No dia em que se assinalam dez anos desde a sua detenção, no âmbito da operação Marquês, José Sócrates volta a lançar duras críticas à Justiça, aos jornais e à política, fazendo uma comparação com o caso Influencer — a diferença, diz, é que “há 10 anos, não se esqueceram de escolher o juiz”. Insiste que o seu processo não passa de uma “mentira” e que tem vivido uma “luta solitária”: “O Sistema Judicial ratificou, o jornalismo aplaudiu e a política calou-se perante a barbaridade”.

Num artigo de opinião, com o título “Breve história do Processo Marquês escrita no dia em que faz 10 anos”, publicado no Diário de Notícias, o antigo primeiro-ministro começa por referir que durante todos estes anos, “o Estado português levou a cabo a mais formidável campanha de difamação contra um cidadão inocente que alguma vez teve lugar em Portugal: negou o direito de defesa, vigarizou a escolha do juiz do inquérito, violou o segredo de justiça e rejeitou a presunção de inocência”.

“Mentiram tanto, e mentiram durante tanto tempo, que se transformaram eles próprios na Mentira, com M grande”, escreveu, detalhando de seguida a sua posição quanto aos vários pontos da acusação: “Mentiram quanto ao ‘TGV’, mentiram nas ‘casas da Venezuela’, mentiram na ‘Parque Escolar’, mentiram na ‘OPA da Sonae’, mentiram em ‘Vale do Lobo’, mentiram quanto à ‘proximidade a Ricardo Salgado’, mentiram no ‘apartamento de Paris’, mentiram na chamada ‘fortuna escondida’. A espiral demoníaca da mentira e da violência funciona por retroalimentação – mais mentira implica mais violência, e mais violência necessita de mais mentira.”

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Sócrates ataca ainda o que classifica como “metamorfose da acusação”, dizendo que “em 10 anos, o Estado fez três acusações diferentes”, sustentando que “vale tudo para salvar a face do Ministério Público”: “A primeira para ato lícito, a segunda sem ato, a terceira para ato ilícito”. O antigo primeiro-ministro voltou ainda a criticar os prazos de inquérito, que são indicativos: “Há muito que deixaram de indicar seja o que for”.

“Diferentemente do que para aí dizem, a ameaça à separação de poderes vem da usurpação de funções do poder político pelo poder judicial, não o contrário”, acusa ainda, fazendo uma comparação com o caso Influencer e rematando que “a história do Processo Marquês não é a de um processo de direito comum, mas de um processo de exceção”: “O Processo Marquês nunca foi um processo judicial, mas uma armação política. A sua razão de ser nada teve a ver com justiça, mas com política — impedir a minha candidatura a Presidente da República e evitar que o Partido Socialista ganhasse as Eleições Legislativas de 2015. A única diferença face ao recente Processo Influencer é que, há 10 anos, não se esqueceram de escolher o juiz. A diferença que faz escolher o juiz”.

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O antigo primeiro-ministro foi acusado em 2017 por 31 crimes de corrupção passiva, falsificação de documentos, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. A fase de instrução, que é optativa, foi pedida por 19 dos 28 arguidos, incluindo pelo ex-governante, tendo sido sorteada ao juiz Ivo Rosa, a 28 de setembro de 2018. Este juiz acabaria por pronunciar o ex-primeiro-ministro apenas por três crimes de branqueamento e três de falsificação, fazendo uma alteração substancial ao texto da acusação. Na sequência de um recurso do Ministério Público, a decisão de Ivo Rosa acabou, no entanto, por ser revertida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que mandou para julgamento um total de 22 arguidos por 118 crimes.