova, a nossa resiliência cresce e saímos mais reforçados”.
Nyusi considerou que “em momentos atribulados e de desafios, a unidade torna-se não só importante, mas essencial. O nosso futuro, a nossa nação, as nossas famílias, os nossos filhos chamam por cada um de nós para dar mais um passo em frente com dedicação e esperança”, defendeu.
Por outro lado, Filipe Nyusi anunciou que mais de 73% dos beneficiários do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reconciliação (DDR) dos ex-guerrilheiros da Renamo já começaram a receber as suas pensões. E aproveitou a cerimónia de graduação dos cursos militares para apelar ao apoio à seleção nacional de futebol (os Mambas) que defrontou neste dia o rival do Mali.
A julgar pelas imagens do estádio que foram partilhadas nas redes sociais, o pedido do Presidente não teve o acolhimento que terá desejado. “O patrocinador dos Mambas ofereceu mais de 12 mil bilhetes e estão a levantar, seria bom ir aproveitar esses bilhetes para noite, porque nós queremos boas coisas em Moçambique”, apelou Nyusi. Os vídeos mostram um estádio que está longe de estar repleto.
????URGENTE: Os moçambicanos boicotaram o jogo para o CAN.
Moçambique está a jogar contra o Mali, no Estádio do Zimpeto, Maputo, mas os moçambicanos decidiram não ir assistir ao jogo: “o país não tem condições para o entretenimento”, dizem.
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“E até lá, estou-me nas tintas”. pic.twitter.com/bdh7r6DuT0— César Chiyaya (@cesarchiyaya) November 15, 2024
Um convite ao jogo que foi criticado por Venâncio Mondlane nos 40 minutos da sua “live” de motivação ao protesto enquanto garantia: “A nossa luta não vai acabar”. Referindo que “este exército enorme que veio salvar Moçambique” vai passar “por momentos de dor, perseguição, frustração, desânimo”, sublinhou que esse percurso é o “da libertação do país”.
E para fechar o dia de protestos, que foi marcado por manifestações pacíficas em vários pontos de Moçambique, incluindo a capital, marcou um protesto diferente, sobretudo para aqueles que lhe têm dito que não podem sair à rua “porque são militares ou funcionários públicos”. Mondlane convocou “uma hora de barulho”, entre as 21h e as 22h em todo o país. “Peguem em panelas, tachos, vuvuzelas, apitos, batuques, seja lá o que for, e façam barulho, se não tiverem nada batam palmas, mas façam barulho”, instruiu. “Não durmam”, pediu.
Venâncio Mondlane tem os olhos postos na reunião da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC, na sigla em inglês) que decorre neste sábado em Harare, no Zimbabwe. Para já conta com o apoio da Amnistia Internacional que na quinta-feira pediu a esta organização uma “posição firme” face à violência que se alastrou em Moçambique. Mondlane fala em 70 mortes durante todo o período de contestação, em três dias houve pelo menos 11 vítimas mortais segundo a plataforma Decide.
Pelo menos 11 mortos e 16 baleados em manifestações desde quarta-feira em Moçambique
“A situação em Moçambique piora a cada dia que passa, à medida que o número de mortos aumenta, mas a SADC mantém um silêncio chocante”, lamentou a diretora regional adjunta da Amnistia Internacional para a África Oriental e Austral, Khanyo Farisè.