A mulher mais rápida do mundo é de Santa Lúcia. Esta foi uma das grandes histórias do ano, saída de mais uma edição dos Jogos Olímpicos — e como só este certame é capaz de proporcionar. Menos de 11 segundos foram suficientes para Julien Alfred triunfar numa noite chuvosa no Stade de France e colocar um país com menos de 200 mil habitantes, e que só se estreou nas Olímpiadas em 1996, no mapa. Foi o primeiro pódio de sempre e logo numa das provas mais mediáticas do atletismo.

Naquele dia 3 de agosto, Alfred entrou em pista como uma estranha e praticamente desconhecida. Estava longe de ser a favorita, já que partilhava a prova com nomes como Sha’Carri Richardson, a então campeão do mundo, ou as jamaicanas Elaine Thompson e Shelly-Ann Fraser-Pryce. Julien acabou por levar a melhor numa corrida frenética e decidida ao limite e tornou-se na grande heroína do seu país. No dia 27 de setembro comemorou-se o dia de Julien Alfred em Santa Lúcia e parte da estrada Millennium Highway recebeu o nome da atleta, que também foi premiada com um milhão de dólares e um terreno pelo governo local.

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Recentemente, no final de outubro, a velocista esteve em Portugal, tendo recebido o Prémio ANOC 2024 na gala da Associação dos Comités Olímpicos Nacionais (ANOC) que se realizou em Cascais. Em entrevista ao Telegraph, Alfred explicou que a sua vida sofreu uma grande mudança. “Sou mais reconhecida pessoalmente e para onde quer que viaje. Até mesmo para os meus familiares. As pessoas sabem quem são os meus irmãos e irmãs. Eles também são reconhecidos e são abordados na rua, no trabalho. Também tem sido uma mudança de vida para eles”, explicou.

Foi em criança que Julien Alfred descobriu o gosto pelo atletismo. As suas primeiras memórias remontam ao tempo em que estava na escola primária e corria para casa, em Castries, a capital do país. “Lembro-me de correr contra as meninas e, por vezes, contra os meninos, quando as coisas se tornavam muito competitivas na escola primária”, revelou na entrevista. O seu talento acabou por ser reconhecido pela bibliotecária da escola, que a apresentou ao treinador Cuthbert Modeste. Assim, a partir dos nove anos, Alfred começou a treinar mais regularmente e de acordo com um plano que perdurou durante os três anos seguintes.

Contudo, foi nessa altura, com 12 anos, que Alfred viveu um dos piores momentos da sua vida, com a morte do seu pai. Perante esse trágico acontecimento, a atleta decidiu interromper o percurso no atletismo e afastou-se totalmente do desporto. Ainda assim, Modeste não desistiu de si e encorajou-a a voltar ao atletismo para, uma década depois, subir ao trono olímpico em Paris-2024, com uma dedicação especial. “Penso em Deus e no meu pai, que não me conseguiu ver. Pai, isto é para ti. Sinto a tua falta. Fi-lo por ele, pelo meu treinador e por Deus”, revelou depois de ter conquistado o ouro.

“Quero ser a Usain Bolt feminina”

Preparar a participação numa final, não é um momento fácil para os atletas. Por vezes, são esses momentos que definem se uma carreira foi bem sucedida ou, pelo contrário, sem grande sucesso. Com Julien Alfred foi diferente. A viver um dos grandes momentos da sua carreira e a beneficiar do estatuto de outsider, a santa-luciense concentrou-se no ídolo Usain Bolt. No sexto ano perguntaram-no o que queríamos ser quando fossemos grandes e eu disse: ‘A Usain Bolt feminina’. É muito estranho dizê-lo agora, mas eu queria ser como ele”, explicou, acrescentando que assistiu a “todas as suas provas”.

“Mesmo antes dos Jogos Olímpicos, tive que voltar àquela criança interior e apenas ver o quão incrível ele era. Imaginava-me a ser exatamente como ele. Tive de fazer isso na manhã da primeira corrida e no dia da final”, explicou. Ao contrário do ídolo, Alfred é bem mais discreta e admitiu até “não gostar muito de redes sociais”, apesar de ter ganhado mais de cem mil seguidores depois dos Jogos Olímpicos. “Às vezes posso ser apenas normal, conversar ou rir um pouco com alguém. Mas quando estou na pista, não falo. Não tenho amigos”.

As mudanças para o exterior à procura do sonho

Fruto de ter nascido num país pouco desenvolvido no que ao atletismo diz respeito, Julien Alfred teve de emigrar em duas ocasiões antes de ter completado 18 anos. A primeira vez aconteceu aos 14 anos e levou-a até à Jamaica, o país do seu ídolo. Ainda assim, o que mais lhe custou foi abandonar Santa Lúcia em tenra idade. “Tive que me adaptar a não estar com a minha família. Acho que não me adaptei totalmente a ficar longe da minha família. A diferença cultural, a língua, o ambiente do desporto, da corrida e do atletismo em geral em Santa Lúcia, em comparação com a Jamaica, é completamente diferente”, completou.

Na entrevista, Alfred acabou por explicar os motivos que a levaram a ruma à Jamaica e, como não podia deixar de ser, o nome de Bolt voltou a estar presente. “Ouvimos falar de Elaine [Thompson-Herah], de Shelly [Fraser-Pryce], de Usain Bolt… Essa foi uma das razões que me levou a ir para aquele ambiente, sabendo que grandes nomes surgiram ali. Em criança, ficas animado para embarcar numa aventura. Queria aproveitar a oportunidade, aproveitei e tirei o melhor proveito dela”, acrescentou. Contudo, três anos depois, mudou-se para o Texas para treinar com Edrick Floréal, antigo atleta olímpico do Canadá.

“[Floréal] é alguém que eu senti que deveria fazer parte da minha jornada”, começou porque dizer, explica que também treina co a britânica Dina Asher-Smith, que a ajudou a transformar a pressão de ter um país a observá-la na motivação para fazer uma corrida. “Conquistas? Acho que já superei isso porque estou a preparar-me para a nova temporada e há Campeonatos do Mundo a chegar. Preparei-me para não ficar muito confortável agora que ganhei o ouro olímpico, mas ainda assim percebi o que fiz em Paris”, terminou.